O
dilema de Costa entre Teodora e Mariana
Ou
a rapaziada do Bloco perdeu o juízo, ou está a mover-se numa
cultura de intolerância e de sectarismo que tem de ser travada.
Manuel Carvalho
8 de Março de 2017,
7:32
Imagine-se que o
diabo chegou e António Costa tinha de fazer uma escolha para o
Governo entre Mariana Mortágua e Teodora Cardoso. Quem escolheria? A
pergunta é, obviamente, um disparate. Mas tem um mérito: o de nos
levar a inquirir sobre a georreferenciação ideológica e
programática do Governo. Está o PS de António Costa mais perto da
ortodoxia da presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP) ou
da ortodoxia da deputada do Bloco que considera, num texto no JN, que
o elogio ao controlo do défice é um contributo para “a pedagogia
da direita”? Então (agora mais sério), porque é que o PS se
junta tão alegremente ao Bloco e ao PCP nas críticas à economista
e ao Conselho? Porque, como diz a opinião à direita, o Governo está
a “deixar cair as máscaras” supostamente totalitárias? Não, a
razão é outra e mais simples: os parceiros da geringonça precisam
de jogos de sedução como as máquinas precisam de óleo.
No pedestal da sua
longa carreira, Teodora Cardoso deve ter a pele mais do que dura para
aguentar raspanetes do primeiro-ministro ou remoques do Presidente da
República. De resto, dizer que, “até certo ponto”, houve um
milagre na execução do Orçamento de 2016 não é crime do outro
mundo. Não andasse o ar tão contaminado pela euforia do Governo e o
azedume da oposição e a sua declaração até poderia ser vista
como um elogio – afinal, os milagres só estão ao alcance dos
santos ou dos mágicos. Mas, como prevalece por estes dias a
propaganda que retira Portugal da crise, torna a “geringonça”
uma solução que até os estrangeiros enaltecem, e faz-nos regressar
aos saudosos anos da confiança ilimitada, o discurso prudente e algo
lógico da presidente do CFP tornou-se um insulto.
Mais do que as
previsões erradas ou o aviso de que o “milagre” do orçamento se
fez com cortes no investimento, o que os partidos do poder abominam é
a proximidade ideológica de Teodora a Passos Coelho ou a Assunção
Cristas. “Há uma ideologia que tenho: o respeito pela
racionalidade económica", disse a economista no Parlamento em
Abril, e nessa racionalidade não entram nem a aposta no consumo
privado como motor de crescimento, nem a crença de que o défice se
manterá nos 2.1% sem reformas estruturais. Será isto um problema?
Não, é uma virtude. Haver contraditório ao poder oficial é sempre
bom. Ou já se esqueceram do Tribunal Constitucional na anterior
legislatura? Desqualificar Teodora Cardoso pondo em causa o
merecimento do seu salário, como fez Manuel Tiago do PCP ou, ainda
pior, admitir extinguir ou alterar a natureza do CPF, como fez o PS,
é por isso um exercício perigoso. Deixa no ar a ideia de que o
Governo deixou de ter mão no equilíbrio precário da aliança com o
PCP e o BE.
Custa perceber como
o PS entrou nesta deriva. Que o primeiro-ministro reagisse ao anúncio
do “milagre” lembrando “o monumental falhanço de todas as
previsões do CFP ao longo do ano de 2016”, aceita-se. Mas que
Eurico Brilhante Dias venha dizer que o Conselho “cria pânico e
desconfiança na execução orçamental” para de seguida admitir a
“revisão” das suas funções no Parlamento, custa a entender.
Quererá Brilhante Dias “rever” a Comissão Europeia, o Banco
Central Europeu, a OCDE ou o FMI que produziram reiteradamente as
mesmas suspeitas sobre a execução orçamental? Não percebe
Brilhante Dias que, no actual estado de equilíbrio entre o PS e os
seus apoiantes, é conveniente que haja órgãos como o Conselho a
puxar a corda para a margem da “racionalidade económica”, onde o
PS se situa, de modo a poder gerir melhor a pressão dos parceiros de
esquerda?
Porque, vamos lá
ver se nos entendemos, o mérito maior do Governo foi seguir os
alertas de Teodora Cardoso ou da Comissão Europeia e não o
contrário. O quase milagre não foi milagre nenhum porque houve uma
clara intencionalidade do Governo em fazer tudo para cumprir as metas
do défice. Ou se foi milagre foi-o porque António Costa fez de
Teodora Cardoso ao congelar o investimento público, ao aumentar as
receitas fiscais na gasolina ou ao avançar com um perdão fiscal (o
famoso PERES), ao mesmo tempo que fez de Catarina Martins e Jerónimo
de Sousa ao devolver salários, ao acabar com a sobretaxa do IRS ou
ao avançar com as 35 horas na função pública. É o que Mariana
Mortágua designa com mágoa como “as contradições política e
ideológicas do próprio Partido Socialista”.
Quando se sabe que o
Governo estuda o fim das promoções automáticas na função pública
(é impossível voltar a gastar 14.5% do PIB em salários como em
2005), quando se reconhece que o investimento público terá mesmo de
aumentar ou que não haverá mais PERES, o que o CFP, as organizações
internacionais, a banca ou a academia tiverem a dizer sobre as contas
do Estado deve ser escutado sem desprezo nem arrogância. Este coro
de alertas não tem de ser necessariamente mau para o Governo. Pelo
contrário. Foi o aperto da Comissão Europeia entre a apresentação
do Orçamento de 2016 e a entrega do Plano de Estabilidade e
Crescimento que levou Centeno e Costa a perceberem que tinham de
mudar. E foi essa mudança que lhes granjeou o sucesso que hoje
reclamam.
2 – Até se podia
perceber que a rapaziada do Bloco na Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas de Lisboa arregaçasse as mangas e arreganhasse os dentes
para boicotar uma conferência patrocinada pelo Partido Nacionalista
Renovador. Os ideais fascizantes, racistas e ofensivos da
extrema-direita agressiva devem ser combatidos sem relativismos nem
condescendência e é bom que a juventude assuma de alma aberta esse
combate. Mas, rapaziada, que mal pode trazer ao mundo uma tal Nova
Portugalidade que se limita a apregoar que a nação “é a cabeça
de uma civilização mundial” ou que “essa grandeza conquistada a
sangue nos dá direito ao orgulho e à liberdade”?
Bem sabemos que o
gérmen nacionalista deu origem a integralismos que serviram de
semente ao salazarismo. Mas boicotar e ameaçar a realização de uma
conferência com um destacado intelectual de direita, Jaime Nogueira
Pinto, revela uma desproporcionalidade tão estúpida como perigosa.
Ou a rapaziada do Bloco perdeu o juízo, ou está a mover-se numa
cultura de intolerância e de sectarismo que tem de ser travada. Que
a extrema-esquerda com um pezinho no poder está a ficar arrogante,
já o sabíamos; agora que se dedique a censurar e ameaçar a outra
extrema, é um indício de que algo de novo anda pelo ar.
Preparemo-nos. Não é com demissões resignadas como a da direcção
da faculdade que o problema se resolve.
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