“Cada
vez mais gente e menos lisboetas.
A
Turistificação desenfreada, a Globalização desmedida e a
Gentrificaçào galopante estão a matar as cidades.
Um
clamor profundo, uma agitação permanente de insatisfação e um
desejo urgente e imperativo de mudança, de regulamentos, de
fiscalização e de liderança por parte dos habitantes, ameaça
traduzir-se em consequências políticas, e faz acordar os autarcas.”
ANTÓNIO
SÉRGIO ROSA DE CARVALHO / “ Os efeitos da Turistificação de
Lisboa “ /
https://www.publico.pt/2016/11/23/local/noticia/os-efeitos-da-turistificacao-de-lisboa-1752237
Tudo
isto é verdade nas principais cidades da Europa, mas Fernando Medina
não o reconhece em Lisboa. Estas situações ainda não fizeram
ainda “acordar o autarca” em Lisboa.
Claramente
ele ainda não sente a pressão das consequências políticas.
OVOODOCORVO
Eu
sei, eu sei, és o lindo Lusitano com quem eu quero ficar
Já
correram Alfama e não há outro espaço igual para onde possam
mudar. O mais provável é deixarem este bairro, mas têm de escolher
o que levar. Há saudade, mas mantém-se a esperança de um dia poder
voltar.
JOÃO PEDRO PINCHA 7
de Março de 2017, 8:51
A bandeira está a
meia haste, como num luto, e as portadas estão fechadas. O Lusitano
Clube ainda mora no número 81 da Rua São João da Praça, a meia
dúzia de passos da Sé, mas a centenária colectividade vai
abandonar a sua sede histórica nos próximos dias.
O velório deste
espaço, onde ainda cheira a uma Lisboa rarefeita, foi na
segunda-feira de Carnaval e teve um padrinho de gabarito. Marante,
cantor romântico com vasta experiência em aldeias portuguesas e
estrangeiras, actuou pela primeira vez na lisboetíssima aldeia de
Alfama, e a sede do Lusitano encheu para o ver cantar.
Durante quase duas
horas – precedidas por um mini-concerto de Gonçalo Gonçalves, “o
cantor romântico abandonado” – Marante trouxe um pedaço de
baile de Verão a uma chuvosa noite de Fevereiro, sarapintada de
foliões carnavalescos. A actuação foi um catálogo completo de
clássicos: o refrão de A Bela Portuguesa deve ter sido ouvido em
todo bairro, Garçon foi pretexto para dançar mais agarradinho. Toda
a gente dançou. Dançou a mulher barbuda a dar uns vagos ares de
Demis Roussos; dançaram os tipos de cabelo oleoso e bigode à
polícia dos Village People; dançaram as strippers (ou pelo menos
assim pareciam).
A desinibição em
pessoa, o artista tirou dezenas de selfies, acolheu sorridente as
sucessivas invasões de palco e não se amedrontou quando o sistema
de som decidiu folgar inesperadamente. Num encore memorável, sob
insistentes gritos da plateia para que cantasse a capella, atirou-se
a Som de Cristal pela segunda vez na noite, enquanto na sala reinava
um quase completíssimo silêncio, quebrado apenas no refrão por um
coro em êxtase: “Ela se cansou/ De dormir sozinha/ Esperando por
mim/ E nessa noite decidiu dar fim/ Na sua longa e maldita espera”.
O fim da festa?
O arrumar da festa é
sempre penoso. Fechadas as portas do clube, é o momento da mudança
que se vem anunciando desde Abril do ano passado, quando o senhorio –
uma empresa de investimentos italiana – comunicou ao Lusitano que
não podia continuar ali. “Neste momento, a nossa preocupação era
arranjar um espaço para arrumar as coisas”, explica João Campos,
membro da direcção do clube.
A sala onde Marante
abrilhantou a noite de Carnaval é o antigo ginásio da instituição,
usado nos últimos tempos para concertos, conferências, aulas
várias, bailaricos. Ainda lá estão os espaldares e os bancos
compridos que atestam o passado desportivo do clube. Na parede está
um espelho imponente – e pesadíssimo, garante João. O piano
vertical encostado lá ao fundo já é peça de museu.
Na outra sala, onde
estão dispostos os troféus de 111 anos de história, há uma mesa
de snooker e outra de bilhar, esta última fora de serviço. E os
pormenores são inúmeros: as placas de mármore que evocam antigas
direcções ou a passagem de gente ilustre; o placard para registar o
resultado dos bilhares; a bandeira do clube, já maltratada,
protegida atrás de uma enorme moldura envidraçada.
“Não vamos poder
levar tudo”, lamenta João Campos, que com a restante estrutura
directiva foi responsável por uma progressiva revitalização do
clube no último ano e meio. “Em pouco menos de três, quatro meses
tínhamos aulas de yoga, lindy hop, kizomba. Tivemos propostas para
aulas de karaté… Há uma procura imensa”, refere.
Os objectos da Rua
São João da Praça vão para um local arrendado junto ao Martim
Moniz, pequeno de mais para tanta história. O Lusitano, esse, fica
em suspenso enquanto não se encontra um sítio adequado ao programa
proposto. “O papel que nós achamos que estas colectividades devem
ter é de cola da comunidade. Isto seria o tipo de espaço em que as
pessoas do bairro podiam fazer actividades, um espaço de convívio e
para fazer desporto”, continua João, que considera que o Lusitano
recente conseguiu fazer isso e ainda acrescentar “uma componente de
oferta cultural”.
Esta ideologia é
para manter, assim apareça sítio que a queira. “Estamos à
procura todos os dias em anúncios, mas as rendas são proibitivas”,
diz o dirigente. No 81 da São João da Praça pagam 270 euros de
renda, mas estão dispostos a ir até aos 1.500. A saída definitiva
de Alfama parece já ponto assente e, brevemente, a instalação do
Lusitano no Beato ou em Xabregas pode tornar-se realidade. A Câmara
Municipal de Lisboa está a ajudar na busca de locais, mas a demora
da solução aflige e desanima.
“A partir de
Setembro deixámos de ter quase actividade”, afirma João Campos,
explicando que, perante a incerteza sobre as instalações, algumas
aulas foram suspensas e o bar tornou-se quase exclusivamente a fonte
de receita do clube. Nesse exíguo espaço, decorado a azulejos
brancos e azuis, foi pendurado recentemente um cartaz: "Adeus,
Alfama".
O Lusitano vai-se
embora deste bairro, talvez um dia volte. Como cantou Marante num dos
pontos altos da noite do adeus: "Um homem trabalha a vida
inteira/ Para um dia regressar/ E no estrangeiro é sempre um
forasteiro/ Com saudades do seu lar".
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