quinta-feira, 16 de março de 2017

Procuradora-geral em silêncio sobre prolongamento da Operação Marquês / Sócrates e a pergunta que ninguém quer fazer


Procuradora-geral em silêncio sobre prolongamento da Operação Marquês

Procurador Rosário Teixeira pediu esta semana pelo menos mais 60 dias para terminar a investigação. Defesa de Sócrates quer ser ouvida antes de Joana Marques Vidal decidir.

MARIANA OLIVEIRA 16 de Março de 2017, 22:25
https://www.publico.pt/2017/03/16/sociedade/noticia/procuradorageral-em-silencio-sobre-prolongamento-da-operacao-marques-1765499

A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, manteve-se esta quinta-feira em silêncio sobre o eventual prolongamento do prazo para terminar a investigação da Operação Marquês, que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates. Nesta quarta-feira soube-se que o principal titular do inquérito, o procurador Rosário Teixeira, pediu esta semana a Joana Marques Vidal pelo menos mais dois meses para concluir a investigação.

No entanto, até às 22h desta quinta-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) dizia nada ter a adiantar sobre o assunto. O prazo de 180 dias dado em Setembro passado pela procuradora-geral da República para concluir o inquérito terminará nesta sexta-feira (a defesa de Sócrates insiste que terminou na passada segunda-feira). Contactada várias vezes pelo PÚBLICO, a PGR não confirmou sequer ter recebido o pedido para prorrogar o prazo, nem esclareceu quando termina o prazo de 180 dias.

A principal justificação de Rosário Teixeira para solicitar o prolongamento da investigação é a de que ainda falta ao Ministério Público receber as respostas a pelo menos quatro cartas rogatórias enviadas às autoridades judiciais de quatro países: Singapura, Reino Unido, Suíça e Angola.

A maior parte dessas cartas rogatórias – um instrumento usado para pedir oficialmente elementos de prova a entidades estrangeiras – refere-se a pedidos de elementos bancários considerados essenciais para fechar alguns circuitos financeiros que estão a ser reconstituídos pelos investigadores.

"Não pode prolongá-lo mais"
Nesta quinta-feira um dos advogados de Sócrates, Pedro Delille, disse, em entrevista à TSF, que a defesa ainda não foi ouvida acerca da eventual decisão de prolongamento da investigação, mas que espera que isso ainda aconteça. Delille instou, também, a procuradora-geral a cumprir os prazos que ela própria indicou. “Se a senhora procuradora fixou um prazo que acabou na segunda-feira à noite basta fazer as contas para perceber que não pode prolongá-lo mais”, afirma o advogado.

Pedro Delille acusa ainda o Ministério Público de não ter sido capaz de apresentar provas contra Sócrates e, por isso, prolongar este processo indefinidamente. Diz que o Ministério Público não foi capaz “de arranjar qualquer prova” mas que apresentou o processo “à opinião pública e aos jornais” como se “fosse uma condenação certa do engenheiro Sócrates”, mesmo sem provas.

Também nesta quinta-feira, Joaquim Barroca, ex-vice-presidente do Grupo Lena, esteve a ser interrogado no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), no âmbito da Operação Marquês. Acompanhado do seu advogado, Castanheira Neves, o arguido entrou nas instalações daquele departamento cerca das 9h30 e saiu por volta das 12h30.


O vice-presidente do grupo Lena é considerado pelo Ministério Público um dos corruptores activos de Sócrates. Pelas suas contas passaram vários milhões de euros que foram parar às contas de Carlos Santos Silva, o alegado testa-de-ferro do ex-primeiro-ministro. Só uma parte, perto de três milhões, terá sido contrapartida pela intervenção de Sócrates, enquanto responsável político, no desenvolvimento dos negócios do grupo, nomeadamente a construção de casas pré-fabricadas na Venezuela, as concessões rodoviárias e o projecto do TGV. O empresário, que chegou a estar em prisão preventiva, foi obrigado a pagar uma caução de 400 mil euros para sair em liberdade. Com Lusa


Sócrates e a pergunta que ninguém quer fazer
Uma acusação sólida também deverá obrigar o PS, que hoje anda por aí tão impoluto e tão impante, a assumir responsabilidades políticas e a responder pela sua cumplicidade com o maior desastre da democracia portuguesa.

João Miguel Tavares
16 de Março de 2017, 6:33

Este texto começava com a frase: “José Sócrates é o elefante no meio da sala da política portuguesa.” Mas a metáfora não é exacta. Afinal, não se pode dizer que as pessoas não estejam a ver o elefante – o homem está todos os dias nas notícias. Pode, contudo, dizer-se que o regime político e a sua oligarquia rezam todos os dias para que nos concentremos apenas no elefante, e esqueçamos a sala. É como se ela não existisse. Como se o elefante tivesse ali chegado sozinho. Como se ninguém o tivesse ajudado. Como se ninguém o tivesse alimentado. Como se ninguém lhe tivesse dito: “sirva-se, se faz favor”. Como se um dia Portugal acordasse, ao fim 30 anos a viver com aquele elefante, e exclamasse com ar inocente: “Que animal desagradável! Como é que ele conseguiu aqui chegar?”

Eu digo-vos como chegou: acompanhado. Só que essa é a pergunta que ninguém quer fazer. Passaram-se 28 meses desde a prisão na Portela. Tem sido um tempo terrível para José Sócrates. Não é só a acusação que se tem fortalecido e as suspeitas acumulado – é, acima de tudo, o facto de a sua defesa ter-se mostrado incapaz de montar uma justificação consistente para as suspeitas, apesar dos meios que tem à disposição, das dezenas de recursos, do acesso em horário nobre a qualquer televisão, e de tantos políticos, jornalistas e colunistas mortinhos para que o caso dê em nada. A insistência dos advogados num estilo trauliteiro tornou-se cansativa, os adjectivos são sempre os mesmos, as justificações implausíveis, o que ele próprio admitiu é politicamente inadmissível, as entrevistas são negociadas ao milímetro – e tudo isto junto dificilmente parecerá, aos olhos de um espectador desinteressado, a defesa própria de um homem inocente.

Ora, se Sócrates for efectivamente corrupto, e tiver recebido dinheiro do grupo Lena, de Vale do Lobo e do BES, manda a lógica e o bom senso que olhemos de novo para o passado, porque se os casos judiciais prescrevem, a História e as responsabilidades políticas, não. Imaginemos que os factos descritos na Operação Marquês realmente aconteceram. Então é muito provável que também tenha acontecido o que se dizia no Face Oculta. E no Freeport. E na Cova da Beira. E nos projectos da Guarda. Aqueles que sempre denunciaram Sócrates tinham razão – o que parecia, era. Quando Charles Smith foi filmado a dizer “o ministro é corrupto”, ele era efectivamente corrupto. E o mais provável, tendo em conta este vasto rol de suspeitas, é que não se tratassem de mera tentações ocasionais de José Sócrates, mas de um modo de vida – e, mais grave, uma forma muito eficaz de construir uma carreira política e uma sólida corte de fiéis no Portugal dos anos 80, 90 e 2000.

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