quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Vitorino: comendador, comentador e facilitador



OPINIÃO
Vitorino: comendador, comentador e facilitador

Há um padrão que se repete em Portugal: grandes advogados que foram grandes políticos que são grandes comentadores metidos em grandes negócios. Tudo à grande – excepto a ética.

JOÃO MIGUEL TAVARES
6 de Fevereiro de 2020, 6:10

Há dias Nuno Garoupa escreveu um post cristalino no seu Facebook: “Obviamente que em qualquer país do mundo há facilitadores que pressionam para favorecer o privado contra o Estado, facilitadores que pressionam para favorecer o Estado contra o privado e facilitadores que andam pela comunicação social. A originalidade portuguesa é o três em um – de manhã defendem o privado contra o Estado, à tarde defendem o Estado contra o privado e à noitinha ainda sobra tempo para dar umas aulas de ética ao país num espaço televisivo sem contraditório. Orgulho!”

Não sei se Nuno Garoupa estava a pensar em António Vitorino quando escreveu aquilo, até porque a descrição encaixa em várias pessoas (o que só torna o fenómeno mais bizarro), mas, tenha pensado ou não, o texto assenta-lhe como uma luva. Temos em Portugal uma vasta trupe de senadores do regime que se desdobram nos mais variados papéis, com a agravante de os seus nomes terem uma certa tendência para aparecer em casos mal explicados. Na numerosa classe dos comendadores-comentadores-facilitadores, a fava mais recente calhou a António Vitorino.

A justiça espanhola anda a investigar um caso de corrupção e branqueamento de capitais envolvendo a petrolífera estatal venezuelana PDVSA. Segundo o El Mundo, o ex-embaixador de Espanha na Venezuela, durante o governo socialista de Zapatero, Raúl Morodo, e o seu filho, Alejo Morodo, são suspeitos de desviarem fundos da PDVSA com contratos fictícios de assessoria, “carentes de toda a justificação real e lógica”, num total de 35 milhões de euros. Uma empresa de Vitorino e da sua mulher é referida como fazendo parte do esquema de circulação dos fundos.

Quando a primeira notícia surgiu, há cerca de 20 dias, António Vitorino disse: “É absolutamente falso qualquer envolvimento com empresas venezuelanas, incluindo a PDVSA, ou que me tenha apropriado de 35 milhões de euros.” Tudo isto é, ao mesmo tempo, totalmente verdadeiro e totalmente ao lado. 1) Não está em causa Vitorino ter ficado com 35 milhões de euros – a justiça espanhola apenas suspeita que ele tenha sido pago para facilitar a circulação do dinheiro, que andou a saltar por contas bancárias da Suíça e do Panamá até chegar a Espanha. 2) Também não está em causa o seu envolvimento com empresas venezuelanas – os pagamentos a Vitorino foram feitos por empresas de Raúl e Alejo Morodo, e justificados como “serviços profissionais de consultoria em relações internacionais e assuntos europeus”, não através da PDVSA ou de empresas venezuelanas. Segundo a Unidade de Delinquência Económica e Fiscal de Espanha, é ainda possível que tais pagamentos estejam relacionados com um acordo assinado entre Sócrates e Chávez, para a construção, através da Galp, de quatro parques eólicos na Venezuela.

Os detalhes do caso ainda não são todos conhecidos, mas há um padrão que se repete em Portugal: grandes advogados que foram grandes políticos que são grandes comentadores metidos em grandes negócios. Tudo à grande – excepto a ética. E concluo com a clássica carejinha em cima do bolo: Raúl Morodo foi também embaixador de Espanha em Portugal, nos anos 90, e o seu filho Alejo casou com… Catarina Dias Loureiro, filha de Dias Loureiro. Dias Loureiro e António Vitorino formaram a dupla que em 2008 apresentou o livro de Sócrates O Menino de Ouro do PS. Alejo e Catarina estão desde o ano passado a braços com a justiça espanhola. É ou não é um magnífico argumento para uma telenovela luso-venezuelana?

Sem comentários: