Presidenciais
agravam crise política francesa
Fillon
permanece em campanha. Mas com a direita ameaçada de implosão e a
esquerda estilhaçada, com os dois grandes partidos em risco de ficar
fora da segunda volta das presidenciais, é o sistema político que
está em causa.
Jorge Almeida
Fernandes
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 7 de Março de 2017, 7:12
Um dos pilares da
política francesa, a “direita tradicional”, está há semanas à
beira da implosão, mas isso não se traduz num lucro da esquerda. Se
a direita agoniza, a esquerda está estilhaçada. É uma situação
extraordinária em que as duas grandes famílias políticas, a
esquerda e a direita, podem ficar de fora da segunda volta das
eleições presidenciais. As manobras anularam todo o debate
político, inclusive contra Marine Le Pen.
Olhemos os últimos
factos. Na segunda-feira, o comité político do partido Os
Republicanos (LR, direita) cedeu a François Fillon, apelando à
“unidade em torno da candidatura”. Depois de ter tentado forçar
a sua desistência, o LR tenta encerrar uma “guerra civil interna”.
Mas as fracturas do partido parecem consumadas.
A pressão para o
afastamento de Fillon decorria dos erros cometidos na campanha,
designadamente o ataque aos magistrados e uma derrapagem direitista.
Mas sobretudo pela manifesta possibilidade de ser eliminado na
primeira volta (23 de Abril). Fillon tinha contudo um pesado trunfo:
sem a sua anuência o LR não pode mudar de candidato. O partido está
refém. E, no domingo, Fillon desafiou os rivais no comício do
Trocadero em Paris, em que foi manifesta a radicalização dos seus
apoiantes.
De manhã, o antigo
primeiro-ministro Alain Juppé, mais próximo do centro e com uma
posição “vencedora” nas sondagens, anunciou a sua renúncia à
candidatura presidencial. A declaração de Juppé foi um libelo
contra Fillon, contra a sua “obstinação” e o ataque à justiça,
falando num “assassínio político” e num “pretenso complot”
no caso dos empregos fictícios de sua mulher: “Como mostrou a
manifestação no Trocadéro, o núcleo dos militantes do LR
radicalizou-se.”
Os apoiantes de
Juppé atribuem a sua desistência a Nicolas Sarkozy. Comentou um
deles: “Sarkozy prefere perder com Fillon a ganhar com Juppé.” A
rivalidade entre eles vem de longe.
A erosão dos
partidos
Escrevia há semanas
o politólogo Pascal Perrineau: “Um vento de loucura parece soprar
sobre a campanha da eleição presidencial. Cada dia traz mais um
lote de informações, de revelações e também de ajustes de
contas.” Acrescentou dias depois: “A eleição presidencial que
se organizava desde há lustros em torno da clivagem
esquerda-direita, parece hoje ter desertado das duas famílias
bisseculares para ser habitada pelo conflito entre os ‘nacionais’
e os ‘cosmopolitas’, para usar o jargão de Marine le Pen.”
Esta nova clivagem
atravessa a esquerda e a direita. Benôit Hamon, candidato do Partido
Socialista, e o seu rival esquerdista, Jean-Luc Mélenchon, assumem
os temas do proteccionismo e da anti-globalização contra o
“cosmopolitismo” do primeiro-ministro Manuel Valls — derrotado
nas primárias do PS — ou do independente Emmanuel Macron. Este
define o seu combate como o dos “progressistas” contra os
“conservadores” de esquerda e direita, e procura ocupar os
espaços do centro-esquerda e do centro-direita. O LR defende
posições económicas liberais. A Frente Nacional (FN,
extrema-direita) de Marine Le Pen propõe a saída do euro, o
proteccionismo e o nacionalismo económico que casou com o
nacionalismo étnico.
Por trás das
“anomalias” está a erosão dos grandes partidos e a dcrescente
desconfiança dos cidadãos no sistema político, um fenómeno
europeu que ultrapassa as fronteiras da França. O primeiro barómetro
deste ano do Cevipof (centro de investigação de Sciences Po)
reporta que 89% dos inquiridos dizem que os seus representantes não
se preocupam com o que eles pensam. Esta desconfiança tende a ser
capitalizada sobretudo pela FN.
Aos olhos dos
franceses, o governo de François Hollande falhou. As primárias do
PS foram ganhas pelos seus dissidentes de esquerda, que fizeram
sistemática oposição ao governo do partido. Hollande é o primeiro
Presidente da V República que desiste de se candidatar a um segundo
mandato: é a constação do fracasso. E Sarkozy, o seu antecessor de
direita, não so perdeu as presidenciais de 2012 como as próprias
primárias do LR em Novembro passado.
A conjugação de
todos estes factores “extraordinários” abriu uma avenida para a
candidatura centrista de Emmanuel Macron. Primeiro, a incapacidade da
esquerda se unir em volta de uma identidade comum, depois a
derrapagem da campanha de Fillon, que em Novembro parecia já estar
eleito.
Le Pen sorri
Em ambos os pólos
se anunciam ajustes de contas. A hipótese de Hamon passar à segunda
volta é cada vez mais longínqua e não será ajudado por Mélenchon,
cujo objectivo estratégico é destruir o PS para se arvorar em líder
da esquerda. Valls foi marginalizado, pelo partido e por Macron. Como
se irá recompor o PS, ou a que novas formações dará lugar o
estilhaçamento da esquerda?
E à direita? Marine
aguarda a derrota de Fillon para recuperar a franja mais radical dos
seus eleitores, no objectivo de fracturar a “direita tradicional”
e criar uma “direita nacional” por ela hegemonizada. Se Fillon
for eliminado na primeira volta, anuncia-se uma guerra fratricida
entre chefes e clãs. “É muito preocupante”, observa Le Monde:
“Marine Le Pen esfrega as mãos. O seu programa não tem sido
questionado e o tempo do ‘são todos corruptos’ nunca foi tão
explosivo.”
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