Acossada
por críticas, Câmara de Lisboa diz não ser responsável por falta
de habitação
POR O CORVO • 29
MARÇO, 2017 •
A culpa da falta de
habitação a preços acessíveis para as famílias da classe média
e com menos recursos na cidade de Lisboa é, sobretudo, da ausência
de uma política nacional para o sector, e não tanto da crescente
subida dos valores do mercado imobiliário causada, considera a
Câmara Municipal de Lisboa (CML). “Não é aceitável olhar para a
questão da habitação e do direito à habitação, exigindo que
sejam única e exclusivamente os municípios a responder à resolução
dos problemas. E não é apenas o município de Lisboa, isto também
diz acontece noutros municípios”, disse Paula Marques, vereadora
com o pelouro da Habitação, nesta terça-feira (28 de março), na
Assembleia Municipal de Lisboa (AML), já quase no final de um
encarniçado debate sobre a questão. A autarquia foi sujeita,
durante mais de duas horas, a um bombardeamento de críticas, da
esquerda à direita, acusada de estar mais preocupada com o turismo e
com os grandes investidores imobiliários do que em garantir
condições dignas de habitação para os lisboetas.
O mote para a
discussão foi dado pela apresentação e votação de um parecer
nascido da apreciação de uma petição “pelo fim dos despejos de
famílias em situação de carência económica”, que até acabou
por ser aprovado por unanimidade. A recolha de assinaturas,
dinamizada pela Associação Habita e que havia dado entrada na
assembleia já em junho passado, pedia a “suspensão dos despejos
efectuados pela autarquia sem que estejam garantidas alternativas
dignas e adequadas aos agregados familiares”. Isto para além de
reclamar novas políticas municipais para o sector. “Tão ilegal é
a ocupação de uma casa quanto imoral é deixar esta anos vazia ou
não ter uma política capaz de responder às necessidades das
pessoas”, disse, ante a assembleia, Ana Rita Silva, presidente da
associação.
A exigência do fim
dos despejos acabou por não entrar na recomendação feita à CML
pela comissão de habitação da assembleia municipal. Nela, apela-se
à câmara “que se encontrem soluções de arrendamento a preços
controlados”, “que se continue o trabalho de avaliação das
ocupações abusivas, accionando a Rede Social, e se promova a
celebração de acordos de liquidação de dívida” e ainda que
“que sejam definidos programas de intervenção na habitação
pública, ao nível da construção, por forma a dar resposta às
necessidades”. O Bloco de Esquerda (BE) ainda tentou, através de
duas recomendações distintas, trazer a discussão e fazer passar
por votação no plenário a interrupção do processo de expulsão
das pessoas que ocupam imóveis municipais sem pagar. Mas as alíneas
de ambos os documentos em que tal era defendido foram chumbadas,
contando apenas com o apoio do PCP e de Os Verdes (PEV).
Antes de tal
acontecer, havia-se assistido a uma duríssima sessão de punição
verbal da política de habitação do executivo liderado pelo Partido
Socialista. E foi precisamente o Bloco, através do seu deputado e
candidato à presidência do município, Ricardo Robles, quem mais se
destacou na acutilância das críticas. “Este é o problema mais
grave da cidade. É um sinal do fracasso deste executivo, que não
foi capaz de responder ao assunto mais importante na cidade, que é o
direito a ter um tecto e a viver com dignidade”, disse o eleito
bloquista, antes de acusar: “Os problemas são monstruosos e as
respostas inexistentes, porque foi seguida uma estratégia errada”.
Ricardo Robles assinalou o facto de o debate acontecer no mesmo dia
em que a CML vendia em leilão mais uma dezena de imóveis. O mesmo
número de casas que, recentemente, a autarquia colocou a concurso no
programa de renda convencionada, ao qual concorreram 3.300 pessoas.
“São 330 pessoas para cada casa. Este é o melhor dos sinais de
que não há capacidade de resposta da câmara ao problema da
habitação”, concluiu Robles.
Um diagnóstico em
linha com o retrato demolidor feito pela dirigente da Associação
Habita, que assinalou o facto de “o preço da habitação subir
muito mais do que os rendimentos médios e baixos dos habitantes de
Lisboa, que não podem pagar”. Ana Rita Silva lamentou a “ausência
de políticas que possam responder satisfatoriamente ao problema” e
que “a reabilitação que hoje temos tenha servido, sobretudo, os
grandes interesses imobiliários e esteja a expulsar os moradores da
cidade pela via do aumento desmesurado dos preços da habitação”.
A activista admitiu a eventual “bondade” do programa de renda
acessível lançado no ano passado pelo executivo chefiado por
Fernando Medina, mas considerou-o “totalmente insuficiente para as
necessidades”, incapaz de “pressionar para baixo o preço da
habitação” na capital e devedor de uma “concepção de cidade
segregada: os pobres nos bairros sociais, a classe média no centro”.
Também o PCP,
através de Modesto Navarro, não poupou na dimensão da censura ao
que considera o falhanço do actual executivo em matéria de
habitação. “Esta câmara, no âmbito da sua política de
envolvimento com os grandes especuladores, dedica-se à venda do
património e dá resposta nas zonas mais evidentes e de turismo. Em
relação aos bairros municipais, e aos problemas de habitação, a
CML é cúmplice no aumento do preço das rendas, no esvaziamento dos
bairros, na expulsão dos filhos dos lisboetas e dos mais idosos”,
acusou o deputado municipal comunista. E continuou: “Com o seu
silêncio e com a sua acção – desviando dotações que podiam ser
para a habitação social e a resolução dos problemas de quem vive
em Lisboa -, está dedicada em elevar esta cidade a um patamar mais
alto no domínio da especulação”. O eleito do PCP lembrou os
sucessivos alertas do seu partido sobre a questão, ao longo dos
últimos anos, prevendo um intensificar dos problemas nos próximos
anos.
Antes, Helena
Roseta, presidente da assembleia, havia pedido a palavra para falar
como deputada independente e defender o trabalho da vereadora Paula
Marques, sua sucessora na liderança do pelouro da Habitação –
Roseta foi vereadora desta pasta entre 2009 e 2013. “Esta é uma
das questões mais difíceis para quem tem o poder executivo. No
mandato anterior, em que desempenhei funções nesta matéria, foi
muito difícil fazer obras nos bairros sociais. A situação evoluiu
e felicito a senhora vereadora Paula Marques, porque conseguiu
mobilizar 20 milhões de euros para obras nos bairros, algo que não
se conseguia há muitos anos. Tais intervenções vão permitir
atribuir essas casas que estão vazias”, disse, antes de apelar à
“criação de um programa nacional para dar resposta a estas
situações”. Roseta defende que tal programa crie uma prestação
social, à imagem do que sucede com os subsídios de desemprego,
doença ou viuvez, “para as pessoas poderem encontrar arrendamento
acessível”.
Algo criticado pelo
PSD, quando o seu deputado Rodrigo Gonçalves da Silva contradisse
Roseta, embora lhe tenha elogiado “o grande trabalho” enquanto
vereadora. “Este é um problema da Câmara de Lisboa, não é um
problema nacional. Não vale a pena fingir que é nacional, quando é
uma questão da cidade, que tem imensos bairros com problemas como
este”, disse o eleito laranja, para quem, “neste momento, a
câmara favorece uma política de habitação para os turistas e
desfavorece os que aqui vivem”. Lembrando a existência de muitos
imóveis por ocupar nos bairros municipais – uma crítica
partilhada por toda a oposição -, Gonçalves da Silva acusou a
autarquia de ser “o maior especulador imobiliário, para depois
andar à procura de soluções”. “Precisamos que a CML faça
qualquer coisa, não que diga que se preocupa, mas depois, na
prática, deixe pessoas com filhos menores na rua, em situações
degradantes”. Já antes, Diogo Moura (CDS-PP) lembrara os “milhares
de fogos municipais abandonados e emparedados” que, diz, poderiam
servir para mitigar o problema.
Ao ouvir tantas
críticas, a vereadora fez questão de assinalar “a sensibilidade
da matéria”, em relação à qual garantiu que tanto ela como a
câmara têm plena noção. “Não fazemos um julgamento moral das
pessoas que ocupam as casas, temos consciência da diversidade de
razões que levam as pessoas a fazê-lo”, afirmou, antes de
criticar as “responsabilidades de alguns partidos com políticas de
âmbito nacional em matérias que têm implicação directa naquilo
que é a deterioração da vida das pessoas” – numa clara
referência ao PSD e CDS-PP, que suportaram o anterior Governo. A
essa degradação das condições de vida, salientou a vereadora,
correspondeu um decréscimo em 14 milhões de euros nos valores da
rendas cobradas aos inquilinos de bairros camarários, nos últimos
anos.
Admitindo a
necessidade de continuar a trabalhar na reabilitação de fogos
devolutos – neste momento, há 1100 em obras com esse intuito, que
se juntam aos 1246 já entregues a famílias, durante este mandato -,
Paula Marques fez questão de alertar para a incapacidade da
autarquia de Lisboa em resolver sozinha o problema da habitação.
“Não é legítimo que, durante tantos anos, não seja produzida
uma política de habitação nacional dirigida para ser
operacionalizada pelos municípios”, afirmou, dando assim eco ao
que Helena Roseta dissera minutos antes. “Não é legítimo que a
segurança social não tenha um papel activo na prestação de
auxílio a famílias em situação indigna”, disse ainda,
replicando o que afirmara André Couto, deputado que chefia a bancada
municipal do PS na assembleia municipal.
Texto: Samuel
Alemão Fotografias: David Clifford
Lisboetas
e oposição pedem soluções para os problemas da habitação
Deputados discutiram
petição onde se alega que muitas famílias dos bairros sociais de
Lisboa geridos pela câmara “estão em vias de serem despejadas”
e não têm para onde ir.
JOÃO PEDRO PINCHA
28 de Março de 2017, 19:48
Segundo os
signatário, há “milhares de pessoas” que “permanecem sem ter
acesso a uma habitação social depois de muitos anos de espera”Foto
Segundo os
signatário, há “milhares de pessoas” que “permanecem sem ter
acesso a uma habitação social depois de muitos anos de espera”
RUI GAUDENCIO
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Motivo de
preocupação para muitos lisboetas, a habitação caminha a passos
largos para se tornar o tema mais relevante da campanha autárquica
deste ano. Na reunião desta terça-feira da Assembleia Municipal de
Lisboa, todos os partidos da oposição criticaram aquilo que dizem
ser a inacção da câmara nesta matéria. O executivo socialista
respondeu que os problemas da habitação só podem ser resolvidos
com uma estratégia nacional e atacou quem afirma que a câmara pouco
tem feito.
Quase um ano depois
de ter chegado à assembleia, os deputados municipais discutiram uma
petição que tinha por fim “a suspensão de qualquer tipo de
despejo efectuado pela autarquia sem que estejam garantidas
alternativas dignas e adequadas”. Segundo os signatários, muitas
famílias dos bairros sociais de Lisboa geridos pela câmara “estão
em vias de serem despejadas” e não têm para onde ir. “Estas
famílias não podem ser atiradas para a rua sem que estejam
garantidos os seus direitos humanos fundamentais”, disse Ana Rita
Silva, primeira signatária, aos deputados.
Por outro lado,
sublinha a petição, há “milhares de pessoas” que “permanecem
sem ter acesso a uma habitação social depois de muitos anos de
espera”, o que origina situações de ocupação ilegal de casas ou
de sobrelotação de habitações. A juntar a isto, argumentam os
peticionários, a cidade está “progressivamente” a ser entregue
“ao turismo e às camadas que podem pagar os preços da elevada
especulação em curso”.
Por isso, Ana Rita
Silva pediu “medidas estruturais que controlem o preço dos
arrendamentos” e afirmou que a reabilitação urbana “tem servido
os grandes interesses imobiliários”. Na plateia, duas dezenas de
pessoas apoiaram ruidosamente estas palavras. Uma das pessoas
dirigiu-se mesmo ao executivo: “Somos famílias que estamos mesmo
necessitadas. Façam alguma coisa, nós estamos mesmo a precisar.”
“Temos a noção
de que precisamos de fazer mais e de forma mais célere, mas não é
verdade que não há um acompanhamento das situações”, disse a
vereadora da Habitação, Paula Marques, já depois de ter sido
interpelada pelos partidos da oposição.
Ricardo Robles,
deputado e candidato autárquico do Bloco de Esquerda, disse que “o
problema da habitação em Lisboa é o maior e o mais grave da
cidade” e que “este é o principal sinal de fracasso deste
executivo”. Pelo PCP, Modesto Navarro fez uma crítica semelhante,
afirmando que a câmara tem uma “política de envolvimento com os
grandes especuladores” e que, por isso, “é cúmplice no aumento
do preço das rendas, no esvaziamento dos bairros e na expulsão dos
filhos dos lisboetas”.
Já Helena Roseta,
por um dia apenas deputada independente e não presidente da
assembleia municipal, desafiou todas as bancadas a exigir mais acção
à Assembleia da República. “Nós não temos uma política
nacional de habitação há muitos anos”, disse. “Se ficarmos sem
casa, e infelizmente há milhares de famílias no país inteiro em
risco de ficar sem casa, no máximo ficamos três semanas numa
pensão”, criticou de seguida.
“Não é aceitável
olhar para a questão da habitação exigindo que sejam os municípios
única e exclusivamente a tratar dos problemas”, afirmou a
vereadora Paula Marques, que considerou que “não é legítimo que
não haja uma política de habitação nacional”.
Este argumento não
convenceu Rodrigo Gonçalves, do PSD, que disse que esta “é uma
questão da responsabilidade da câmara” e que a autarquia
“desfavorece e discrimina aqueles que aqui vivem”. “A câmara
não pode ser o maior especulador imobiliário da cidade e depois, em
contrapartida, andar a arranjar soluções precárias” para os
problemas, afirmou o social-democrata, que depois acusou o Partido
Socialista de “fazer demagogia com um discurso populista”. Isto a
propósito da intervenção do socialista André Couto, que acusou o
PSD e o Bloco de “ignorar a influência da Lei das Rendas e o papel
da Segurança Social nesta matéria”.
Paula Marques
devolveu as críticas e explicou que, entre 2011 e 2016, “fruto da
deterioração das condições de vida” das pessoas, houve uma
redução de 14 milhões de euros no valor das rendas recebidas pela
Gebalis, empresa municipal que gere os bairros sociais da cidade. A
autarca acrescentou que estão a ser reabilitados 1010 fogos nestes
bairros.
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