OPINIÃO
Vitorino: comendador, comentador e facilitador
Há um padrão que
se repete em Portugal: grandes advogados que foram grandes políticos que são
grandes comentadores metidos em grandes negócios. Tudo à grande – excepto a
ética.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
6 de Fevereiro de
2020, 6:10
Há dias Nuno
Garoupa escreveu um post cristalino no seu Facebook: “Obviamente que em
qualquer país do mundo há facilitadores que pressionam para favorecer o privado
contra o Estado, facilitadores que pressionam para favorecer o Estado contra o
privado e facilitadores que andam pela comunicação social. A originalidade
portuguesa é o três em um – de manhã defendem o privado contra o Estado, à
tarde defendem o Estado contra o privado e à noitinha ainda sobra tempo para dar
umas aulas de ética ao país num espaço televisivo sem contraditório. Orgulho!”
Não sei se Nuno
Garoupa estava a pensar em António Vitorino quando escreveu aquilo, até porque
a descrição encaixa em várias pessoas (o que só torna o fenómeno mais bizarro),
mas, tenha pensado ou não, o texto assenta-lhe como uma luva. Temos em Portugal
uma vasta trupe de senadores do regime que se desdobram nos mais variados
papéis, com a agravante de os seus nomes terem uma certa tendência para
aparecer em casos mal explicados. Na numerosa classe dos
comendadores-comentadores-facilitadores, a fava mais recente calhou a António
Vitorino.
A justiça
espanhola anda a investigar um caso de corrupção e branqueamento de capitais
envolvendo a petrolífera estatal venezuelana PDVSA. Segundo o El Mundo, o
ex-embaixador de Espanha na Venezuela, durante o governo socialista de
Zapatero, Raúl Morodo, e o seu filho, Alejo Morodo, são suspeitos de desviarem
fundos da PDVSA com contratos fictícios de assessoria, “carentes de toda a
justificação real e lógica”, num total de 35 milhões de euros. Uma empresa de
Vitorino e da sua mulher é referida como fazendo parte do esquema de circulação
dos fundos.
Quando a primeira
notícia surgiu, há cerca de 20 dias, António Vitorino disse: “É absolutamente
falso qualquer envolvimento com empresas venezuelanas, incluindo a PDVSA, ou
que me tenha apropriado de 35 milhões de euros.” Tudo isto é, ao mesmo tempo,
totalmente verdadeiro e totalmente ao lado. 1) Não está em causa Vitorino ter
ficado com 35 milhões de euros – a justiça espanhola apenas suspeita que ele
tenha sido pago para facilitar a circulação do dinheiro, que andou a saltar por
contas bancárias da Suíça e do Panamá até chegar a Espanha. 2) Também não está
em causa o seu envolvimento com empresas venezuelanas – os pagamentos a
Vitorino foram feitos por empresas de Raúl e Alejo Morodo, e justificados como
“serviços profissionais de consultoria em relações internacionais e assuntos
europeus”, não através da PDVSA ou de empresas venezuelanas. Segundo a Unidade
de Delinquência Económica e Fiscal de Espanha, é ainda possível que tais
pagamentos estejam relacionados com um acordo assinado entre Sócrates e Chávez,
para a construção, através da Galp, de quatro parques eólicos na Venezuela.
Os detalhes do
caso ainda não são todos conhecidos, mas há um padrão que se repete em
Portugal: grandes advogados que foram grandes políticos que são grandes
comentadores metidos em grandes negócios. Tudo à grande – excepto a ética. E
concluo com a clássica carejinha em cima do bolo: Raúl Morodo foi também
embaixador de Espanha em Portugal, nos anos 90, e o seu filho Alejo casou com…
Catarina Dias Loureiro, filha de Dias Loureiro. Dias Loureiro e António
Vitorino formaram a dupla que em 2008 apresentou o livro de Sócrates O Menino
de Ouro do PS. Alejo e Catarina estão desde o ano passado a braços com a
justiça espanhola. É ou não é um magnífico argumento para uma telenovela
luso-venezuelana?
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