Comissária
europeia considera que declarações de Dijsselbloem foram infelizes
Cecilia
Malmström não concorda com declarações, mas salienta o "bom
trabalho" do líder do Eurogrupo.
LUSA 23 de Março de
2017, 14:00
A comissária
europeia do comércio considerou esta quinta-feira, em Lisboa, que
foram infelizes as declarações de Jeroen Dijsselbloem sobre os
países do Sul da Europa, apesar de considerar que o ministro
holandês tem feito um bom trabalho na União Europeia.
"Penso que o
senhor Dijsselbloem está a fazer bom trabalho, penso que foi muito
infeliz por ter dito algo assim porque pode ser mal-entendido, eu
nunca diria algo assim", afirmou Cecilia Malmström aos
jornalistas à saída de uma audição no parlamento português sobre
o acordo de comércio entre a União Europeia e o Canadá.
Questionada sobre se
este tipo de declarações não serve para criar divisões na Europa,
a política sueca preferiu destacar o "bom trabalho" de
Jeroen Dijsselbloem como presidente do Eurogrupo (grupo que reúne os
ministros das Finanças dos países da zona euro).
"Não devemos
olhar só para essas palavras, foi uma coisa estúpida de se dizer",
concluiu a responsável pela pasta do Comércio na Comissão
Europeia.
A polémica em torno
de Jeroen Dijsselbloem surgiu depois de este ter usado uma metáfora
controversa, em declarações na segunda-feira a um diário alemão
sobre o bloco do sul da União Europeia.
"Na crise do
euro, os países do norte da Europa mostraram-se solidários com os
países afetados pela crise. Como social-democrata, atribuo à
solidariedade uma importância extraordinária. No entanto, quem pede
ajuda também tem obrigações. Não se pode gastar o dinheiro em
copos e mulheres e logo depois pedir ajuda", afirmou.
Isto levou a que
várias vozes tenham pedido já demissão de Dijsselbloem do cargo de
presidente do Eurogrupo, incluindo o líder dos Socialistas e
Democratas no Parlamento Europeu, a família política que o ministro
das Finanças holandês integra.
Também o
primeiro-ministro português, António Costa, pediu o afastamento de
Dijsselbloem do cargo, a que se juntaram o Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, que se encontra de visita a Bruxelas, e o
líder do Parlamento Europeu, Antonio Tajani.
Já esta
quarta-feira, Dijsselbloem lamentou que haja quem se tenha sentido
ofendido com as suas declarações, desculpando-se com a cultura
Calvinista holandesa e salientou não ter qualquer intenção de se
demitir.
"Lamento que
alguém se tenha ofendido com o comentário. Foi directo e pode ser
explicado com a cultura de rigor holandesa, a cultura Calvinista",
afirmou, em declarações divulgadas em Bruxelas.
Copos,
mulheres e aldrabices
Nem
Wolfgang Schäuble alguma vez se atreveu a utilizar esta linguagem de
taberneiro numa Europa politicamente extremada.
23 de Março de
2017, 7:02
Gastei muito
dinheiro em bebida,miúdas e carros. O resto desperdicei-o.”
George Best
(1946-2005)
Não foi um latino
do Mediterrâneo que disse a magnífica frase que serve de epígrafe
a este texto. Foi um génio futebolístico nascido em Belfast, George
Best, o jogador com corte de cabelo à Beatle que faz parte da
história do Manchester United. Parece-me, aliás, ridículo que seja
um holandês, como o senhor Dijsselbloem, a criticar os países que
gastam dinheiro “em copos e mulheres”, tendo em conta a excelente
tradição de Amesterdão nessa matéria.
O presidente do
Eurogrupo foi longe demais, e a sua frase é errada de tantas
maneiras – desde logo pelo seu machismo mais labrego – que exigir
a sua demissão é inevitável: pior do que gastar dinheiro em copos
e mulheres é gastar entrevistas a deitar sal na ferida do norte
trabalhador contra o sul mandrião, uma conversa batida que já não
vai a lado algum. Nem como populismo se percebe. O ainda ministro das
Finanças holandês não tem de ganhar eleições – elas acabaram
de acontecer e o grande derrotado foi o seu partido, o socialista
PvdA –, e este género de comentários é totalmente
contraproducente, porque só promove o cavar de trincheiras e a
vitimização dos países do sul.
Dijsselbloem, na
entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine, proferiu três frases
inatacáveis antes de se espalhar ao comprido. “Na crise do euro,
os países do norte da Europa mostraram-se solidários com os países
afetados pela crise” – é verdade. “Como social-democrata,
atribuo à solidariedade uma importância extraordinária” – é
bonito. “No entanto, quem pede ajuda também tem obrigações” –
é óbvio. “Não se pode gastar o dinheiro em copos e mulheres e
logo depois pedir ajuda” – é estúpido. O senhor Dijsselbloem
não é propriamente um amador da política, e nem Wolfgang Schäuble
alguma vez se atreveu a utilizar esta linguagem de taberneiro numa
Europa politicamente extremada.
A prova, aliás, de
que estas declarações idiotas obtêm o efeito contrário ao
pretendido está na imediata reacção do ministro dos Negócios
Estrangeiros português. Augusto Santos Silva sublinhou – e bem –
que se tratou “de uma graçola que usa termos que hoje já não são
concebíveis” e “que não é própria de um ministro das Finanças
europeu”, para depois aproveitar a embalagem da asneira alheia para
expelir e expandir as suas próprias asneiras, esticando-se – e mal
– nas interpretações delirantes dos socialistas portugueses
acerca dos motivos da crise.
A narrativa de
Santos Silva é conhecida, até porque é a mesma de António Costa e
de José Sócrates: “O que se passou com países como Portugal,
Espanha ou Irlanda não foi termos gasto dinheiro a mais” –
convém suster o riso nesta parte. “Nós, como outros países
vulneráveis, sofremos os efeitos negativos da maior crise mundial
desde os tempos da grande depressão” – snif, snif – “e as
consequências de a Europa não estar suficientemente habilitada com
os instrumentos que nos permitissem responder a todos aos choques que
enfrentamos.” Ora cá está. Responsabilidades portuguesas? Um
redondo zero. Responsabilidades europeias? Todas. Como é óbvio,
este discurso é tão obscenamente primário e insultuoso quanto o de
Dijsselbloem. Infelizmente, depois de nos atirarem com os copos e com
as mulheres à cara passa por forma legítima de autodefesa.
Estupidez com estupidez se paga.
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