Alojamento
local: Supremo dá razão a proprietária contra condomínio
Condomínio
de Lisboa, que tinha proibido a alteração do destino dada à
habitação, saiu derrotado.
ROSA SOARES 29 de
Março de 2017, 19:58
Contra o
entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, o Supremo Tribunal
de Justiça (STJ) acaba de considerar legítimo que os proprietários
de fracções autónomas, em prédios de habitação, possam
afectá-los para alojamento local. Trata-se da primeira decisão de
um tribunal superior sobre esta matéria e representa um duro golpe
para os condóminos que tinham esperança de poder travar o fenómeno
do alojamento para turistas em prédios destinados a habitação
permanente.
O entendimento dos
tribunais sobre esta matéria não é consensual. Na mesma altura em
que o Tribunal da Relação de Lisboa tinha dado razão ao condomínio
que, em sede de assembleia de condóminos, proibira o exercício da
actividade de alojamento local à proprietária de uma fracção, o
Tribunal da Relação do Porto tinha decidido em sentido contrário,
legitimando, como agora acontece com a decisão do STJ, uma alteração
do destino dado à habitação.
De acordo com o
escritório de advogados CA ONTIER, representantes da proprietária
que avançou para tribunal, “o acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça agora publicado veio dar razão à Relação do Porto, tendo
determinado que a actividade de alojamento local que seja exercida
numa fracção destinada a habitação não viola o respectivo título
constitutivo da propriedade horizontal, não podendo o condomínio,
por essa via, proibir o exercício da actividade de alojamento
local”.
O acórdão da
Relação de Lisboa, que é o que chegou ao Supremo, sustentava-se no
Código Civil (artigo 1418), onde se salvaguarda que, se o título
constitutivo da propriedade horizontal (prédio com fracções
autónomas, detidas por vários proprietários) estabelecer como
utilização a habitação, a assembleia de condóminos pode não
autorizar outro destino ou afectação. E o alojamento para turistas
é considerado uma actividade comercial (CAE 55201).
“Se um condómino
dá à sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título
constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se
ele infringe a proibição contida no artigo 1422º (…) do Código
Civil, o único remédio para essa afectação é a reconstituição
natural (afectação da fracção em causa ao fim a que ela estava
destinada) ”, concluíram os juízes da Relação, argumentação
que não foi atendida na instância superior.
Em comunicado, a
Associação do Alojamento Local em Portugal, ALEP, congratula-se com
a decisão do STJ, considerando que “esta decisão é importante
pois traz estabilidade jurídica a uma actividade que tem ganho um
peso crescente não só ao nível económico mas também social, uma
vez que há já milhares de famílias que dependem do alojamento
local”.
Independentemente
desta decisão, a ALEP considera que “é fundamental promover o
espírito de boa vizinhança e de cooperação entre os proprietários
que desempenham a actividade do alojamento local e as assembleias de
condóminos” e refere estar a preparar “um projecto de boas
práticas, com o objectivo de garantir o respeito pelos interesses de
todos: proprietários, condóminos, inquilinos e turistas”.
A oferta de
alojamento local ou de curta duração cresceu de forma exponencial
nos últimos dois anos, sobretudo, nos centros das cidades de Lisboa
e do Porto, e tem gerado alguma conflitualidade entre residentes
permanentes (proprietários ou arrendatários) e turistas. Ruído,
horas de partida e de chegada susceptíveis de perturbarem o descanso
nocturno, ou falta de privacidade nas áreas comuns, são alguns dos
problemas apontados.
A legislação que
enquadra esta actividade é recente (Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29
de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23 de Abril),
obrigando à sua autorização por várias entidades públicas, mas é
omissa em relação à autorização dos condóminos.
Turismo
“low-cost” e legislação permissiva transformam centros
históricos em “Disneylândias”
29 mar, 2017 –
07:56
As principais
cidades portuguesas estão a ser afectadas pelo fenómeno, acusa a
organização do Fórum Património.
A organização do
Fórum Património considerou que o “desmesurado crescimento do
turismo ‘low-cost’”, a “legislação permissiva” e a
“fiscalização ineficaz” têm permitido a transformação de
centros históricos das cidades em “Disneylândias”.
“E não é uma,
mas são muitas Disneylândias, uma rede delas, a florescer não só
nos centros históricos de Lisboa e do Porto, mas nos das principais
cidades portuguesas, como Coimbra, Faro e Aveiro. O fenómeno já
chegou ao Alentejo e em Évora já se sentem os seus efeitos, desde
logo no rápido aumento das rendas”, refere a organização, que
agrega várias associações, em comunicado, a propósito do Dia
Nacional dos Centros Históricos, assinalado na terça-feira.
As entidades
sublinharam que há edifícios residenciais esvaziados “contra
vontade dos inquilinos” para serem depois transaccionados,
reabilitados à “trouxe-mouxe” e abertos como alojamentos
turísticos.
Autarcas
permissivos?
Os autarcas, no
entender da organização, “desconhecem o conceito de turistas a
mais” e têm sido permissivos, pelo que o fenómeno continua a
crescer.
As associações
consideram que o fenómeno pode ter impactos negativos para a
população local, em especial nos grupos mais carenciados, pois leva
“os moradores tradicionais e as camadas de menos recursos para as
periferias” e “está a impedir a fixação nesses locais de
estratos mais jovens da população”.
Esta transformação
dos centros históricos em “Disneylândias” (nome do parque de
diversões da Disney) poderá ainda contribuir para a sua
descaracterização, perdendo-se a herança cultural da geração
seguinte, lembra a nota.
Questões como estas
“deveriam merecer uma reflexão” dos responsáveis envolvidos no
planeamento, construção e reabilitação de cidades, bem como dos
seus cidadãos, especialmente em dias como o de hoje, sublinha a
organização.
O Fórum do
Património vai decorrer a 10 de Abril, na Sociedade de Geografia de
Lisboa.
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