Decisão sobre
Heathrow exige reflexão nacional sobre Montijo, defende a Zero
Tribunal
britânico considerou ilegal a construção de uma terceira pista no maior
aeroporto londrino, por não terem sido devidamente avaliados os impactes que
possam pôr em causa as metas do Acordo de Paris, subscrito pelo país. Essa
avaliação também não foi devidamente feita no caso do futuro Aeroporto do
Montijo, garante a associação ambientalista Zero.
Patrícia Carvalho
Patrícia Carvalho
27 de Fevereiro de 2020, 16:53
A associação
ambientalista Zero defende que a decisão de um tribunal britânico de considerar
ilegal a construção de uma terceira pista no aeroporto de Heathrow, na área de
Londres, por a avaliação do Governo que permitiu dar luz verde à obra não ter
tido em conta as metas do Acordo de Paris, subscrito pelo país, é “um marco e um
precedente que deve exigir do Governo português e dos diferentes partidos uma
reflexão sobre a decisão de construção do novo aeroporto do Montijo”. As
emissões de dióxido de carbono (CO2) associadas ao novo aeroporto, pelas contas
da Zero, ascendem a 700 mil toneladas por ano, a partir de 2022.
A decisão foi
tomada além-fronteiras, mas por cá, as associações que têm contestado a
transformação da base aérea n.º 6, no Montijo, no novo aeroporto civil de apoio
à capital do país, vêem-na como mais um dado que reforça os seus argumentos.
Isso mesmo diz Joaquim Teodósio, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
(SPEA). “Esta decisão deveria levar a que a questão das emissões fosse
devidamente analisada. Apesar de não ser a área que nós dominamos, o que nos
parece, pelas várias entidades que reflectiram isso nos seus pareceres durante
a consulta pública do estudo de impacte ambiental (EIA) é que os dados
apresentados eram claramente subestimados. Esta decisão é mais um argumento que
reforça a necessidade de haver mais fundamentação do que a que foi apresentada
no EIA”, diz.
Num comunicado
enviado às redacções, a Zero defende que o capítulo do EIA do Montijo sobre as
emissões de gases com efeito de estufa que a estrutura irá criar deveria ser um
dos “mais fundamentais”, mas que a realidade foi diferente. O capítulo era,
afinal, “curto”, segundo a avaliação dos ambientalistas, e pouco fiável. “Não
se compreende como foi considerado conforme face aos erros”, diz mesmo a Zero,
lembrando ainda que deveria ter sido avaliada a conformidade da construção do
aeroporto com as linhas traçadas no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050,
que procura colocar o país no caminho para cumprir as metas do Acordo de Paris.
A Zero diz que o EIA
não só dá “incorrectamente mais relevância às emissões do transporte rodoviário
e fluvial do que ao transporte aéreo”, como “falhou de forma inadmissível ao
não efectuar um cálculo aproximado do impacte das viagens de avião no clima”.
Recorrendo à calculadora
da Agência Portuguesa do Ambiente para o inventário de emissões da aviação, a
Zero concluiu que em 2022, havendo os 46 mil movimentos previstos para o
Aeroporto do Montijo, serão emitidas 667 toneladas de CO2 por ano. Considerando
os movimentos previstos para 2062 (85 mil), e uma melhoria de eficiência dos
aviões em dez por cento, o valor subiria para 1,1 milhões de toneladas por ano,
acrescenta a associação. Valores que não estão reflectidos no EIA porque, de
acordo com a Zero, apenas foram consideradas as operações de circulação em
pista, descolagem e aterragem e porque o modelo de cálculo utilizado “está já
desactualizado” e “não é o padrão para os cálculos de inventário usado na
Europa”.
Joaquim Teodósio
acrescenta que também não é crível o argumento de que os aviões nas próximas
décadas se tornarão mais eficientes e que, por isso, as emissões geradas pela
sua actividade serão menores. “Os aviões que estarão a ser usados daqui a 20 ou
30 anos são os que estão a ser comprados agora e que têm um plano de utilização
de décadas”, disse.
Decisão inédita
A expansão do
aeroporto de Heathrow, o maior da área de Londres, foi travada por um tribunal
britânico, que esta quinta-feira considerou ilegal a construção de uma terceira
pista no local, por não terem sido considerados devidamente os compromissos do
Governo no cumprimento das metas do Acordo de Paris. Segundo o diário britânico
The Guardian é a primeira vez que este acordo, que procura manter a temperatura
do planeta bem abaixo dos 2 graus Celsius e, se possível, apenas 1,5 graus
Celsius acima dos níveis pré-industriais, serve como base para uma decisão
judicial com este impacto.
A decisão surgiu
depois de terem sido interpostas várias acções em tribunal contra a expansão
daquele que é já um dos mais movimentados aeroportos do mundo, com cerca de 80
milhões de passageiros por ano. O Governo de Boris Johnson já anunciou que não
vai recorrer da decisão, mas o mesmo não fez o próprio aeroporto, que prometeu
avançar para o Supremo Tribunal na tentativa de reverter a actual decisão.
Apesar dos vários
argumentos apresentados pelos peticionários que avançaram para tribunal – e que
viram as suas acções recusadas na primeira instância, antes de recorrerem para
o equivalente britânico ao Tribunal da Relação – a decisão desta quinta-feira
apenas aceitou o argumento referente ao Acordo de Paris.
Por cá, o
Aeroporto do Montijo tem sido muito contestado e o protesto ultrapassou
fronteiras, chegando aos Países Baixos, onde uma petição contra o futuro
aeroporto nacional já recolheu 30 mil assinaturas. Em causa está o futuro do
maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa), a ave nacional holandesa, que tem no
estuário do Tejo um importante ponto na sua migração.
O futuro da
estrutura ainda está envolto em indefinição, uma vez que a obra pode ser
travada pelas autarquias afectadas pelo novo aeroporto, caso não dêem aval ao
avanço da obra. Por causa disto, o Governo de António Costa já avançou com a
intenção de alterar a lei que permite o veto autárquico, mas, sem maioria no
Parlamento, necessita, pelo menos, da abstenção do PSD, e este já deu sinais
que não estará disponível para a alteração legislativa desejada pelo ministro
das Infra-Estruturas, Pedro Nuno Santos.
tp.ocilbup@ohlavrac.aicirtap
PERGUNTAS E
RESPOSTAS
A lei que está a
bloquear o Montijo
Decreto-lei foi
elaborado pelo governo socialista de José Sócrates para colocar um ponto de
ordem na “proliferação por todo o país das mais diversas infra-estruturas
aeroportuárias”.
Luís Villalobos
Luís Villalobos
27 de Fevereiro de 2020, 19:54
Que lei está em
causa no aeroporto do Montijo?
Em 2007, o
Governo PS, liderado por José Sócrates, publicou um decreto-lei (n.º 186/2007,
de 10 de Maio) assinado por vários ministros e secretários de Estado, como
Paulo Campos, responsável pelas obras públicas, cujo objectivo era disciplinar
“a construção, ampliação ou modificação e a certificação e exploração das
infra-estruturas aeroportuárias”.
Isto porque,
dizia o Governo, se tinha verificado “a proliferação por todo o país das mais
diversas infra-estruturas aeroportuárias”. Em 2010, e ainda pela mão do PS, a
lei foi alterada para “simplificar procedimentos” (Decreto-lei n.º 55/2010, de
31 de Maio).
Passados 13 anos
da sua génese, e sem que se conseguisse prever na altura, esse diploma está
agora no centro do impasse que se verifica na construção do aeroporto do
Montijo, e no meio de um debate político.
O que está em
falta?
Basicamente,
falta ter o acordo de todos os municípios directamente envolvidos na questão do
Montijo, com o da Moita e o do Seixal – ambos presididos por autarcas do PCP –
a assumirem-se contra o projecto.
Na Declaração de
Impacte Ambiental (DIA) que incide sobre o novo aeroporto, o regulador da
aviação civil, a ANAC, sublinhou que, “em matéria de licenciamento”, a ANA
(empresa do grupo francês Vinci que gere os aeroportos) ainda não tinha “dado
cumprimento ao definido na legislação aplicável”.
A questão
prende-se com o artigo 5 da lei, sobre a “apreciação prévia de viabilidade”
ligada a uma “construção, ampliação ou modificação” numa infra-estrutura
aeroportuária. É necessário, diz a lei no ponto dois do artigo, um requerimento
apresentado pelo proponente (no caso, a ANA), que inclua sete elementos, um dos
quais é o “parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos
potencialmente afectados, quer por superfícies de desobstrução [do espaço
aéreo], quer por razões ambientais”.
Os dois
municípios que se pronunciam contra o Montijo fazem-no ao abrigo das razões
ambientais, com destaque para a Moita, faltando saber se haverá depois outros
ao abrigo das razões ligadas às superfícies de desobstrução – a definir,
segundo se percebe, pela ANAC.
A lei é bem
explícita quando diz, no ponto três, que da falta do parecer favorável “de
todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afectados” resulta um
“indeferimento liminar”, ou seja, a recusa do requerimento por parte do
regulador.
Rio recusa dar a
mão ao Governo para alterar lei à medida do aeroporto no Montijo
Rio recusa dar a
mão ao Governo para alterar lei à medida do aeroporto no Montijo
De acordo com a
notícia da TSF, a ANA já tinha afirmado à Agência Portuguesa do Ambiente (APA)
que a certificação do Montijo iria seguir os requisitos legais aplicáveis e
que, sendo o novo aeroporto “um projecto de natureza e dimensão sem precedentes
em Portugal”, estava em análise a necessidade de criar um enquadramento
regulatório específico.
E se não houver
consenso? O que pode fazer o Governo?
Na falta de
consenso com as autarquias em causa – o que pode ainda acontecer –, a questão
pode ser resolvida com a alteração do diploma, tal como o ministro das
Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, já defendeu que devia ser feito (“é
absolutamente incompreensível que fosse o presidente da Câmara da Moita a
negar” a construção do novo aeroporto, afirmou).
Sendo um
decreto-lei o tema resolve-se em Conselho de Ministros, mas um partido, com o
PCP na dianteira, pode pedir a apreciação parlamentar do diploma. Aqui, o
Governo precisaria do apoio do PSD, nem que seja através da abstenção. Isto se
o assunto for pacífico dentro do próprio PS.
Há, depois, uma
questão: no último ponto do artigo 5 da lei em causa refere-se que “da decisão
do INAC cabe recurso tutelar para o membro do Governo responsável pelo sector
da aviação civil”.
Ora, numa leitura
imediata isso quererá dizer que um requerimento indeferido pelo regulador
poderia, se o requerente quisesse recorrer da decisão, acabar nas mãos do
ministro. Acontece é que a lei foi revista pela última vez em 2010, e em 2014 o
então Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) passou a Autoridade Nacional
da Aviação Civil (ANAC).
A alteração não
foi só de nome, já que implicou a adaptação ao regime estabelecido na
lei-quadro das entidades reguladoras, com mais autonomia e poderes de
supervisão.
Diz esta lei-quadro
que “as entidades reguladoras são independentes no exercício das suas funções e
não se encontram sujeitas a superintendência ou tutela governamental”. Nem a
ANAC nem o ministério responderam ao PÚBLICO, mas de acordo com as informações
recolhidas dificilmente este poder específico de decisão poderia ser hoje
utilizado pelo Governo. A ANA afirmou apenas que “não tem nada a acrescentar às
declarações já feitas anteriormente”.
tp.ocilbup@sobolalliv.siul
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