terça-feira, 28 de março de 2017

Os corais estão a morrer um pouco por todo o lado e a culpa é nossa


Os corais estão a morrer um pouco por todo o lado e a culpa é nossa
A Grande Barreira de Coral está mais em perigo do que nunca. E as más notícias não vêm só da Austrália: por outras partes do planeta há registo do fenómeno de branqueamento dos corais superficiais e da sua morte. As alterações climáticas são as principais responsáveis.

TERESA SERAFIM 28 de Março de 2017, 8:17

Ao longo da costa da Austrália, há um tesouro natural com uma dimensão só verdadeiramente apreciável do espaço. É um ecossistema com 3000 recifes e 900 ilhas, que se estende por cerca de 2400 quilómetros da costa Leste da Austrália. Mas a sua grandiosidade começa já a ser comparável à sua degradação. “A Grande Barreira de Coral: uma jóia natural que devemos proteger”, alertou o astronauta francês Thomas Pesquet, quando, a 8 de Janeiro, fotografou a bordo da Estação Espacial Internacional a grande barreira.

Aqui na Terra, já todos sabemos que muitos recifes de corais de superfície estão em perigo, mas a situação tem-se agravado cada vez mais. A cor que lhes dá identidade está a desvanecer-se e parece que nada tem sido feito para travar este processo. Nas últimas semanas, três novos estudos alertaram para o fenómeno de branqueamento e a morte dos corais de baixas profundidades. Um na revista Nature sobre a Grande Barreira de Coral; outro na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) sobre os corais na costa do Panamá; e o terceiro na revista Scientific Reports sobre os corais do Mar do Sul da China. Para ficarmos já com a noção da emergência da situação, note-se que cerca de 90% dos recifes da Grande Barreira de Coral foram afectados, de alguma forma, pelo branqueamento em 2016.

Os corais são animais coloniais, que surgiram há cerca de 400 milhões de anos. São formados por inúmeras unidades (pólipos), que se alinham lado a lado e segregam o esqueleto de carbonato de cálcio. Ao longo de milhares de anos, vai-se formando um recife.

O branqueamento dos corais acontece quando a água aquece mais do que seria suposto. Devido a esse aquecimento, as algas que vivem em simbiose com os corais, e que lhe dão os tons coloridos, começam a tirar-lhes a cor, porque começam a produzir substâncias tóxicas e deixam de fazer fotossíntese. Os corais acabam por expulsar as algas. A cor acastanhada dessas algas desaparece e a cor esbranquiçada do esqueleto do coral fica visível através do seu tecido transparente. E isto, além de os deixar esbranquiçados, pode levar os corais à morte. Ficam sem acesso a nutrientes – que lhes são fornecidos pelas algas, que transformam a energia solar em energia química, através da fotossíntese – e acabam por morrer. Caso a temperatura volte a baixar, aqueles que foram afectados por um branqueamento moderado ainda conseguem sobreviver, mas se isso não acontecer morrem mesmo.

Para quem não pode ver os corais branqueados com os próprios olhos, as fotografias são uma boa prova de como eles estão de facto em risco. No estudo na revista Nature, publicado este mês e com resultados apresentados previamente em Abril do ano passado, os autores divulgaram uma fotografia da sombra de um avião nos corais bem brancos, para que se compreenda a escala do problema.

O fenómeno de branqueamento de corais foi observado pela primeira vez nos anos 80, na Grande Barreira de Coral. Mas houve três anos em que esse branqueamento foi em massa, agora analisados na Nature: a primeira vez em 1998, sobretudo na zona costeira da Austrália, sendo mais intenso nas zonas do Centro e do Sul da Grande Barreira. Em 2002, verificou-se que o branqueamento estava a acontecer ainda a maior velocidade do que em 1998 e afectava os recifes ao largo da costa na região do Centro (que antes tinham escapado). E, em 2016, o branqueamento não só se tornou mais abrangente, como muito mais grave nas regiões do Norte, pois na zona central já muitos corais tinham sido afectados nos outros dois branqueamentos em massa.

No último ano, o número de corais afectados subiu cerca de quatro vezes face a 2002 e a 1998. Em 2016, apenas 8,9% dos 1156 recifes estudados escaparam ao branqueamento, enquanto em 2002 isso verificou-se em 42,4% dos 631 recifes estudados e, em 1998, com 44,7% dos 638 recifes analisados. O ano de 2016 tornou-se assim o do maior branqueamento dos recifes na Grande Barreira de Coral, com a excepção da zona Sul.

Para chegarem a estes resultados, os cientistas usaram o conceito de “graus-semana de aquecimento” (DHW, na sigla em inglês), que mede a exposição a uma temperatura irregular (mais alta) por um período de tempo. Se a temperatura da água subir um grau Celsius durante quatro semanas, há uma alta probabilidade de branqueamento. Se isso for durante oito semanas, ocorre então um branqueamento elevado.

Em 1998, houve um aquecimento da água entre uma a oito semanas em cerca de 63% dos recifes estudados da Grande Barreira de Coral. Já em 2002, 14% dos corais estiveram expostos a esse aquecimento mais tempo, entre oito a dez semanas. E em 2016, 31% dos corais estiveram sujeitos a esse aquecimento entre oito a 16 semanas. O stress térmico foi maior na parte Sul da Grande Barreira em 1998 e 2002. Já em 2016, o maior aquecimento aconteceu no Norte.

Em 2016, os recifes do Sul teriam sido afectados da mesma forma do que os do Norte, mas os ventos, a chuva e as nuvens do ciclone tropical Winston “salvaram-nos”. O Winston passou pelas ilhas Fiji a 20 de Fevereiro, quando o Sul da Grande Barreira estava apenas um grau Celsius mais frio do que o Norte. Por causa do ciclone, a 6 de Maio essa zona ficou mais fria cerca de quatro graus. “Os corais do Sul que tinham começado a ficar pálidos em Fevereiro reganharam cor em Março, enquanto o branqueamento continuou a progredir no Centro e no Norte da Grande Barreira”, lê-se no artigo científico na Nature.

Já o El Niño (com uma expressão que não se via há 20 anos) contribuiu para o branqueamento dos corais, ao aquecer a água do mar. O El Niño é um fenómeno de transporte de uma massa de água quente desde a Austrália até às costas da América do Sul, por altura do Natal. No ano passado, o El Niño foi mais intenso e os cientistas consideram que isso está associado às alterações climáticas.

O fim daqui a 30 anos?
Será que os corais da Austrália ainda podem recuperar deste branqueamento? “O tempo de recuperação das espécies de corais que são boas colonizadoras e rápidas a crescer é entre dez a 15 anos. Mas quando corais de vida longa morrem por branqueamento a sua reposição pode levar décadas”, alertam os cientistas no artigo. E mesmo assim, para existir esta recuperação, não pode haver outro fenómeno de branqueamento como os 1998, 2002 e 2016.

Agora, a pergunta que se impõe é: o que pode ainda ser feito na Grande Barreira? No artigo, os cientistas defendem uma melhor gestão da pesca a nível local e da qualidade da água. Contudo, também salientam: “No norte remoto da Grande Barreira de Coral, centenas de recifes ficaram severamente branqueados em 2016, independentemente de estarem em zonas de entrada e pesca proibidas ou não, ou de haver diferenças na qualidade da água perto da costa ou longe.” Por isso, os cientistas dizem que é urgente reduzir o aquecimento global, pois já se demonstrou que não basta identificar os problemas e proteger localmente os ecossistemas.

Pedro Rodrigues Frade, investigador de pós-doutoramento do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve, está agora na Austrália a estudar a Grande Barreira de Coral. Fez parte da equipa do Instituto Australiano de Ciências Marinhas e da Universidade de Queensland que também monitorizou o branqueamento dos corais e publicou agora o estudo na Nature (ainda que ele esteja entre os autores). Além de participar em expedições, o investigador português analisa amostras em laboratório, para perceber se estas comunidades conseguem resistir às alterações climáticas. “Submergir a cabeça debaixo de água e ter a visão do que é um recife de coral debaixo dos nossos olhos é uma sensação inesquecível.”

E quantos corais morreram no grande branqueamento de 2016? “Fala-se de 22% de mortalidade na Grande Barreira, ou seja, um em cada cinco corais morreu como consequência do branqueamento e das altas temperaturas verificadas”, diz Pedro Frade. “Infelizmente, parece que o fenómeno está a repetir-se este ano, o que irá estabelecer um novo paradigma. Isto indica que este fenómeno destrutivo está a ocorrer a uma frequência ainda maior do que aquela estimada pelos piores cenários calculados por modelos científicos, e que têm apontado para um total colapso de todos os recifes de coral daqui a 30 anos.”

Além disso, o investigador frisa: “Os recifes afectados pelos anteriores episódios de branqueamento generalizado foram novamente afectados, o que sugere que não há muita capacidade de adaptação dos corais. Pelo menos, não tão rápida como seria necessário para compensar o ritmo de aquecimento do mar.”

O problema na Grande Barreira de Coral chegou a tal ponto que, num relatório de 2014, o Comité do Património Mundial da Humanidade da UNESCO esteve para colocar a Grande Barreira de Coral numa lista “em risco” de desclassificação, caso o Governo australiano não tomasse medidas adequadas. A Austrália é dos países que mais emite per capita dióxido de carbono, um dos gases com efeito de estufa, devido à dependência de centrais termoeléctricas a carvão. Há muito que o país se comprometeu a baixar as emissões de dióxido de carbono, mas nem o visível branqueamento dos corais tem mudado a situação. O país tem continuado a apoiar projectos de combustíveis fósseis, como a mina de carvão Carmichael na Bacia da Galileia, no Oeste de Queensland, não muito longe da Grande Barreira de Coral.

Mas a morte dos corais não é exclusiva da Grande Barreira de Coral. Na semana passada, a PNAS publicou um estudo que mostra como a má qualidade da água pode degradar as zonas costeiras e originar níveis de oxigénio muito baixos (hipoxia), provocando assim “zonas mortas” e, por arrasto, os corais são afectados. A poluição (por águas de esgotos ou agrícolas) e o aquecimento global são as causas apontadas.

Feito na costa do Panamá, este estudo também divulga dados de outras zonas do planeta. A equipa liderada pelo ecólogo Andrew Altieri, do Instituto de Investigação Tropical Smithsonian, concluiu que 90% dos corais de alguns recifes na costa do Panamá morreram em 2010, por hipoxia. E mais de 10% dos corais em todo o mundo também sofreram isso (verificaram-se 494 zonas mortas).

Na costa portuguesa, onde os corais estão em águas temperadas, há três lugares assinalados no estudo da equipa de Andrew Altieri com hipoxia: a ria de Aveiro, o rio Mondego e a ria Formosa, segundo disse ao PÚBLICO o investigador.

E há mais. O aumento de dois graus Celsius na temperatura da água no Mar do Sul da China, em Junho de 2015, foi amplificado (para seis graus) no Parque Nacional Atol de Dongsha, no Pacífico, conclui o artigo na revista Scientific Reports, também da semana passada. Por esta altura, o fenómeno do El Niño começava já a provocar o aquecimento da água.

O recife de corais deste atol, em forma circular, esteve exposto a um aumento da temperatura de seis graus. O que provocou a morte de cerca de 40% dos seus corais e levou mesmo à activação do Alerta de Branqueamento, lançado em 2005 pela agência dos oceanos e da atmosfera dos EUA (NOAA) e que é accionado quando existe um stress térmico que está a causar o branqueamento em massa dos corais.


Mas como seria mesmo um mundo sem corais, se o cenário para o seu fim em 2030 se concretizar? “Penso que é um pouco como perguntar como será o mundo sem o elefante-africano, sem as baleias, sem o urso polar ou sem o lince-ibérico. Na verdade, já estamos a viver este capítulo da história do nosso planeta em que o ambiente e quase todas as formas de vida são afectadas pela nossa espécie”, responde Pedro Frade. “Um mundo sem recifes de coral é um mundo em que a extinção humana neste planeta também estará muito mais próxima. Mas ainda vamos a tempo de nos salvar, começando por salvar os recifes de coral.”

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