Redução
do défice foi feita com “medidas que não são sustentáveis”
A
presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso,
acredita que Portugal vai sair do procedimento por défice excessivo
este ano, mas receia que, tal como aconteceu no passado, possa
reentrar novamente
VÍTOR COSTA
(Público) e GRAÇA FRANCO (Renascença) Renascença 2 de Março de
2017, 6:41
Teodora Cardoso
duvida da sustentabilidade das medidas que o Governo usou para
conseguir reduzir o défice de 2016 para uns surpreendentes 2,1% do
produto interno bruto (PIB). “Até certo ponto, houve um milagre”,
diz a presidente do Conselho de Finanças Públicas. A economista diz
mesmo que a incerteza em relação à sustentabilidade da redução
do défice, aliado a um passado de saída e posterior reentrada em
défice excessivo, leva os mercados a não valorizar os resultados
alcançados em 2016.
No final do ano
passado, dizia que atingir o défice proposto pelo Governo era uma
questão de fé. Houve um milagre?
Até certo ponto,
houve. Até ao final do primeiro semestre [as informações], não
iam no sentido de haver um grande entusiasmo no sentido de cumprir as
regras. Havia aquela ideia de que, repondo os salários, a procura
interna subiria, que isso arrastaria o crescimento da economia, o que
por seu turno resolveria o problema do défice. Desde o início
dissemos que isso não ia acontecer. O simples facto de aumentar
salários, normalmente, reflecte-se mais em aumento de importações
do que na actividade económica interna e, por consequência, isto
não iria resolver o problema do Orçamento. Houve a meio do ano uma
alteração muito importante, que foi a actuação da Comissão
Europeia, pondo inclusivamente a hipótese de sanções, nomeadamente
a perda de acesso a fundos europeus. E esta mudança levou a uma
alteração muito profunda da política.
Houve um plano B?
Não houve plano B,
mas houve medidas. Mas, como não houve um plano e não houve
realmente a assunção dessas medidas, houve todo um período em que
era muito difícil avaliar o que estava na cabeça do Governo. E o
que estava na cabeça eram algumas coisas que depois se verificaram,
uma delas foi o Peres [Programa Especial de Redução do
Endividamento ao Estado], que teve uma importância muito grande, mas
que...
Uma receita
extraordinária de impostos.
Uma receita
extraordinária que teve um impacto importante. E houve cortes da
despesa muito profundos, nomeadamente no investimento público, que
no início do ano iria ser um dos motores do crescimento e que na
realidade foi o motor da quebra das despesas e também de compressão
de despesas.
Dizia que esse tipo
de medidas correspondia a pôr um tecto em cima de uma panela e era
susceptível de aumentar a pressão, um dia haveria de explodir.
Estamos à beira dessa explosão?
O problema está em
que isto não é sustentável. Este tipo de medidas não são
sustentáveis. O que resolve o problema da despesa pública é uma
reforma que tenha efeitos a médio prazo de melhor gestão das
despesas, de qualidade das despesas e de ganhos de eficiência. Nunca
fizemos esse esforço no passado, portanto, há-de haver espaço para
ganhos de eficiência. Agora, isto não se pode fazer em seis meses,
exige uma programação, exige uma forma de actuar diferente, que
está, aliás, prevista na nova lei de enquadramento orçamental.
O resultado vai ser
suficiente para conseguirmos sair do procedimento por défice
excessivo (PDE) este ano?
O défice do ano
passado já está visto que ficará abaixo dos 3%, a Comissão
Europeia já o disse, o Fundo Monetário Internacional já o disse,
portanto, quanto a isso, não há dúvidas. Por outro lado, as
perspectivas [que estes organismos também já publicaram] também
vão nesse sentido. Portanto, em princípio, vamos sair do PDE, a
minha dúvida aí é outra. Como já tenho dito, levámos toda a
década de 2000 a entrar e a sair do PDE. Entrámos em 2002, saímos
em 2004 e reentramos em 2005; saímos em 2008, reentramos em 2009.
Ora bem, espero que não seja assim. E é aí que está o problema: é
que se o esforço é todo feito no sentido destas medidas pontuais
não sustentáveis, dirigidas a um determinado ano, conseguirmos
controlar o défice, mas, se logo a seguir já estamos livres do PDE
e voltamos a fazer despesas, caímos outra vez.
Uma dessas despesas,
as de investimento, vão ser relançadas.
Vai ser relançado e
vêm os fundos europeus. Mais uma vez e mais uma vez, tenho um
problema. Vamos ver se vamos criar um sistema de governance do
investimento público que não nos volte a colocar os problemas que
já tivemos no passado. Há uma mudança de formas de gerir as
finanças públicas que se impõe e impõe-se porque já não temos
espaço para nos endividarmos mais. E isto no passado foi sempre
acontecendo porquê? Porque nós não cumpríamos os limites, porque
tínhamos financiamento. Com esse financiamento, chegámos aos 130%
de rácio da dívida.
Uma meta não
cumprida.
Esse no fundo é o
nosso problema, um problema que nos fragiliza em termos de políticas
futuras e de capacidade de financiamento futuro. Mas que nos
fragiliza se não fizermos as alterações estruturais que se impõem.
Isso está na lei do
enquadramento orçamental que já foi aprovada em 2015. Agora,
finalmente, o Governo pôs em andamento a unidade de implementação
da Lei de enquadramento…
Mas ainda tem um
prazo até 2018?
Quando o prazo de
três anos foi definido em 2015, já era curto e agora está reduzido
a metade.
Nada foi feito desde
2015 nessa matéria?
A implementação
através dos serviços públicos não está ainda feita. A coisa mais
importante que se fez foi o novo plano de contas das administrações
públicas, que está feito e está a começar a ser implementado, mas
que exige um trabalho completamente diferente, em matéria de contas
públicas e de capacidades inclusivamente diferentes dos serviços.
Onde vamos encontrar
mais crescimento económico?
Aí é evidente que
há outro problema, que está ligado com este, que é o problema de
tratarmos sempre o orçamento como uma coisa à parte da política
económica. Mesmo os impostos são tratados como uma fonte de
receita. Isto tem muito que ver, por exemplo, com o investimento e
não é tanto o problema dos impostos, das taxas do imposto, o que os
investidores se queixam é muito mais da complexidade e da
instabilidade da nossa política fiscal. Essa instabilidade está
exactamente ligada a toda a instabilidade orçamental. Vêm os
apertos e lá sobem os impostos, claro. Portanto, esse é um dos
aspectos. Integrar na política orçamental a política económica.
Depois, temos de pensar na política económica como uma política
que tem de olhar para o exterior, para a competitividade, para
conseguirmos ter crescimento da economia. O nosso mercado não
sustenta o crescimento da economia, a não ser nas coisas que já
esgotámos, como construção, mas nós vamos construir mais ainda? E
o que é que a construção dos deixou? Uma enorme dívida e,
portanto, convém não continuar por esse caminho. As empresas
exportadoras têm essa visão do mercado externo. Agora isto tem de
ser muito mais incentivante. Ora bem, isso implica um tipo de
política económica diferente e sobretudo muito menos dependente das
despesas públicas.
Temos tido estes
resultados, um pouco melhores de redução do défice, saldos
primários positivos, mas os mercados continuam a não os valorizar.
É porque estes resultados são artificias?
Não é tanto serem
artificiais, é esta incerteza quanto ao grau em que são
sustentáveis. O que disse a respeito do PDE, de entrarmos e sairmos.
Isso, junto com a forma como o próprio ano de 2016 foi gerido, leva
a que haja expectativa. Vamos esperar para ver se efectivamente
entramos noutra trajectória e se, nessa altura, os mercados reagirão
positivamente, mas para já estão na expectativa.
Estamos numa
situação em que, se não fosse o Banco Central Europeu (BCE),
estaríamos muito próximos daquilo que foi 2010 e 2011?
Em parte, sim;
porque é evidente que a política do BCE foi extremamente importante
para termos acesso a financiamento. Mas diria que apesar de tudo há
uma grande diferença. Desde 2011 fizemos muitas alterações. Não
estamos de todo na posição da Grécia. Há várias coisas que em
Portugal se alteraram profundamente neste período. Desde logo,
alterou-se precisamente a perspectiva de que precisamos de ter uma
política de finanças públicas diferente. Agora, a questão está
na continuidade deste processo. E aí, durante este período, foi
muito importante o BCE, mas não podemos contar com o BCE
eternamente.
Os
devotos de Santo António Costa
Por
culpa da desastrada estratégia de Passos Coelho, cada mês de vida
deste governo dá direito a bolo e soprar de velas.
25 de Março de
2017, 8:11
A grande conquista
de António Costa em 2016 não foi o défice de 2,1% – foi ter
despertado em muita gente o desejo genuíno de acreditar que aquele
défice corresponde a uma melhoria do estado do país. A maior parte
dos portugueses quer crer que os 2,1% são sustentados, reais,
inteiramente merecidos, uma vitória extraordinária da estratégia
económica socialista e a prova definitiva de que o país está no
caminho certo. Quer crer que o verdadeiro diabo foi Passos Coelho e
que António Costa conseguiu melhores resultados com menos enxofre.
Quer ter fé no primeiro-ministro. Essa é, sem dúvida, a maior das
suas vitórias.
A Europa, os
mercados e as agências de rating continuam a não ter qualquer
confiança em Portugal – mas os portugueses, que não têm um
matemático de jeito desde Pedro Nunes, confiam nas contas do
primeiro-ministro. Confiam, por exemplo, na sua palavra quando ele
garante, em resposta ao cepticismo de Wolfgang Schäuble: “Os
números são simples: 2,1% de défice, o melhor em 42 anos de
democracia, 2% de saldo primário positivo, diminuição de um ponto
da dívida líquida, estabilização da dívida bruta e começo da
redução, estabilização do sistema financeiro, criação de 118
mil postos de trabalho líquidos. Estes são os números. E contra
factos não há argumentos.”
Mas será que os
números são só estes e que não há argumentos contra tais factos?
Peguemos num excerto de um artigo do economista João Duque no
Expresso da semana passada, dedicado a tentar compreender porque
mistério a diferença nas taxas de juro a 10 anos entre Portugal e a
Alemanha era de 1,85% quanto Costa tomou posse, e hoje é de 3,85%:
“A atividade económica medida através do PIB cresceu menos em
2016 (1,4%) do que em 2015 (1,6%). O consumo interno, apesar de um
esforço grande do Governo para o promover, cresceu menos em 2016
(2,3%) do que em 2015 (2,6%). O investimento caiu em 2016 (-0,3%),
quando em 2015 tinha subido (4,5%). As exportações cresceram menos
em 2016 (4,4%) do que em 2015 (6,1%). O aumento da dívida pública
(aproximadamente 7 mil milhões de euros em 2016) foi superior ao
défice orçamental do ano (4,2 mil milhões de euros), mostrando que
além do adiamento de despesa ainda houve muita que não passou pelo
Orçamento.”
Dir-se-á: há
números para todos os gostos, que permitem sustentar as teses dos
dois lados. Certo. Mas será tão simples assim? É verdade que cada
um pega nos números que mais lhe interessam, conforme as suas
convicções ideológicas. A esquerda agarra-se ao défice. A direita
atira-se à dívida. Mas este não é um simples jogo de soma zero.
Nos anos pré-crise, todos reconheciam que Portugal precisava de
reformas profundíssimas, em virtude do descalabro demográfico e de
várias décadas de políticas públicas insustentáveis. Ora, a
discussão sobre esta visão de futuro pura e simplesmente
desapareceu, triturada por uma obsessão pelo presente. Muito por
culpa da desastrada estratégia de Passos Coelho, cada mês de vida
deste governo dá direito a bolo e soprar de velas. Por cada número
que supera as expectativas, há fogo de artifício. Costa precisa de
muito pouco para fazer a festa e – má notícia para a direita –
muitos portugueses querem festejar com ele. Daí este clima ridículo
de foguetório na frente interna quando comparado com o absoluto
cepticismo na frente externa. Lição de política que nenhum de nós
deve esquecer: a melhor receita para perpetuar um estado de graça é
viver sob a permanente ameaça de desgraça.
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