Alojamento
local é “tragédia” e “praga” nos bairros históricos, diz
presidente de junta
POR O CORVO • 23
MARÇO, 2017
O presidente da
Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), volta a
pedir medidas legais para travar o processo de esvaziamento
demográfico dos bairros do centro histórico de Lisboa por parte das
classes mais desfavorecidas, consequência da revolução turística
em curso. A multiplicação da oferta do alojamento local está a
matar comunidades como as de Alfama e da Mouraria, diz. O autarca,
que nos últimos meses tem vindo a intensificar uma pública
discordância com o presidente da Câmara Municipal de Lisboa sobre a
melhor forma de lidar com o fenómeno, diz que “não há que ter
medo das palavras quando se vê o que está acontecer um pouco por
todo o lado como uma praga”. E para combatê-la há que tomar
medidas concretas, possivelmente através de mudanças nos
regulamentos, defende.
“Os culpados não
são os turistas, os culpados são os portugueses que querem alugar
casas a turistas”, disse o presidente da junta, ao final da tarde
desta quarta-feira (22 de março), durante a cerimónia de
inauguração de um painel de fotografia sobre mosaico, de autoria da
artista inglesa Camila Watson e feito como homenagem às pessoas da
Mouraria. A obra, denominada “Canto de Sol”, foi colocada numa
parede do Centro de Inovação da Mouraria (CIM), na Travessa dos
Lagares. E fica de frente para o prédio com número 25 da Rua dos
Lagares que, há poucas semanas, foi notícia por todos os seus
inquilinos terem recebido uma ordem colectiva de despejo, cujo
intuito será o de dar espaço para novos apartamentos turísticos. O
processo, entretanto, mereceu o interesse da CML e poderá não ser
concretizado. Mas o presidente da junta de Santa Maria Maior promete
estar vigilante.
“A junta estará
sempre do seu lado”, disse, quando se referiu aos residentes deste
prédio ameaçado de ser engolido pela onda turística – e já
depois de um deles, Carla Pinheiro, se ter manifestado revoltada com
o que “está a acontecer não apenas aqui no bairro, como em toda a
Baixa e noutro sítios”. “Estamos a mobilizar todos os recursos
que temos, vamos tentar resistir o máximo que pudermos, aqui e
noutros locais, para evitarmos esta tragédia em curso”, disse
Miguel Coelho, alertando para a forte possibilidade de, muito em
breve, surgirem situações análogas à que se está a viver no
edifício da Rua dos Lagares. Há, neste momento, um caso que o
preocupa na Rua das Farinhas, confessou – embora a natureza
contratual dos arrendamentos seja algo distinta.
Questionado, logo
de seguida, por O Corvo, sobre o teor das palavras que acabara de
proferir, Miguel Coelho disse que “é errado fazer um discurso
anti-turista, mas importa fazer discursos sobre a necessidade da
sustentabilidade do turismo”. “E isso só acontece com as pessoas
que aqui moram”, defende. Durante a cerimónia, o eleito socialista
já frisara a importância vital de manter ali os moradores
tradicionais destes bairros do centro da capital, que qualificou como
“pessoas com história, pessoas autênticas”. “O que seria da
Mouraria se viessem cá os turistas e não encontrassem as pessoas
que são os seus moradores?”, perguntou, ante o aplauso de algumas
dezenas de pessoas, moradores e não só.
Ao Corvo, e à
semelhança do que fez numa recente reunião pública, o autarca
voltou a defender a adopção de medidas legais que impeçam o
surgimento de alojamento local em prédios em que os moradores se
oponham a tal. Mas também deseja que sejam criados mecanismos que
impeçam a concentração do negócio do alojamento local, “que
está a favorecer bancos e grandes especuladores”. “Aqui na
freguesia, os investimentos neste negócio estão nas mãos de três
ou quatro entidades”, afirma. Admitindo a dificuldade em alterar as
leis, Miguel Coelho sugere que as restrições por si sugeridas
possam ser conseguidas através de mudanças nos regulamentos. “É
um assunto que temos que estudar”, diz.
Texto: Samuel
Alemão
Os
efeitos da Turistificação de Lisboa
Cada
vez mais gente e menos lisboetas. Câmara entrega a gestão da
habitação ao aluguer online de alojamento para férias
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO
23 de Novembro de
2016, 9:45
Fernando Medina não
acompanha a Imprensa internacional. Se o fizesse, ter-se-ia
apercebido de uma avalanche de notícias na Imprensa local de Nova
Iorque e de várias cidades Europeias sobre os efeitos perversos
conjugados e interactivos da Turistificação desenfreada, da
Globalização desmedida e da Gentrificaçào galopante na vida
quotidiana dos habitantes locais nestas cidades.
Um clamor profundo,
uma agitação permanente de insatisfação e um desejo urgente e
imperativo de mudança, de regulamentos, de fiscalização e de
liderança por parte dos habitantes, ameaça traduzir-se em
consequências políticas, e faz acordar os autarcas.
Temos ouvido sobre
as situações em Barcelona e Berlim e das condições impostas à
AIRBNB que vão desde a proibição total na capital alemã até à
imposição de um rigoroso regulamento na cidade da Catalunha.
Numa longa luta do
Municipal com a Airbnb [aluguer de alojamento para férias], Nova
Iorque quer agora proibir o aluguer de alojamentos através da AIRBNB
por um período inferior a 30 dias. Medida destinada a proteger a
cidade dos efeitos perversos das estadias curtas / low cost do
turismo barato, massificado, predador e desinteressante. Densidade
intensa de ocupação do espaço físico sem interesse económico e
mais valias financeiras, a não ser, para os estabelecimentos também
eles “predadores” do comércio tradicional, ou seja, “comes e
bebes” e “quinquilharia” pseudoturística em dezenas de lojas
asiáticas e afins.
A 6 de Outubro, o
“Guardian” publicou um conjunto de três artigos sobre a
interligação destes temas, tendo um deles sido dedicado à relação
de Amsterdão com a AIRBNB.
Embora Amsterdão
tenha imposto um regulamento claro à Airbnb, ocupação máxima de
60 dias por ano e o máximo de quatro pessoas por edifício, os
efeitos sociais de descaracterização dos bairros têm sido
devastadores. O investimento especulativo junto à forte subida do
preço da habitação (também no aluguer a “expats” do mundo
empresarial ) está a expulsar progressivamente os habitantes locais,
transformando os bairros em plataformas rotativas e contínuas de
“idas e vindas” de forasteiros híper individualizados e
indiferentes aos locais, e a transformar os antigos bairros em locais
alienados onde ninguém se conhece e onde reina o anonimato.
Amsterdão tem
fiscalizado intensamente a ocupação através da Airbnb mas é
confrontada com a recusa pela própria Airbnb de fornecimento de
dados. Num espaço limitado fisicamente como a pitoresca Amsterdão,
a invasão turística low-cost / aluguer Airbnb, está a levar a
efeitos explosivos no trânsito, no comércio local onde pululam as
lojas de vocação turística e de souvenirs e está a provocar uma
avalanche de insatisfação traduzida em irritação ou animosidade
explícita para com o turismo.
De tal forma que,
muito recentemente, a autarquia fez um discurso explícito
inteiramente dedicado a estes temas, onde anunciou uma atitude de
exigência e fiscalização ainda mais rigorosa para com a Airbnb,
medidas legislativas em conjunto com Haia que tornem possível a
escolha do tipo de lojas a instalar em cada rua e uma atitude nítida
de selecção do tipo de turismo, numa definição e escolha dirigida
à clara diferenciação entre o turismo desejável e indesejável.
Numa entrevista
publicada a 18 de Janeiro no PÚBLICO, o Director Ibérico da Airbnb
anunciava orgulhoso: “A evolução em 2015 face ao ano anterior foi
de 65%. Portugal está no 11.º lugar mundial em termos de anúncios
na Airbnb, num ranking liderado pelos EUA. A Airbnb captou um milhão
de pessoas em 2015.”
Orgulhoso, e claro,
satisfeito. A Airbnb não está sujeita a qualquer tipo de
regulamento, exigência ou fiscalização em Portugal. Mais. A AIRBNB
colabora com a Autarquia e o Governo, de forma a que os impostos
sejam cobrados ao Alojamento Local. Estes aumentaram.
Mas os efeitos
devastadores são ignorados ou mesmo negados por Fernando Medina que
se tem mostrado irónico ou furtivo sobre estes problemas
fundamentais para o presente e o futuro estratégico da cidade de
Lisboa.
Que este se torne o
tema fundamental de discussão de todas as forças políticas em
direcção às eleições autárquicas, é um imperativo. Não se
trata de cor política, mas de um tema Universal de Ecologia Urbana e
de equilíbrio salutar no organismo vivo que constitui uma verdadeira
cidade.
A Turistificação
desenfreada, a Globalização desmedida e a Gentrificação galopante
estão a matar as cidades.
Historiador de
Arquitectura
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