Fernando
Medina opõe-se à aplicação de restrições legais ao alojamento
local
POR O CORVO • 3
MARÇO, 2017 •
O presidente da
Câmara Municipal de Lisboa confessa ser contra a aplicação, neste
momento, de restrições legais à actividade de exploração
comercial do alojamento local em apartamentos. “Defendo a imposição
de regras relacionadas com a qualidade de vida das pessoas que vivem
nesses prédios, mas tenho dúvidas quanto à aplicação de
restrições administrativas importadas de outros países”, afirmou
Fernando Medina, durante a última reunião descentralizada do
executivo camarária, realizada na noite de quarta-feira (1 de
março), durante a qual o assunto foi amplamente debatido. “É
errado atribuir ao alojamento local a parte principal da pressão
sobre os preços que se está a registar na habitação, nas zonas do
centro histórico da cidade”, afirmou ainda. A culpa, diz, é das
taxas de juro baixas, que são um isco para os investidores
imobiliários.
O encontro –
realizado no Palácio da Independência, no Largo de São Domingos, e
destinado a auscultar residentes das freguesias de Misericórdia,
Santa Maria Maior e Santo António – acabou, aliás, por ser
dominado pela discussão em torno da crescente pressão da actividade
turística sobre a qualidade de vida e, em particular, da habitação.
Foram muitas as vozes, de moradores e de autarcas, a queixarem-se do
aparente rumo em sentido único que os bairros do coração da
capital estarão a tomar, numa reunião que terminou à 1 hora da
madrugada. Tanto que, a certa altura, quando um munícipe perguntou
se a ideia prevalecente na autarquia seria a de assumir a
especialização dessa área como distrito turístico, Medina deu
início a uma longa digressão retórica, em tom justificativo. “A
especialização de uma zona só na função turística ditará o fim
dessa zona enquanto fonte de atracção turística. Isso é claro”,
afirmou.
O autarca socialista
reconheceu a complexidade do cenário, admitindo a necessidade de
serem encontrados “instrumentos” para lidar com a nova realidade,
mas sempre foi avisando que “não existem medidas neutrais” e
“que não tenham outros impactos”. “Esta situação está a
evoluir rapidamente. Há aqui uma realidade muito particular, de um
conjunto muito reduzido de freguesias onde o fenómeno da intensidade
turística é muito superior à restante”, afirmou, antes de
avançar para uma explicação do que considera serem as principais
causas do actual fenómeno turístico, com consequências bem
dramáticas no mercado de arrendamento para habitação de longa
duração – as quais, diz, “não resultam, em primeiro lugar, do
fenómeno da dimensão do turismo”.
Para o presidente da
câmara, a pressão na procura de apartamentos “resulta de uma
situação prolongada de taxas de juro muito baixas e de afluxos de
investimento para aquisição de casa própria, seja por estrangeiros
ou por nacionais”. Diagnóstico que leva Fernando Medina a pedir
“prudência em fazer analogias com os casos de outros países e com
as medidas dos outros países, com realidades muito diferentes”, os
quais impuseram fortes restrições legais à exploração com fins
turísticos de casas particulares – como sucedeu em cidades como
Berlim, Nova Iorque ou Barcelona.
“Todas as questões
relacionadas com o alojamento local têm por trás uma questão clara
de distribuição de rendimentos. Há países onde as medidas
restritivas foram adoptadas por pressão da indústria hoteleira,
porque, no fundo, a restrição do alojamento local significa a
limitação da oferta de camas”, afirmou. Algo que, sugeriu, não
faria sentido aplicar na capital portuguesa, por possuir
características muito particulares.
“Mais de 70% da
oferta do alojamento local de Lisboa corresponde a unidades isoladas
em prédios. Isto significa que a parte mais importante da oferta de
alojamento local da cidade não é uma oferta organizada por
proprietários de prédios inteiros, mas que é assegurada por
particulares, que têm as suas casas colocadas no mercado. Ora, isto
tem um efeito do ponto de vista económico, social e das condições
de vida de muitas pessoas nesta cidade”, considerou, admitindo que
“é precisamente neste prédios que se dão os maiores conflitos
com a qualidade de vida dos residentes”.
“Num edifício
onde haja um ou dois apartamentos dedicados ao alojamento local e, em
simultâneo, haja quatro ou seis de residentes permanentes, a entrada
contínua de pessoas causa mais críticas e problemas do que num
edifício inteiramente dedicado” a esta actividade, disse. Por
isso, Fernando Medina prefere que se criem formas de atacar os
problemas relacionados com a qualidade de vida dos residentes, e não
se proceda a um ataque cego à actividade do alojamento local.
O autarca
confessou-se sensível aos argumentos de quem se queixa “do entra e
sai permanente dos prédios, ao barulho e ao lixo”, questões que,
entende, devem ser imputadas directamente aos donos dos prédios. “Os
proprietários não podem, pura e simplesmente,
desresponsabilizar-se, argumentarem que põem o seu prédio numa
plataforma ou o entregam a um intermediário e dizerem que não
querem saber o que lá vai acontecer. Acho até que têm de ter uma
responsabilidade acrescida”, afirmou. Uma das formas de o fazer,
avançou, seria terem um “contributo adicional” para os
condomínios, “por ser evidente que as despesas e encargos causados
nos prédios são claramente superiores aos dos um utilizador
permanente”.
Se Fernando Medina
garante estar decidido em tomar medidas neste campo, já a colocação
de um freio legal na actividade da exploração do alojamento local
encontra nele uma expressão bem menos entusiástica. “Temos de ter
muita prudência em querer mimetizar esses casos, porque eles se
aplicam a realidades que são muito diferentes da nossa”,
aconselhou, referindo que as restrições ao alojamento local iriam
ter como consequência principal afectar os níveis de vida das
muitas famílias que vivem desta actividade. “Se apertarmos muito,
estaremos a tirar rendimento a essas pessoas e a atribuí-lo a outros
– e, em particular, aos que têm uma actividade mais profissional”,
explicou.
Texto: Samuel Alemão
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