“Há
indústrias onde o emprego atípico se está a tornar normal”
Mariya
Aleksynska, economista da OIT, alerta que em sectores como a
hotelaria o uso de formas contratuais precárias está a tornar-se
norma.
RAQUEL MARTINS 5 de
Março de 2017, 8:55
A economista Mariya
Aleksynska, uma das técnicas que colaborou no relatório sobre o
emprego atípico no mundo divulgado pela Organização Internacional
do Trabalho, diz que, perante o crescimento deste tipo de emprego, é
preciso garantir que há condições e direitos que se aplicam a
todos os trabalhadores independentemente do vínculo contratual.
Quando se fala de
emprego atípico, estamos a falar exactamente de quê?
A legislação
laboral da maior parte dos países é construída à volta da ideia
de uma relação de trabalho standard. E quando dizemos standard,
assumimos que é uma relação de trabalho que existe, que tem
carácter permanente, a tempo inteiro e com subordinação directa do
trabalhador ao empregador. Quando uma destas condições é violada,
estamos perante emprego atípico: contratos a termo, diários,
trabalho sazonal, a meio-tempo, à chamada (on call work), contratos
zero horas, relações laborais triangulares e, finalmente, situações
em que a relação de emprego não existe formalmente. Na Europa, a
principal forma de trabalho atípico são os contratos a termo.
Esse tipo de
trabalho começou por ser usado em determinadas actividades
económicas, nomeadamente as sazonais, mas acabou por se estender a
outras áreas. Por que é que isso aconteceu?
O emprego atípico
tem aumentado em praticamente todo o mundo, incluindo em Portugal, e
isso é o resultado de muitos factores. Um deles é o desenvolvimento
do sector dos serviços, onde as flutuações da procura são muito
mais frequentes do que na indústria e onde há necessidade de ter
uma força de trabalho mais flexível. Mas há também factores
relacionados com as mudanças sociais, nomeadamente o facto de as
mulheres participarem cada vez mais no mercado de trabalho, criando a
necessidade do trabalho a meio-tempo. A regulação tem também um
papel importante no aumento do trabalho atípico. Em muitos países
do Sul da Europa, nos anos 70 e 80, os contratos temporários apenas
eram permitidos por razões objectivas e não abrangiam todo o tipo
de trabalho mas, pouco a pouco, os países, incluindo Espanha e
Portugal, foram liberalizando o mercado laboral e, claro, as empresas
aproveitaram essa possibilidade.
A utilização de
contratos atípicos é uma escolha consciente das empresas?
As empresas recorrem
a estes contratos por diferentes razões. Porque precisam de
flexibilidade e porque precisam de poupar nos custos. Ao mesmo tempo
são também estratégias organizacionais. Temos empresas que
empregam trabalhadores temporários de forma intensiva. Há uma
pequena percentagem de empresas em quase todos os países, cerca de
7%, em que mais de 50% da sua força de trabalho é temporária. Aqui
vemos claramente que organizar a produção à volta da possibilidade
de usar este trabalho flexível se tornou uma escolha ao nível da
gestão dos recursos humanos.
Quais os riscos
deste tipo de gestão?
No curto prazo, pode
haver vantagens ao nível das poupanças e da flexibilidade. Mas no
longo prazo há riscos, nomeadamente a dificuldade de as empresas
gerirem pessoas que trabalham lado a lado, exercem exactamente a
mesmas funções, mas têm vínculos contratuais diferentes. Se os
trabalhadores não esperam que os seus contratos se convertam em
contratos regulares podem ter um maior grau de absentismo e menor
motivação. O que temos visto é que as empresas que recorrem a
trabalho atípico preferem não investir nos seus trabalhadores, mas
também investem menos em formação, em inovação e em tecnologia.
Há também riscos de perdas de produtividade da empresa e dos
próprios países. Alguns estudos notam um decréscimo da
produtividade dos países, incluindo em países como Portugal, que se
deve à excessiva dependência de contratos temporários.
Esses riscos são
tidos em conta pelas empresas?
É difícil as
empresas não recorrerem a este tipo de contratos, quando isso é uma
tendência e os seus concorrentes também os usam. Se há uma
situação geral de crise, se os mercados de trabalho têm um
desempenho fraco, tudo isso afecta as escolhas das empresas. Ao mesmo
tempo, é verdade que as empresas podem escolher outras vias e há
exemplos disso. A Mercadona [cadeia de supermercados espanhola] teve
de repensar a sua estratégia para sobreviver face à concorrência e
decidiu colocar todos os seus trabalhadores em contratos permanentes.
Foi um passo pouco usual na indústria do retalho, mas permitiu-lhes
ganhar nos custos de reter e formar os trabalhadores e em
produtividade.
É possível ter
empresas maioritariamente com trabalhadores temporários?
Há exemplos de
indústrias onde o emprego atípico se está a tornar o emprego
normal. Na indústria hoteleira, por exemplo.
A lei pode travar
essas tendências?
Pode-se pensar em
limitar o uso das diferentes formas de trabalho atípico. O problema
é que quando já se liberalizou o mercado de trabalho, é muito
difícil voltar atrás. Não só pela impopularidade política, mas
porque as empresas habituam-se a ter um mercado laboral flexível e
mesmo que se altere a lei, tentam encontrar soluções diferentes,
porque já adaptaram o seu processo tecnológico a esta
possibilidade. O que os países podem fazer, adicionalmente ou em vez
de limitar [o uso de contratos temporários], é garantir que o
trabalho é decente em qualquer circunstância, seja atípico ou
standard.
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