Ex-vereador
corresponsabiliza técnicos pela derrocada na Rua Damasceno Monteiro
POR O CORVO • 8
MARÇO, 2017 •
Como é que um muro
construído em 1955, para suster uma encosta com reconhecido perigo
de derrocada elevado, se manteve tal como estava, sem qualquer
intervenção de reforço, quando se validou a edificação de um
grande condomínio com piscina no cimo dessa elevação? Esta é uma
questão complexa e pela qual ainda alguém terá de responder. Algo
que, possivelmente, acontecerá já muito depois das dezenas de
moradores dos prédios da Rua Damasceno Monteiro afectados pela
derrocada de 27 de Fevereiro terem voltado a casa.
O tempo previsto
para a obra de reabilitação é de quatro meses. Mas Fernando Nunes
da Silva, ex-vereador da Câmara Municipal de Lisboa (CML) entre 2009
e 2013 e professor catedrático no Instituto Técnico de Lisboa
(IST), pede que se comece já a pensar em apurar não apenas as
responsabilidades dos serviços de urbanismo da autarquia, mas também
as dos técnicos que assinaram os projectos do empreendimento Villa
Graça – que foi construído há duas décadas.
Apesar de admitir
que haverá ainda que esperar pelas conclusões do relatório
ordenado pela CML às causas do deslizamento de terras, para assim se
possuir um conhecimento mais preciso da situação, Nunes da Silva
tem como certo que algo de muito errado ocorreu ao nível da
validação técnica da construção daquele empreendimento.
Concretamente, em relação à avaliação do real impacto geotécnico
de tal construção na escarpa sobre a qual a mesma se apoia.
“É evidente que é
preciso apurar responsabilidades por parte da câmara, mas gostaria
também que fossem apuradas responsabilidades por parte dos técnicos
que subscreveram os projectos de construção que ali foram feitos”,
afirmou o antigo vereador, na sessão desta terça-feira (7 de março)
da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), falando agora na condição
de deputado municipal independente.
O eleito reagia
assim às duas recomendações apresentadas na AML sobre o assunto,
uma do PS e outra do CDS-PP, que em comum tinham o pedido de
inquirição das reais causas do aluimento. Ambos os documentos,
embora com formulações distintas, foram aprovados por unanimidade.
Mesmo quando, num dos pontos da recomendação centrista, se aludia a
eventuais responsabilidades do “Município por ausência de
intervenção no garante da segurança de pessoas e bens”.
Na mesma
intervenção, Nunes da Silva tornou-se mais acutilante, afirmando
que “a legislação geral do país tem aligeirado muito as
responsabilidades das câmaras, atribuindo-as aos técnicos que
assinam os projectos e que, infelizmente, não têm sido chamados à
responsabilidade, quando há asneira, como parece ter sido o caso”.
E acrescentou: “Não é só a câmara que está em causa, são
também aqueles que assinam a dizer que tudo aquilo respeitava os
regulamentos em vigor, respeitava as boas normas e as boas práticas
– também devem ser responsabilizados nesta matéria”.
Contactado por O
Corvo, momentos depois do fim dos trabalhos, Nunes da Silva reforçou
o que tinha dito. E enfatizou à gravidade de se ter dado luz verde à
construção do condomínio sem se ter acautelado as consequências
no talude sobre o qual o mesmo assenta. “Estamos a falar de um muro
de suporte construído em 1955, e nessa época eram normalmente muros
de gravidade, feitos apenas para aguentar o peso dos terrenos. Quando
se passa à fase de construção do condomínio, os técnicos
deveriam ter proposto um reforço do muro de suporte”, considera o
professor catedrático, especialista em urbanismo e ordenamento do
território.
“Tudo indica que
nada disso foi feito”, afirma o ex-vereador no tempo de António
Costa como presidente da câmara, sublinhando que “os técnicos
deveriam ter calculado o impacto de tal obra no muro”. Mas a CML,
avisa Nunes da Silva, também não se poderá eximir das conclusões
da investigação, pois ao avaliar o licenciamento da Villa Graça,
com aquelas condicionantes, “deveria ter exigido um estudo sobre os
riscos”.
Isso é o que
determina o regulamento do Plano Director Municipal (PDM), para
locais referenciados na carta de risco associados como tendo elevada
ou muito “susceptibilidade de ocorrência de movimentos de massa em
vertentes”. É o caso, onde a indicação de susceptibilidade de
tais fenómenos é classificada como “elevada”.
Texto: Samuel
Alemão
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