Cinco
cenários à procura do futuro
Juncker
desafiou os Estados-membros a aceitar um debate sobre o futuro da
União Europeia que não esteja refém das respectivas agendas
políticas. Resta saber se terá sucesso.
Teresa de Sousa
TERESA DE SOUSA 2 de
Março de 2017, 0:46
Jean-Claude Juncker
apresentou ontem no Parlamento o Livro Branco da Comissão sobre o
futuro da Europa. Não foi exactamente aquilo que se esperava
inicialmente: um documento com uma visão do futuro, no momento em
que a Europa tem de enfrentar o Brexit, uma situação internacional
em mutação rápida e um novo ocupante da Casa Branca que a deixa
entregue a si própria. Era este o desafio inicial para completar a
Declaração que os líderes europeus devem subscrever no dia 25 em
Roma na celebração dos 60 anos da integração europeia. As
profundas divisões entre os governos europeus e na própria Comissão
obrigaram-no a um exercício completamente diferente: apresentar
cinco cenários possíveis para o futuro da Europa até 2025, na
tentativa de lançar um debate entre os europeus e colocar os
governos perante as suas próprias responsabilidades. Juncker
acusa-os de se esconderem por trás da Comissão, responsabilizando-a
por aquilo que não corre bem. Ontem, aproveitou o seu discurso no PE
para voltar a afirmá-lo claramente: “O futuro da Europa não pode
ficar refém de eleições, políticas partidárias ou gritos de
triunfo dirigidos às suas opiniões públicas nacionais.”
Os cinco cenários
partem de uma análise bastante sombria dos desafios que a Europa
enfrenta. Desde a emergência de novos pólos de poder, ao risco do
proteccionismo americano de uma Administração que abandonou os
grandes pilares da sua política externa, passando pelos múltiplos
conflitos que desestabilizam as suas fronteiras, ao terrorismo, à
vaga incontrolável da imigração, ao seu lugar no mundo, activo ou
meramente reactivo. O contraste entre a realidade descrita e a
modéstia do exercício não podia ser maior. “São caminhos e as
consequências desses caminhos”, justifica o comissário português,
Carlos Moedas.
As várias
velocidades
“A ideia mais
forte que transparece do Livro Branco é a das várias velocidades”,
disse ao Público o antigo comissário António Vitorino. Juncker já
a tinha defendido publicamente, mesmo que não mereça total consenso
dentro da própria Comissão. A formulação da proposta (cenário 3)
refere alguns dos seus inconvenientes: a criação de cidadãos de
primeira e de segunda ou a dificuldade em fazer avançar reformas tão
importantes como a da zona euro. A ideia vai ao encontro da última
iniciativa conjunta de Berlim e Paris. Ontem, os chefes da Diplomacia
dos dois países, Sigmar Gabriel e Jean-Marc Ayrault, saudaram a
iniciativa, insistindo na ideia de uma Europa mais flexível, capaz
de integrar diferentes graus de ambição. O segundo objectivo de
Juncker é devolver à Comissão um novo “folego”, numa altura em
que, como o próprio presidente da Comissão reconhece, os governos
se preocupam mais com as suas agendas internas (sobretudo aqueles que
têm mais poder e que vão enfrentar eleições) do que com a
necessidade de unir os 27 e olhar para o futuro. Ontem, o presidente
da Comissão reafirmou que não tenciona cumprir outro mandato, mas
acrescentou que não está nem cansado nem com falta de ideias para
completar o actual.
As reacções ao
Livro Branco foram audíveis logo a seguir ao seu discurso, revelando
a influência de cada grupo político na sua elaboração. O PPE
congratulou-se com o exercício e considerou que a prudência que ele
revela é aconselhável quando o eurocepticismo está em marcha em
quase todos os países. Sem tomar partido por nenhum deles, o
eurodepuatado que falou em nome do PPE, o espanhol Esteban Gonxales
Pons, disse que a Europa precisa de “alinhar as expectativas com a
realidade” e criticou os Governos por criarem ilusões que depois
não cumprem. “Este é um jogo errado e perigoso e o Brexit é uma
das suas consequências”. Juncker é membro do PPE. O seu chefe de
Gabinete, que participou activamente na elaboração do Livro Branco,
é um alemão muito próximo de Wolfgang Schauble. Já Gianni
Pittella, líder do grupo socialista, foi muito mais crítico,
dizendo que esperava da Comissão uma proposta ambiciosa e não um
menu à escolha, considerando-o um “claro erro político”. O
eurodeputado italiano acrescentou ainda que o único cenário que
serve a Europa é o último, de maior integração nos domínios
essenciais e acusou Juncker de fazer o jogo dos que “querem
enfraquecer a Europa ou mesmo acabar com ela.” O Governo português
tem uma posição distinta. O chefe da diplomacia disse ao Público
que, se a Comissão assumisse uma escolha, transformaria o Livro
Branco numa “proposta fracturante” (ver texto ao lado), que
enviesaria o debate. António Costa manifestou-se no Twitter,
saudando a iniciativa como “um bom início para um debate
indispensável.” O Presidente fez exactamente o mesmo.
Portugal
não tem problema com três dos cenários do Livro Branco
Governo
rejeita dois dos cinco cenário apresentados pela Comissão Europeia.
Teresa de Sousa
TERESA DE SOUSA 2 de
Março de 2017, 0:44
O Governo português
vê com bons olhos o Livro Branco apresentado ontem pelo presidente
da Comissão, com cinco cenários para o futuro da Europa que passa a
ser a 27. “Pensamos que é um instrumento muito útil”, disse ao
PÚBLICO o chefe da diplomacia portuguesa. “Até pela sua natureza
concisa”, que permite a toda a gente perceber bem as diferenças
entre cada um deles. Augusto Santos Silva acrescentou que o exercício
ainda não está completo, lembrando que a Comissão vai preparar
cinco documentos com uma estratégia para os principais domínios da
integração domínios da integração. “Para nós, essas políticas
passam pela UEM, pelo financiamento da União Europeia como tal e
pelo financiamento da zona euro”.
Augusto Santos Silva
esclarece que há dois cenários que chocam com o interesse nacional,
partilhado pelos dois grandes partidos, o 2 e o 4. O primeiro, que
reduz a Europa ao Mercado Interno, “não permite completar a UEM, e
afasta avanços nas políticas social e fiscal, podendo destruir as
políticas de coesão e de convergência”. Quanto ao n.º 4, fazer
menos com mais, é afastado pelo ministro porque “corresponde a uma
tendência que já é visível, segundo a qual temos de avançar na
segurança, defesa e política externa, abandonando as políticas de
emprego, fiscal, social e regional”. Esta corrente “quer avançar
nos domínios da soberania e na política comercial, mas não na
coesão, na convergência e no emprego”.
Em contrapartida,
não há nada nos cenários 1, 3 e 5 que belisque o interesse
nacional. “O óptimo seria o 5” que prevê a conclusão da UEM, e
a ideia cara ao Governo e ao PSD de dotar a união monetária de "uma
capacidade financeira, fundamental”. É aquele que conforta “a
posição do Governo de avançar paralelamente com a UEM e com a
defesa”. O cenário 1, é um cenário “por defeito”, ou seja,
permite avançar gradualmente na agenda europeia, adaptando-a àquilo
que for surgindo. Finalmente, o cenário 3, da Europa a várias
velocidades. “Não nos opomos à ideia, mas opomo-nos a que ela se
aplique à zona euro”, diz o ministro, tal como não aceitamos a
ideia de criar um núcleo central com os países fundadores. Quanto à
defesa, o ministro considera que ela “não se reduz à
contabilização do gasto público com os militares” mas a outros
vectores igualmente importantes. Santos Silva lembra também que, nas
actuais condições de aperto orçamental, é difícil cumprir as
metas da NATO (2 por cento para os orçamentos da defesa), mesmo
encontrando-se Portugal numa posição honrosa do meio da tabela.
Quanto à Declaração
de Roma, longe ainda de estar concluída, Portugal entende que haja
uma primeira parte apenas dedicada aos valores da União Europeia,
numa altura em que estão a ser postos em causa, mas defende que deve
integrar, numa segunda parte, os caminhos de futuro para três áreas
fundamentais: economia, segurança e migrações.
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