OPINIÃO
Aeroporto do Montijo
– uma opção de futuro? Não!
Perante a
estratégica importância do aeroporto para a economia nacional, seria
inconsciência não promover o esclarecimento total e definitivo das questões que
assolam as mentes dos responsáveis pela decisão.
29 de Fevereiro
de 2020, 6:00
Num artigo
publicado em 18 de fevereiro, o secretário de Estado adjunto e das
Comunicações, além de discorrer sobre a estupidez dos pássaros, referiu-se ao
que designou por “Grupo de Alverca”, para dizer que os engenheiros pretendiam
aterrar o rio Tejo para construir a nova pista do aeroporto. Ora, esta questão
nunca figurou na nossa proposta e é por demais abstrusa e estrambólica. Basta
ver tudo o que publicámos sobre o aeroporto em Alverca para se constatar a
irracionalidade da afirmação.
A necessidade
urgente de resolver a insuficiente capacidade do aeroporto da Portela (Humberto
Delgado) e o problema do ruído excessivo e dos riscos sobre a população de
Lisboa e de Loures, sobrevoada diariamente por mais de 600 voos, motivaram que,
por imperativo ético de cidadania, desenvolvêssemos pro bono uma solução
conforme aos interesses nacionais. Esta solução é alternativa à proposta
atamancada da Vinci, que não satisfaz as condições mínimas do Contrato de
Concessão assinado em 2012. Infelizmente, a solução que desenvolvemos é
vilipendiada por quem, evocando elevados padrões de ética, tinha a obrigação de
se informar antes de propalar dislates sem fundamento que distorcem a realidade
dos factos.
A solução que
desenvolvemos consiste em construir uma terceira pista do aeroporto da Portela
(mantendo as duas existentes) no que resta do Mouchão da Póvoa de Santa Iria,
localizado junto à margem direita do rio Tejo, junto do aeroporto de Alverca. O
mouchão está atualmente inundado por água salgada, desde a destruição parcial
do dique marginal de proteção no início de 2016, e foi sujeito até aos dias de
hoje à erosão provocada pelas correntes fluviais e das marés que arrastaram
para o exterior grande parte dos terrenos, maioritariamente areias (e não
lodos), que constituem o próprio mouchão.
Os quatro anos já
passados sem que a reparação do dique tenha sido realizada pelas entidades
responsáveis tiveram como consequência a irremediável alteração dos usos e do
habitat deste mouchão. E, a prazo, a própria hidrodinâmica do estuário encarregar-se-á
de alterar a configuração do mouchão, mantendo-se a ausência de intervenção
humana.
É no agora
degradado mouchão que se propõe a instalação da nova pista com orientação
paralela à pista principal (03-21) da Portela. Esta seria construída à cota
6,00 m (relativamente ao zero topográfico), com folga acima da máxima cheia do
Tejo conjugada com o nível de preia-mar de águas vivas acrescido da subida do
nível médio do mar devido às alterações climáticas até 2100. A utilização
proposta, com as vantagens económicas evidentes, terá ainda a contrapartida
ambiental de melhorar a saúde e o bem-estar de cerca de 300.000 habitantes de
Lisboa e Loures por desviar mais de sete milhões de voos (incluindo todo o
longo-curso) durante a vida da concessão, até 2062, além de reduzir os riscos
de acidente sobre áreas densamente povoadas. Os movimentos de aproximação à
pista e de descolagem realizam-se sobre o rio Tejo, não afetando as populações
de Lisboa e dos concelhos de Loures e de Vila Franca de Xira, afastadas do cone
de ruído. Esta solução, apresentada às autoridades em 2018, não foi avaliada
pelas entidades oficiais.
Acresce que o
desvio dos voos da cidade de Lisboa tornará a cidade mais aprazível também para
os milhões de turistas que nos visitam, fortemente penalizados pelo ruído dos
aviões, incómodo que já foi resolvido na maior parte das cidades onde residem
habitualmente e onde os aeroportos citadinos foram mantidos, mas com tráfego
reduzido e sem voos noturnos, ou foram afastados. Atualmente, não existe na
Europa um único hub localizado dentro da cidade ou que tenha uma só pista, como
proposto pela Vinci para o aeroporto da Portela com capacidade expandida.
Com o espaçamento
de 4500 m, o par de pistas paralelas Alverca-Portela será dos melhores a nível
europeu e mundial
Admitimos que
algumas dúvidas que têm sido divulgadas resultem do desconhecimento, ou da
desinformação, sobre o afastamento lateral mínimo entre pistas paralelas com
operação independente, num mesmo aeroporto ou em aeroportos que concertadamente
funcionem em conjunto. Desconhecemos onde alguns se baseiam para defender que o
espaçamento mínimo entre pistas paralelas deveria ser de 3 milhas náuticas
(≈5,5 km), um erro grosseiro pois nenhum aeroporto mundial com pistas paralelas
alcança essa dimensão (o mega aeroporto de Chicago, com cinco pistas paralelas,
é o que mais se aproxima, com 5,1 km).
Perante a
repetida dúvida, aproveitamos para melhor esclarecer esta questão no caso
concreto de Lisboa. O Contrato de Concessão referido estabelece, como
especificação mínima, que “as duas primeiras pistas deverão ter um comprimento
aproximado de 4000 m, estar afastadas entre si
1980 m (≈ 1 milha náutica), e deverão poder ser operadas
independentemente uma da outra” e, quanto à operação independente, determina
que deverá respeitar “a norma do Anexo 14 e SOIR (doc. 9643) da ICAO”. Este
documento estabelece, para a operação independente (i) de duas pistas paralelas
existentes ou (ii) quando se vai construir uma paralela a uma pista já
existente (é o caso), que o mínimo afastamento varia entre 1035 m e 1525 m.
Na Europa, os
aeroportos apresentam espaçamento entre pistas paralelas desde 1310-1400 m
(Madrid, Barcelona e Londres) até ao máximo de 4900 m (Amesterdão).
Na solução que
propomos, o espaçamento entre pistas é de 4500 m, o que está ao nível dos
melhores aeroportos europeus e a nível mundial, destacando-se, em termos de
segurança, o desfasamento longitudinal entre pistas (NLR Technical Publication
TP 97183 U – Collision risk related to the usage of parallel runways for
landing).
O hub de Lisboa
(Alverca-Portela), em termos de operação aeronáutica, seria, assim, composto
por quatro pistas (três existentes, duas na Portela e uma em Alverca), em que
duas pistas longas (3700 m na Portela e 4200 m, a nova pista de Alverca) formam
um largo canal de pistas paralelas. As outras duas pistas seriam de apoio, para
funcionarem em caso de emergência.
Acresce que a
solução proposta tem a vantagem de ter já construídas as infraestruturas de
acesso a todo o país, quer ferroviário, pela Linha do Norte, já quadruplicada
entre Lisboa e Alverca, quer rodoviário, pela A1, CREL e A30. Será apenas
necessário construir uma linha de comboio ligeiro automático para assegurar a
transferência direta entre os terminais da Portela e de Alverca (cerca de 14
km), que funcionariam como um único aeroporto. Esta solução tem um custo global
muito inferior ao da solução da Vinci, que não atende ao interesse nacional nem
assegura o adequado funcionamento das companhias aéreas, como foi referido pela
transportadora TAP.
O aeroporto do
Montijo, complementar da expansão do aeroporto da Portela, é uma solução mal
engendrada para dar resposta às necessidades aeroportuárias de Lisboa e do país
nas próximas décadas. Certamente que nem os lisboetas e os residentes de
Loures, condenados a ser fatalmente massacrados pelo ruído até 2062, nem os portugueses
em geral, merecem tão gravosa solução após mais de 50 anos de estudos e
hesitações sobre o novo aeroporto de Lisboa.
António Segadães
Tavares, engenheiro civil, autor dos projectos premiados da ampliação do
aeroporto da Madeira e do Pavilhão de Portugal da Expo 98, entre outros
António Carmona
Rodrigues, engenheiro civil, professor da UNL, ex-presidente da Câmara
Municipal de Lisboa
António Gonçalves
Henriques, engenheiro civil, professor do IST, ex-presidente da Agência
Portuguesa do Ambiente
Fernando Nunes da
Silva, engenheiro civil, urbanista, professor do IST
José Furtado,
engenheiro civil, especialista em planeamento estratégico de infra-estruturas
de transporte
Luís Póvoas
Janeiro, professor da Universidade Católica
Ricardo Reis,
professor da Universidade Católica
Rui Vallejo de
Carvalho, professor da Universidade Católica
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