Os
corais estão a morrer um pouco por todo o lado e a culpa é nossa
A
Grande Barreira de Coral está mais em perigo do que nunca. E as más
notícias não vêm só da Austrália: por outras partes do planeta
há registo do fenómeno de branqueamento dos corais superficiais e
da sua morte. As alterações climáticas são as principais
responsáveis.
TERESA SERAFIM 28 de
Março de 2017, 8:17
Ao longo da costa da
Austrália, há um tesouro natural com uma dimensão só
verdadeiramente apreciável do espaço. É um ecossistema com 3000
recifes e 900 ilhas, que se estende por cerca de 2400 quilómetros da
costa Leste da Austrália. Mas a sua grandiosidade começa já a ser
comparável à sua degradação. “A Grande Barreira de Coral: uma
jóia natural que devemos proteger”, alertou o astronauta francês
Thomas Pesquet, quando, a 8 de Janeiro, fotografou a bordo da Estação
Espacial Internacional a grande barreira.
Aqui na Terra, já
todos sabemos que muitos recifes de corais de superfície estão em
perigo, mas a situação tem-se agravado cada vez mais. A cor que
lhes dá identidade está a desvanecer-se e parece que nada tem sido
feito para travar este processo. Nas últimas semanas, três novos
estudos alertaram para o fenómeno de branqueamento e a morte dos
corais de baixas profundidades. Um na revista Nature sobre a Grande
Barreira de Coral; outro na Proceedings of the National Academy of
Sciences (PNAS) sobre os corais na costa do Panamá; e o terceiro na
revista Scientific Reports sobre os corais do Mar do Sul da China.
Para ficarmos já com a noção da emergência da situação, note-se
que cerca de 90% dos recifes da Grande Barreira de Coral foram
afectados, de alguma forma, pelo branqueamento em 2016.
Os corais são
animais coloniais, que surgiram há cerca de 400 milhões de anos.
São formados por inúmeras unidades (pólipos), que se alinham lado
a lado e segregam o esqueleto de carbonato de cálcio. Ao longo de
milhares de anos, vai-se formando um recife.
O branqueamento dos
corais acontece quando a água aquece mais do que seria suposto.
Devido a esse aquecimento, as algas que vivem em simbiose com os
corais, e que lhe dão os tons coloridos, começam a tirar-lhes a
cor, porque começam a produzir substâncias tóxicas e deixam de
fazer fotossíntese. Os corais acabam por expulsar as algas. A cor
acastanhada dessas algas desaparece e a cor esbranquiçada do
esqueleto do coral fica visível através do seu tecido transparente.
E isto, além de os deixar esbranquiçados, pode levar os corais à
morte. Ficam sem acesso a nutrientes – que lhes são fornecidos
pelas algas, que transformam a energia solar em energia química,
através da fotossíntese – e acabam por morrer. Caso a temperatura
volte a baixar, aqueles que foram afectados por um branqueamento
moderado ainda conseguem sobreviver, mas se isso não acontecer
morrem mesmo.
Para quem não pode
ver os corais branqueados com os próprios olhos, as fotografias são
uma boa prova de como eles estão de facto em risco. No estudo na
revista Nature, publicado este mês e com resultados apresentados
previamente em Abril do ano passado, os autores divulgaram uma
fotografia da sombra de um avião nos corais bem brancos, para que se
compreenda a escala do problema.
O fenómeno de
branqueamento de corais foi observado pela primeira vez nos anos 80,
na Grande Barreira de Coral. Mas houve três anos em que esse
branqueamento foi em massa, agora analisados na Nature: a primeira
vez em 1998, sobretudo na zona costeira da Austrália, sendo mais
intenso nas zonas do Centro e do Sul da Grande Barreira. Em 2002,
verificou-se que o branqueamento estava a acontecer ainda a maior
velocidade do que em 1998 e afectava os recifes ao largo da costa na
região do Centro (que antes tinham escapado). E, em 2016, o
branqueamento não só se tornou mais abrangente, como muito mais
grave nas regiões do Norte, pois na zona central já muitos corais
tinham sido afectados nos outros dois branqueamentos em massa.
No último ano, o
número de corais afectados subiu cerca de quatro vezes face a 2002 e
a 1998. Em 2016, apenas 8,9% dos 1156 recifes estudados escaparam ao
branqueamento, enquanto em 2002 isso verificou-se em 42,4% dos 631
recifes estudados e, em 1998, com 44,7% dos 638 recifes analisados. O
ano de 2016 tornou-se assim o do maior branqueamento dos recifes na
Grande Barreira de Coral, com a excepção da zona Sul.
Para chegarem a
estes resultados, os cientistas usaram o conceito de “graus-semana
de aquecimento” (DHW, na sigla em inglês), que mede a exposição
a uma temperatura irregular (mais alta) por um período de tempo. Se
a temperatura da água subir um grau Celsius durante quatro semanas,
há uma alta probabilidade de branqueamento. Se isso for durante oito
semanas, ocorre então um branqueamento elevado.
Em 1998, houve um
aquecimento da água entre uma a oito semanas em cerca de 63% dos
recifes estudados da Grande Barreira de Coral. Já em 2002, 14% dos
corais estiveram expostos a esse aquecimento mais tempo, entre oito a
dez semanas. E em 2016, 31% dos corais estiveram sujeitos a esse
aquecimento entre oito a 16 semanas. O stress térmico foi maior na
parte Sul da Grande Barreira em 1998 e 2002. Já em 2016, o maior
aquecimento aconteceu no Norte.
Em 2016, os recifes
do Sul teriam sido afectados da mesma forma do que os do Norte, mas
os ventos, a chuva e as nuvens do ciclone tropical Winston
“salvaram-nos”. O Winston passou pelas ilhas Fiji a 20 de
Fevereiro, quando o Sul da Grande Barreira estava apenas um grau
Celsius mais frio do que o Norte. Por causa do ciclone, a 6 de Maio
essa zona ficou mais fria cerca de quatro graus. “Os corais do Sul
que tinham começado a ficar pálidos em Fevereiro reganharam cor em
Março, enquanto o branqueamento continuou a progredir no Centro e no
Norte da Grande Barreira”, lê-se no artigo científico na Nature.
Já o El Niño (com
uma expressão que não se via há 20 anos) contribuiu para o
branqueamento dos corais, ao aquecer a água do mar. O El Niño é um
fenómeno de transporte de uma massa de água quente desde a
Austrália até às costas da América do Sul, por altura do Natal.
No ano passado, o El Niño foi mais intenso e os cientistas
consideram que isso está associado às alterações climáticas.
O fim daqui a 30
anos?
Será que os corais
da Austrália ainda podem recuperar deste branqueamento? “O tempo
de recuperação das espécies de corais que são boas colonizadoras
e rápidas a crescer é entre dez a 15 anos. Mas quando corais de
vida longa morrem por branqueamento a sua reposição pode levar
décadas”, alertam os cientistas no artigo. E mesmo assim, para
existir esta recuperação, não pode haver outro fenómeno de
branqueamento como os 1998, 2002 e 2016.
Agora, a pergunta
que se impõe é: o que pode ainda ser feito na Grande Barreira? No
artigo, os cientistas defendem uma melhor gestão da pesca a nível
local e da qualidade da água. Contudo, também salientam: “No
norte remoto da Grande Barreira de Coral, centenas de recifes ficaram
severamente branqueados em 2016, independentemente de estarem em
zonas de entrada e pesca proibidas ou não, ou de haver diferenças
na qualidade da água perto da costa ou longe.” Por isso, os
cientistas dizem que é urgente reduzir o aquecimento global, pois já
se demonstrou que não basta identificar os problemas e proteger
localmente os ecossistemas.
Pedro Rodrigues
Frade, investigador de pós-doutoramento do Centro de Ciências do
Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve, está agora na Austrália a
estudar a Grande Barreira de Coral. Fez parte da equipa do Instituto
Australiano de Ciências Marinhas e da Universidade de Queensland que
também monitorizou o branqueamento dos corais e publicou agora o
estudo na Nature (ainda que ele esteja entre os autores). Além de
participar em expedições, o investigador português analisa
amostras em laboratório, para perceber se estas comunidades
conseguem resistir às alterações climáticas. “Submergir a
cabeça debaixo de água e ter a visão do que é um recife de coral
debaixo dos nossos olhos é uma sensação inesquecível.”
E quantos corais
morreram no grande branqueamento de 2016? “Fala-se de 22% de
mortalidade na Grande Barreira, ou seja, um em cada cinco corais
morreu como consequência do branqueamento e das altas temperaturas
verificadas”, diz Pedro Frade. “Infelizmente, parece que o
fenómeno está a repetir-se este ano, o que irá estabelecer um novo
paradigma. Isto indica que este fenómeno destrutivo está a ocorrer
a uma frequência ainda maior do que aquela estimada pelos piores
cenários calculados por modelos científicos, e que têm apontado
para um total colapso de todos os recifes de coral daqui a 30 anos.”
Além disso, o
investigador frisa: “Os recifes afectados pelos anteriores
episódios de branqueamento generalizado foram novamente afectados, o
que sugere que não há muita capacidade de adaptação dos corais.
Pelo menos, não tão rápida como seria necessário para compensar o
ritmo de aquecimento do mar.”
O problema na Grande
Barreira de Coral chegou a tal ponto que, num relatório de 2014, o
Comité do Património Mundial da Humanidade da UNESCO esteve para
colocar a Grande Barreira de Coral numa lista “em risco” de
desclassificação, caso o Governo australiano não tomasse medidas
adequadas. A Austrália é dos países que mais emite per capita
dióxido de carbono, um dos gases com efeito de estufa, devido à
dependência de centrais termoeléctricas a carvão. Há muito que o
país se comprometeu a baixar as emissões de dióxido de carbono,
mas nem o visível branqueamento dos corais tem mudado a situação.
O país tem continuado a apoiar projectos de combustíveis fósseis,
como a mina de carvão Carmichael na Bacia da Galileia, no Oeste de
Queensland, não muito longe da Grande Barreira de Coral.
Mas a morte dos
corais não é exclusiva da Grande Barreira de Coral. Na semana
passada, a PNAS publicou um estudo que mostra como a má qualidade da
água pode degradar as zonas costeiras e originar níveis de oxigénio
muito baixos (hipoxia), provocando assim “zonas mortas” e, por
arrasto, os corais são afectados. A poluição (por águas de
esgotos ou agrícolas) e o aquecimento global são as causas
apontadas.
Feito na costa do
Panamá, este estudo também divulga dados de outras zonas do
planeta. A equipa liderada pelo ecólogo Andrew Altieri, do Instituto
de Investigação Tropical Smithsonian, concluiu que 90% dos corais
de alguns recifes na costa do Panamá morreram em 2010, por hipoxia.
E mais de 10% dos corais em todo o mundo também sofreram isso
(verificaram-se 494 zonas mortas).
Na costa portuguesa,
onde os corais estão em águas temperadas, há três lugares
assinalados no estudo da equipa de Andrew Altieri com hipoxia: a ria
de Aveiro, o rio Mondego e a ria Formosa, segundo disse ao PÚBLICO o
investigador.
E há mais. O
aumento de dois graus Celsius na temperatura da água no Mar do Sul
da China, em Junho de 2015, foi amplificado (para seis graus) no
Parque Nacional Atol de Dongsha, no Pacífico, conclui o artigo na
revista Scientific Reports, também da semana passada. Por esta
altura, o fenómeno do El Niño começava já a provocar o
aquecimento da água.
O recife de corais
deste atol, em forma circular, esteve exposto a um aumento da
temperatura de seis graus. O que provocou a morte de cerca de 40% dos
seus corais e levou mesmo à activação do Alerta de Branqueamento,
lançado em 2005 pela agência dos oceanos e da atmosfera dos EUA
(NOAA) e que é accionado quando existe um stress térmico que está
a causar o branqueamento em massa dos corais.
Mas como seria mesmo
um mundo sem corais, se o cenário para o seu fim em 2030 se
concretizar? “Penso que é um pouco como perguntar como será o
mundo sem o elefante-africano, sem as baleias, sem o urso polar ou
sem o lince-ibérico. Na verdade, já estamos a viver este capítulo
da história do nosso planeta em que o ambiente e quase todas as
formas de vida são afectadas pela nossa espécie”, responde Pedro
Frade. “Um mundo sem recifes de coral é um mundo em que a extinção
humana neste planeta também estará muito mais próxima. Mas ainda
vamos a tempo de nos salvar, começando por salvar os recifes de
coral.”
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