Frias
Marques. "A banca continua a emprestar dinheiro para especulação
imobiliária"
22 mar, 2017 - 17:24
• Sérgio Costa
O presidente da
Associação Nacional de Proprietários queixa-se, em entrevista à
Renascença, de uma quadro de pressão exercido sobre habitantes dos
centros históricos.
Tocou num ponto que
é o da reabilitação urbana. Está a ser bem direccionada?
A reabilitação
urbana que está a ser feita nos centros históricos de Lisboa e do
Porto e, no caso do Porto, na zona da Sé e por aí, não passa de um
"pastiche". É uma reabilitação que é, simplesmente, um
fachadismo. Na baixa lisboeta, chega-se ao cúmulo de manter as
fachadas pombalinas e destruir todo o seu interior. Ora, nós sabemos
que a baixa de Lisboa assenta sobre um lençol freático. Há um rio
que corre e, ao estar a fazer caves que impedem o natural curso das
águas e ao destruir a construção anti-sísmica pombalina, estamos
a pôr em causa toda a estrutura da baixa e até a segurança das
pessoas que forem habitar essas casas.
Essa reabilitação
está a ser direccionada para fazer regressar ou manter as pessoas ou
é voltada para alojamentos turísticos?
Nós somos
absolutamente contra a gentrificação dos centros históricos. Os
idosos têm o direito de viver nas casas que sempre habitaram. Nós
não vamos chegar ao ponto de pôr em prática aquela história que a
gente aprendeu há muito tempo, de pegar no idoso, pô-lo no cimo do
monte e dar-lhe uma manta para o agasalhar. Isso não é cristão,
isso é de uma desumanidade, isso é de uma falta de... Nem sei como
é que hei-de classificar isso.
Quem pratica esta
gentrificação não são os senhorios clássicos dos prédios. Os
senhorios clássicos dos prédios podem ficar com a fama, mas quem
fica com o proveito são os imensos intermediários que, passados um
mês ou dois ou três, vende a outro intermediário, que depois vende
a outro intermediário.
As câmaras
municipais estão apostadas em manter os habitantes nos centros
históricos, a trazer mais pessoas para as cidades?
O discurso das
câmaras, principalmente das duas principais cidades do país, é um,
mas, do nosso ponto de vista, a prática é outra. Porque o discurso
é, realmente, o de manter os habitantes, mas sabemos que as câmaras
têm uma sede imensa de receitas das licenças de construção e,
depois, não há dúvida nenhuma que vai tudo abaixo. Vai tudo raso e
fica só a fachada.
Que tipo de
intervenção deviam ter os municípios nesta matéria?
Todas as vezes que
nós temos questionado os municípios, estes, sistematicamente,
respondem que esta questão faz parte das relações entre o
proprietário e o arrendatário e essas são reguladas pelo código
civil e outra legislação. Mas nós sabemos que há muita forma de
pressão que estas entidades, estes intermediários, todas esta
pessoas que se dedicam a este tipo de negócio fazem, não só sobre
os proprietários como sobre os arrendatários. E estamos a falar de
uma população idosa, que devia ser protegida e, em vez de ser
protegida, é pressionada e muitos deles acabam por sair.
Há também relatos
de que os próprios proprietários estarão a fazer pressão sobre os
inquilinos para que abandonem as suas casas. Como é que comenta
estes relatos que têm surgido na imprensa nos últimos dias?
A lei em vigor é
bem clara. Desde que o arrendatário tenha mais de 65 anos de idade,
tem o direito de permanecer na sua casa durante o resto da vida.
Agora se há pressões e nós sabemos de casos que depois as pessoas,
os arrendatários pressionados, muitos deles acabam por aceitar uma
indemnização. Até porque há situações em que os próprios
arrendatários já dispõem de outra casa, ou os filhos dispõem de
outra casa, etc etc. E em que portanto por vezes as coisas até se
resolvem de uma forma harmoniosa. Outras vezes não... Outras vezes é
de uma forma violenta.
Haverá alguns casos
em que alguns arrendatários, até pela própria idade, não tem
informação adequada. Que garantias dá que a maioria dos
proprietários respeitam os direitos dos inquilinos se considerarem
que é o momento de vender a sua propriedade?
Não é pelo facto
de o proprietário vender o imóvel que os direitos dos inquilinos
são postos em causa, porque os direitos dos inquilinos continuam,
independentemente do prédio ser vendido ou não ser vendido. Aliás,
devo dizer, que segundo a lei o arrendatário tem o direito de
preferência e obrigatoriamente o prédio tem de ser oferecido ao
arrendatário, ao inquilino, como lhe queira chamar. Agora o que se
passa é que muitas vezes as pessoas não têm posses, realmente,
para comprar o prédio e nestes casos, quanto a nós, e aqui também
devemos falar no arrendamento comercial, nomeadamente nas chamadas
lojas históricas, e devemos preservar o património, e aquilo que
nós dizemos é que a renda que tem de ser paga, tem de ser paga uma
renda de mercado porque a loja histórica também vende os seus
produtos ao preço de mercado, e por vezes nessas lojas, enfim,
antigas, até se paga para lá entrar, não é, quanto mais para
vender qualquer coisa.
A legislação é
suficiente para garantir essa harmonia no mercado?
A lei do subsídio
de renda, que foi promulgada em 2014, inexplicavelmente foi posta de
lado por este actual governo. Quanto a nós a grande solução para
este caso é haver um subsidio de renda para as pessoas que não
podem pagar a renda justa. E nós, quando dizemos a renda justa para
os arrendatários com mais de 65 anos, que são a maioria das pessoas
nestas zonas históricas, equivale a um quinzeavos do valor
patrimonial do imóvel. Aí, realmente, o estado tinha uma função
primordial que era cobrir a diferença entre aquilo que a pessoa
podia pagar e aquilo que é a renda justa, que é esta que eu acabei
de dizer. Agora, inexplicavelmente, o actual governos pôs de lado
toda esta ideia de subsídio de renda e sinceramente neste momento há
uma comissão na Assembleia da Republica que está a tratar de uma
divisão ao NRAU e desconhecemos em absoluto o estados dois
trabalhos.
Que tipo de soluções
é que poderia sugerir se fosse consultado nesses trabalhos cujo
andamento desconhece?
A nossa posição é
muito simples. Nós não somos de maneira nenhuma a favor de uma
coisa, que pelos vistos algumas pessoas pretendem, que é o despejo
geral da nação. Nós achamos que inquilinos e proprietários devem
viver em harmonia, de uma forma harmoniosa e nunca uns contra os
outros. Porque uns contra os outros não vamos a lado nenhum. E o
facto de a pessoa ser inquilino não é de forma nenhuma indigno.
Aliás, devo lembrar que o Supremo Magistrado da Nação faz gala a
dizer que é inquilino, que não é proprietário. De forma que isso
está absolutamente fora de questão. Agora, no caso de a pessoa não
poder pagar a renda, realmente tem de haver um subsídio de renda.
Este é o caminho que nós achamos que deve haver.
Voltando para o lado
dos proprietários, nas últimas horas a Associação Nacional de
Proprietários alertava para armadilhas burocráticas em relação ao
imposto adicional, ao imposto municipal sobre imóveis. Que
armadilhas burocráticas são essas?
Bom, o adicional ao
IMI, que é o imposto municipal sobre imóveis, quanto a nós não
tem razão de existir e sobretudo, repare, começaram por dizer que a
receita total ia ser 200 milhões de euros e neste moimento já se
calcula em 20 milhões, se for, portanto é uma ninharia, eu nem sei
até se o estado não ira gastar mais dinheiro com a maquina fiscal
que tem que montar do que com aquilo que vai cobrar, e na altura
própria nós dissemos que não fazia sentido nenhum uma pessoa que
tenha um património imobiliário superior a 600 mil euros a ter que
pagar um imposto suplementar só pelo facto de ser detentor disso,
porque isso independentemente do rendimento ou falta de rendimento
que lhe der, sobretudo, porque está a discriminar os proprietários
imobiliários em relação a outro tipo de proprietários, porque eu
em vez de ter imóveis posso ter dinheiro no banco, posso ser super
rico, posso ter dinheiro no banco, posso ter obras de arte, posso ter
casacos de peles, posso ter jóias valiosíssimas, enfim, posso
investir em acções na bolsa, etc etc, e aí, aí ninguém toca, só
tocam no desgraçado do proprietário imobiliário, de forma que
isto, quanto a nós, não tem nenhuma razão de existir. Agora as
armadilhas de que nós falamos é que o que acabou por sair na
legislação é uma confusão completa, total e absoluta, sobretudo
porque, em relação aos casados e aos unidos de facto, em relação
às heranças indivisas, toda esta trapalhada que armaram. Porque
chegaram ao ponto em que os herdeiros de uma herança podem fingir
que fazem partilhas só para efeito do AIMI, independentemente depois
de no tribunal as partilhas serem feitas de outra maneira. Bom, se
isto não é confusão, não sabemos o que é confusão.
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