O
BES é o rio Trancão de Portugal
Um
escândalo de dimensões homéricas, turbinado por suspeitas de
ilegalidades que começam no BES, passam pela Autoridade Tributária,
e acabam na secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais.
João Miguel Tavares
11 de Março de
2017, 7:25
A probabilidade de o
caso do apagão informático esconder mais uma trafulhice das grandes
não pára de aumentar. Quando unimos os pontos de uma série de
notícias que foram publicadas ao longo da semana, o resultado é
tétrico – tudo indica que o responsável pelo apagão seja outra
vez a velha cegonha da Comporta, que já eletrocutou vinte vezes o
país.
Comecemos por
esquecer todos os bancos, menos um – o caso das offshores é sobre
o BES. Dos 10 mil milhões de euros em transferências ocultas
registadas entre 2011 e 2014, cerca de 8,6 mil milhões partiram do
BES ou do Novo Banco. A resolução do BES é de Agosto de 2014, e só
entre 2013 e 2014 as transferências para offshores oriundas do banco
de Ricardo Salgado superaram os 5 mil milhões de euros. Segundo o
Jornal Económico, são duas as parcelas que justificam esses
valores: transferências ordenadas pela empresa petrolífera do
Estado venezuelano (PDVSA), que foram direitinhas para o Panamá, e
“financiamentos indirectos do BES às empresas do Grupo Espírito
Santo”. Lembra-se daquela famosa estratégia de ring-fencing com a
qual o Banco de Portugal iria impedir a contaminação do BES pelo
GES? Tudo indica que tenha sofrido o mesmo apagão que o sistema
informático do fisco.
Esqueça também os
impostos em dívida: o problema das transferências para offshores –
que na sua maioria foram transferências do BES para o Panamá –
não está no pagamento de impostos, porque é possível que nada
seja devido. Está, como alertava o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores dos Impostos, Paulo Ralha, em entrevista ao i, na
origem do dinheiro transferido. Pode não ter havido fuga aos
impostos, mas tudo indica que houve fuga premeditada à atenção das
autoridades portuguesas numa altura em que o GES já estava pelas
ruas da amargura. O apagão não aconteceu porque alguém tropeçou
acidentalmente na ficha, mas porque alguém desligou intencionalmente
o interruptor. É Paulo Ralha quem o diz: “Há um erro grosseiro e
não me parece que se deva apenas a um programa informático.”
Juntemos a isto uma
terceira notícia: a entrevista que Carlos Costa deu esta semana ao
PÚBLICO, para responder ao documentário da SIC Assalto ao Castelo.
Em que consistiu a defesa do governador? Nisto: afirmar que o BES não
caiu porque o Banco de Portugal estivesse distraído, mas porque
alguém começou a desviar dinheiro do banco aos magotes. “Tudo foi
feito para que o GES não arrastasse o BES, para evitar o contágio.
E não foi pela via do contágio que o problema aconteceu”,
garantiu Carlos Costa. “O que foi determinante foram as operações
que se revelaram no final do segundo trimestre de 2014. Não foi
senão mão humana que fez com que o BES, de um momento para o outro
e surpreendendo todos (incluindo quadros do banco), apresentasse uma
perda de uma dimensão que jamais poderíamos antecipar.”
Em resumo, temos
notícias que dão contas da saída de milhares de milhões de euros
do BES para offshores em 2013 e 2014. Temos um governador do Banco de
Portugal a dizer que na primeira metade de 2014 o banco ficou
subitamente descapitalizado. E temos um funcionário do fisco a
garantir que, para justificar o apagão, se inclina “muito mais
para a tese do erro humano”. Unindo estes pontos o que dá? Mais um
escândalo de dimensões homéricas, turbinado por suspeitas de
ilegalidades que começam no BES, passam pela Autoridade Tributária,
e acabam na secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais. Vem aí
borrasca da grossa.
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