Associação
de Estudantes da FCSH denuncia ameaças da extrema-direita
Associação
afirma ter recebido ameaças de cerca de 40 pessoas ligadas à
extrema-direita.
LUSA 8 de Março de
2017, 23:59
A Associação de
Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da
Universidade Nova de Lisboa denunciou esta quarta-feira, em
comunicado, ameaças de cerca de 40 pessoas ligadas à
extrema-direita.
"Na
terça-feira, a direcção da Associação de Estudantes da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas (AEFCSH) da Universidade Nova de
Lisboa foi invadida por quatro dezenas de indivíduos afectos à
extrema-direita, que se identificaram como tal", refere.
Segundo a
associação, numa atitude "claramente intimidatória", as
pessoas exigiram conhecer individualmente alguns membros da AEFCSH.
"A par desta iniciativa, as fotos de alguns dirigentes
associativos foram publicadas em redes sociais da extrema-direita,
sendo que as 40 pessoas prometeram voltar em maior número às
instalações da AEFCSH", sublinha.
Os estudantes
daquela faculdade decidiram na segunda-feira em Reunião Geral de
Alunos não ceder o auditório à organização Nova Portugalidade
para a realização de uma conferência do politólogo Jaime Nogueira
Pinto sobre Populismo ou Democracia? O Brexit, Tump e Le Pen em
debate. Alegaram que o evento estava "associado a argumentos
colonialistas, racistas, xenófobos".
No comunicado, a
AEFCSH salienta que "nunca procurou impedir a existência de
debate político, nem a presença do professor Jaime Nogueira Pinto
na faculdade". "A direcção da AEFCSH limitou-se a dar
seguimento a uma decisão da Reunião Geral de Alunos que a mandatou
para não ceder o auditório pedido pela organização Nova
Portugalidade. Esta organização tem um perfil salazarista e a
direcção da AEFCSH revê-se na preocupação estudantil à qual
ficou vinculada na Reunião Geral de Alunos", refere.
No comunicado, a
associação explica também que só teve conhecimento da decisão de
anular a realização da conferência pela comunicação social. A
AEFCSH termina a afirmar que "não se deixará intimidar pela
presença e ameaças de nenhum grupo de extrema-direita" e que
"não tem medo do debate livre, que nunca impediu e que
continuará a promover na faculdade, assim como os valores
democráticos pelos quais se rege".
Este caso causou
polémica, a ponto de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de
Sousa, ter pedido esclarecimentos sobre o cancelamento da
conferência, que motivou críticas e levou até a Associação 25 de
Abril a disponibilizar as suas instalações para Nogueira Pinto
fazer a palestra.
PNR convoca protesto
Esta quarta-feira
ficou também a saber-se que o Partido Nacional Renovador (PNR)
convocou para o dia 21 um protesto em frente à Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa "contra o
totalitarismo do pensamento único e pela liberdade de expressão
para todos".
"Ao menos, que
estes casos mediáticos que já afectam João Braga e Jaime Nogueira
Pinto sirvam para despertar mentes e consciências. E que, uma vez
despertas, percebam que só o PNR luta verdadeiramente contra o
totalitarismo do pensamento único", refere o partido na
convocatória divulgada na sua página na Internet.
O fadista João
Braga escreveu na semana passada na sua página do Facebook "Agora
basta ser-se preto ou gay para ganhar Óscares", referindo-se à
cerimónia de entrega de óscares em Hollywood. A afirmação gerou
polémica e levou a associação SOS Racismo a apresentar queixa à
Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial.
Pressão dos
estudantes trava organizadores de conferência com Nogueira Pinto
Associação 25 de
Abril disponível para receber conferência de Nogueira Pinto
cancelada na Nova
Na convocatória, o
PNR salienta que "sempre sentiu na pele a discriminação, o
boicote, a censura e a ameaça por parte dos donos do poder
estabelecido". "Quando alertámos, centenas de vezes, que
esta era a realidade no Portugal do século XXI, a maioria daqueles
que nos ouviam 'sacudia a água do capote' e dizia-nos que era por
sermos 'extremistas', apenas por fazermos a diferença, pensarmos de
modo diferente e dizê-lo sem medo", refere.
Para o PNR, com o
"crescimento nacionalista no Ocidente, a esquerda, que domina o
sistema, que dita as regras e que impõe o marxismo-cultural, começa
a ficar nervosa e a endurecer a luta. É ela quem define os
conceitos, decide quem pode ter voz, o que é certo e errado e
criminaliza quem se lhe opõe".
Vinte
e quatro palermas e um director medroso
À
deserção cívica e ao desprezo pela liberdade de expressão
junta-se a cobardia intelectual. A liberdade na FCSH está a ser
vendida a um preço demasiado baixo.
João Miguel Tavares
9 de Março de 2017,
6:43
Comecemos por
relativizar as coisas: foram 24 estudantes. Não foram 2400, nem 240.
Foram 24. Vinte e quatro tontos que numa RGA na Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas votaram favoravelmente uma moção que exigia o
cancelamento da reserva de sala onde se iria realizar a conferência
de Jaime Nogueira Pinto. Como é que 24 pessoas conseguiram tal coisa
numa faculdade que tem quase cinco mil alunos? Simples: participando
numa RGA onde, pelos vistos, só havia membros da associação de
estudantes e seus amigos. Como a inexistência de quórum não impede
a tomada de decisões, 0,5% dos alunos da FCSH conseguiram
desprestigiar uma faculdade inteira e inaugurar em Portugal a censura
de esquerda nos meios universitários. Primeira lição a tirar deste
caso: a deserção cívica é o primeiro passo para os extremistas
imporem a sua lei.
Segundo lição a
tirar deste caso: a luta pela liberdade de expressão é um dos
combates mais sérios e necessários dos nossos dias. Aquilo que se
está a fazer em nome de uma agenda progressista é promover o
exercício da censura nos espaços que nasceram para estimular o
debate intelectual livre. Ler a acta da RGA que impediu Nogueira
Pinto de falar, o conteúdo da moção que foi aprovada e a
subsequente justificação da associação de estudantes é chocante,
desde logo porque encaixa como uma luva na vergonhosa cultura dos
trigger warnings e atenta contra a mais básica lição de John
Stuart Mill: silenciar uma opinião é roubar a humanidade do seu
mais valioso património, pois se essa opinião estiver certa
perdemos uma oportunidade de corrigir a nossa própria opinião, e se
essa opinião estiver errada perdemos uma oportunidade de denunciar a
sua falsidade.
Numa das primeiras
justificações que apresentou para a sua decisão censória, a
associação de estudantes da FCSH afirmou esta coisa extraordinária:
“Por sermos, efectivamente, uma universidade onde a liberdade de
pensamento e o pensamento crítico são promovidos, não compactuamos
com eventos apresentados como debates sob a égide de propaganda
ideológica dissimulada de cariz inconstitucional.” Que é como
quem diz: promovemos a liberdade de pensamento e de crítica desde
que as pessoas pensem como nós. Ora, estes estudantes, tão
preocupados com o fascismo e com a “inconstitucionalidade” do
grupo que promoveu a conferência de Jaime Nogueira Pinto, está a
decalcar a argumentação inscrita na Constituição fascista de
1933. Também ela garantia “a liberdade de expressão do pensamento
sob qualquer forma”, exceptuando aqueles “factores que
desorientem contra a verdade, a justiça, a moral e o bem comum”. É
por isso que extrema direita e extrema esquerda são duas faces de
uma mesma moeda: uns gostam de Salazar, outros copiam os seus
métodos.
Mas nada disto teria
sido possível sem o lastimável papel do director da FCSH. Receoso
de que o evento pudesse “desviar-se para extremos que não
interessam”, Francisco Caramelo deixou cair a conferência,
prometendo que “chegará o momento em que a instituição, no
quadro de um debate mais alargado, considerará oportuno” voltar a
convidar Jaime Nogueira Pinto. Esta é a terceira lição a tirar do
caso: à deserção cívica e ao desprezo pela liberdade de expressão
junta-se a cobardia intelectual. É uma vergonha ver o director de
uma faculdade portuguesa deixar espezinhar o direito ao debate livre
e ao exercício da palavra para evitar empurrões e insultos. A
liberdade na FCSH está a ser vendida a um preço demasiado baixo.
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