Cinco
deputados ganham cem mil euros além do vencimento do Parlamento
Joana Almeida
Ontem 12:48
A
remuneração está prevista na lei para deputados eleitos para
entidades fiscalizadoras mas a bancada comunista não a vê com bons
olhos.
Os cinco deputados,
do PSD e do PS, receberam o ano passado quase cem mil euros extra por
atividades no setor privado ou outros rendimentos. O Partido
Comunista (PCP) defende que o montante pago pela secretaria-geral da
Assembleia da República “não se justifica”, embora esteja
previsto na lei para todos os deputados eleitos para entidades
fiscalizadoras.
Segundo avança o
‘Diário de Notícias’, Filipe Neto Brandão, deputado socialista
do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da
República Portuguesa (CFSIRP); Ricardo Leite, médico e deputado
social-democrata, do Conselho de Fiscalização da Base de Dados de
Perfis de ADN; António Gameiro, deputado socialista e membro do
Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação
Criminal (CFSIIC) e os dois deputados da Entidade Fiscalizadora do
Segredo de Estado (EFSE), Teresa Leal Coelho, do PSD, e João Soares,
do PS, são os cinco deputados que em 2016 receberam 99.676,23 euros,
além remuneração como membros do Parlamento.
O salário extra
recebido pelos membros destas quatro entidades fiscalizadoras,
eleitas pela Assembleia da República, é visto pelo PCP como
“injustificável”. “Desde que a lei passou a prever estas
remunerações que o partido é contra”, sublinha o deputado
comunista António Filipe, ao DN. “Entendemos que não se
justifica, tendo em conta que as pessoas têm outras fontes de
rendimento, incluindo a de deputados, função pela qual foram
eleitos para estes órgãos”.
A maior parte destas
quatro entidades fiscalizadoras, eleitas pela Assembleia da
República, está a funcionar de forma incipiente, mas, segundo João
Soares, um dos deputados em questão, a “remuneração está
prevista na lei” e é um “disparate total” dizer que tiveram
mais ou menos serviço em 2016 do que em anos precedentes.
Remunerações
dos políticos “sem lei nem roque”
05.03.2017
às 17h00
Ex-deputado
do PS denuncia “favela legislativa confusa e opaca” sobre
salários e apela à “correção das disfunções”
Uma verdade
incrível é esta: não são conhecidas as concretas remunerações
de cada um dos deputados que elegemos. Não é só espinhoso
calculá-las: é, na verdade, impossível”. A denúncia vem de
fonte insuspeita: José Magalhães, constitucionalista, ele próprio
deputado (entre 1983 e 2015, com interrupções) e antigo governante
(foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, no segundo
governo Guterres, e da Administração Interna e da Justiça, nos
dois governos Sócrates). É apenas uma de muitas revelações, todas
sem papas na língua, que o autor reuniu no livro “Políticos.pt —
guia prático das remunerações de altos cargos políticos”, à
venda na próxima semana, com a chancela da Aletheia.
Assegura que o que o
move é combater o populismo, “não dar-lhe lenha para alimentar o
ódio aos políticos e à democracia”. A obra tem o objetivo
assumido de quebrar um tabu, abrindo uma discussão frontal sobre os
vencimentos da classe política, pondo dedos em feridas que a classe
política portuguesa há muitos anos sabe que existem mas ignora
sistemática e — admite o autor — propositadamente.
Hoje em dia a
atitude dominante do lado dos interessados é o silêncio. Podem
trovejar na praça pública inexatidões, números com erros
grosseiros, ataques soezes a pessoas concretas facilmente
confundíveis com tiros certeiros. Os spin doctors de todas as cores
recomendam o mesmo: bico calado. E os bicos calam-se”. Não é o
seu caso: “Discordo da política do silêncio”.
O DIAGNÓSTICO...
José Magalhães,
que há muito nos habituou à ironia cáustica das suas intervenções,
escreve clarinho como água para todos os entendedores (bons ou
maus): “A floresta legislativa, semeada ao longo de muitas épocas,
desenha labirintos jurídicos tão difíceis de percorrer que
facilita a confusão de quem quer entender e até de quem aplica
(...). Assim sendo, podem nascer e crescer sem freio práticas
aberrantes e remunerações sem lei nem roque”. Podem e nascem. O
retrato é implacável: “Os diplomas sobre remunerações dos
políticos foram proliferando sem critérios uniformes e visão de
conjunto, cresceu uma espécie de favela legislativa confusa e
opaca”. Um emaranhado que ele se propõe destrinçar com este
livro, que sistematiza de forma clara as principais leis que
determinam os vencimentos (e complementos remuneratórios) da classe
política e expõe, preto no branco, as disfunções (algumas
gritantes) que urge corrigir.
Como estas:
desigualdades “injustificáveis” na remuneração dos deputados;
pagamento de suplementos “sem fundamento bastante”; práticas que
remuneram e incentivam “o grau zero de trabalho” nos círculos
eleitorais; viagens parlamentares sem mecanismos de controlo;
possibilidade “quase ilimitada” de faltar a reuniões; ausência
de “medição fiável” do desempenho dos parlamentares;
assimetrias remuneratórias “absurdas” e que “padecem de grave
défice de controlo do uso dos dinheiros públicos” nas autoridades
administrativas independentes que gravitam na orla parlamentar.
... E A CURA
Mas Magalhães não
se limita ao diagnóstico, sugere medidas para a cura. Desde logo
chamando à pedra o seu partido, o PS, que assumiu em programa
eleitoral o compromisso, “cristalino e irrevogável”, de reformar
o estatuto dos titulares de cargos políticos. “A hora é agora.
Não deve perder-se tempo”. Essa revisão só vale se for
“profunda” — ou, dito por outras palavras, “sem meias- tintas
nem remendos ditados pelo medo de ferir a calma fruição de regalias
injustificáveis” — e assumir o lema “o mandato a quem
trabalha”. “É preciso garantir remuneração decente a quem não
dormita na zona de conforto”, propõe o ex-deputado, ao mesmo tempo
que avança que “as mordomias devem ser eliminadas, com efeitos
imediatos”.
É igualmente
imprescindível, sublinha, estabelecer “uma fronteira nítida entre
a política e os negócios”. Sugere, por exemplo, que o período de
nojo após exercício de funções governativas aumente de três para
quatro anos (o tempo de uma legislatura); que haja “um corte
profundo com o statu quo” relativo aos deputados-advogados (que não
pode sequer admitir o exercício pro bono, no seu entender “porta
para acumulações de fachada”); que se substitua o pagamento, à
cabeça, de verbas para deslocação ao círculo por que se foi
eleito —regime que se converteu “numa espécie de segundo
salário”, denuncia — pelo pagamento contra faturas de despesa.
Vai mais longe,
defende um reforço taxativo das incompatibilidades e impedimentos
durante e após o exercício de funções políticas. “Quem esteve
no Governo não deve poder exercer cargos nas empresas que prossigam
atividade de impacto relevante no sector que foi diretamente
tutelado, bem como nos casos em que se tenha verificado uma
intervenção direta do antigo titular de cargo político na
atividade da empresa” — norma que, a estar em vigor na altura,
teria impedido Jorge Coelho de ir para a Mota-Engil ou Ferreira do
Amaral de integrar a Lusoponte.
“Deve também ser
proibida a aceitação de cargos de funcionário ou consultor de
organizações internacionais com as quais o interessado tenha
realizado negociações em nome do Estado português” — o que
teria impossibilitado Vítor Gaspar de ocupar o lugar que ocupa no
FMI. Ou, ainda, “os consultores do Estado em processos de
privatização e concessão de ativos em que tenham tido intervenção
devem ficar impedidos de exercer funções nas entidades contraparte
da negociação” — o que não deixaria que Diogo Lacerda Machado
fosse indicado para a administração da TAP.
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