segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Macron and Merkel call Putin over Syria / A aliança venenosa: a Turquia, a Rússia e o domínio da Síria




Macron and Merkel call Putin over Syria

As hundreds of thousands are displaced in bloody Idlib offensive, leaders talk, but do little else.

By RYM MOMTAZ 2/21/20, 3:40 AM CET Updated 2/22/20, 11:41 AM CET

It may not be an EU army, but at least France and Germany can still team up to dial a phone.

The situation in Idlib, in the northwest of Syria, is so catastrophic that French President Emmanuel Macron and German Chancellor Angela Merkel broke away from the extraordinary European Council budget summit in Brussels on Thursday to call Russian President Vladimir Putin to suggest convening a meeting to try to broker a ceasefire.

“The chancellor and the president wanted to alert President Putin about the humanitarian situation of the civilian population in Idlib province in Syria,” according to a press statement issued by Macron’s office.

The timidness of the call epitomizes Europe's — and the international community's — impotence in the face of one of the bloodiest conflicts in recent history.

Syrian President Bashar al-Assad, with the active support of Russia’s air force, which has targeted hospitals, launched a renewed assault at the end of last year to recover control of Idlib, the last province in the hands of the opposition.

In 2015, the last time Russia participated in such a large Assad offensive, more than a million refugees made their way to Europe.

Around 900,000 civilians, 60 percent of them children, have been internally displaced since December 1, 2019, according to U.N.'s Office for the Coordination of Humanitarian Affairs. Many are left to fend for themselves in makeshift tents in freezing temperatures.

In 2015, the last time Russia participated in such a large Assad offensive, more than a million refugees made their way to Europe.

The military and political support Russia, a permanent member of the U.N. Security Council, has provided to the Syrian president has been the key factor in helping him gradually oust opposition forces from successive strongholds since 2015. And Putin has also used the conflict to reassert Russia on the international stage as a military power.

Macron and Merkel "called for an immediate cessation of hostilities" and asked parties "not to block humanitarian aid access to populations in need,” the Elysée said. But the statement did not explicitly call out Russia for blocking multiple attempts over recent months at the U.N. Security Council to reach an agreement on a ceasefire and humanitarian aid access.

Instead, the leaders “expressed their availability to meet quickly with President Putin and President [of Turkey Recep Tayyip] Erdoğan to find a political solution to the crisis.” Ankara is the main military backer of the armed opposition forces still present in Idlib, and has deployed additional troops to the area in recent weeks.

The Kremlin, meanwhile, put out its own statement after the call, with its own version of events.

The conversation focused on "resolving the Syrian crisis in the context of the sharply aggravated situation in Idlib as a result of aggressive actions by extremist groups against Syrian government forces and civilians," the Kremlin said. "The importance of preventing negative humanitarian consequences for the civilian population was emphasized."

It was Macron's idea to call Putin, according to French officials. But the call was made from the German delegation room at the European Council in Brussels, according to a German diplomat. The two are expected to make a similar plea to the Turkish president on Friday.

The European Council also put out a statement on the situation in Idlib Thursday night, which also did not explicitly name Russia.

"The renewed military offensive in Idlib by the Syrian regime and its backers, causing enormous human suffering, is unacceptable. The EU calls on all actors to cease hostilities immediately," the Council statement said.

The United States, another permanent member of the U.N. Security Council, has been largely absent from the Idlib theater, focusing on issuing statements as the fighting intensified.

All talk, no intervention
Earlier on Thursday, Macron called the situation in Idlib “one of the worst humanitarian tragedies” and condemned “the military attacks the regime of Bashar al-Assad has been carrying out for several weeks against civilian populations.”

But he still shied away from pointing the finger at Russia, with which he has been trying to warm relations since he became president three years ago.

Instead, Macron said: “I really ask all the permanent members of the Security Council to own up to their responsibilities.”

On Wednesday, France’s Ambassador to the U.N. Nicolas de Rivière was more direct.

 “We tried very hard to get a [U.N. Security Council] press statement calling for a cessation of hostilities and humanitarian access to Idlib, basically Russia said no,” de Rivière said as he left the council's building in New York.

The United States, another permanent member of the U.N. Security Council, has been largely absent from the Idlib theater, focusing on issuing statements as the fighting intensified. “There is no dream of the Syrian people; they are living through a nightmare of death and destruction,” State Department spokeswoman Morgan Ortagus tweeted Thursday.

In October 2018, France, Germany, Russia and Turkey met in Istanbul and called for a lasting ceasefire and the convening of a constitutional committee to begin work toward a political solution to the conflict. The ceasefire did not hold, and the committee has met but achieved very little so far.

In September 2018, Russia and Turkey brokered a deal in the Russian city of Sochi to create a demilitarized zone in Idlib, but the deal broke down.


A GUERRA NA SÍRIA
A aliança venenosa: a Turquia, a Rússia e o domínio da Síria

Na Síria, a Turquia arrisca-se a que a Rússia lhe mostre que não é a potência que julgava ser, sem que os seus aliados da NATO sintam um dever de solidariedade político-militar.

José Pedro Teixeira Fernandes
José Pedro Teixeira Fernandes 21 de Fevereiro de 2020, 18:02

1. A Turquia e a Rússia têm em comum passados grandiosos. Ambos os Estados são herdeiros de imensos impérios que colapsaram no século XX, como consequência directa ou indirecta da I Guerra Mundial. A Rússia ainda conseguiu recompor o império dos czares, metamorfoseando-se em União Soviética, mas esta acabou também por se desagregar em 1991. Vladimir Putin descreveu o colapso da União Soviética — que levou a Rússia a perder imensos territórios do Báltico à Ásia Central, deixando grandes minorias russas ‘órfãs da mãe-pátria’ — como “a maior catástrofe geopolítica” do século XX. Uma visão provavelmente partilhada pela grande maioria da população russa.

No caso da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan tem similar visão sobre o final do Império Otomano. Aí ocorreu a catástrofe da perda de territórios, dos Balcãs ao Médio Oriente árabe. Algumas populações turcas, ou turcófonas, ficaram também fora da República da Turquia que lhe sucedeu. Eclipsou-se ainda a autoridade religioso-política sobre os muçulmanos sunitas, dentro e fora do império, que o sultão-califa dispunha, pelo radicalismo secularista de Mustafa Kemal Atatürk.

A Síria é um território histórico do Império Otomano e Recep Tayyip Erdogan procura (re) adquirir ascendente sobre essa antiga província árabe do império. Vê-a como sendo parte da sua esfera de natural de influência

2. A Síria é um território histórico do Império Otomano e Recep Tayyip Erdoğan procura (re) adquirir ascendente sobre essa antiga província árabe do império. Vê-a como sendo parte da sua esfera de natural de influência. A ambição pode ser vista como uma sequela histórica da formação dos modernos Estados-Nação que alimentou, quase sempre, contestação, disputas territoriais e conflitos sectários. No cerne do problema está o facto de o princípio da soberania nacional não se adaptar facilmente a populações que viveram longos séculos em territórios imperiais.

A fronteira da Turquia com a actual Síria mostra o problema. O Sul da Turquia tem substanciais populações árabes na província do Hatay (um território designado como Sandjak d’Alexandrette durante o mandato francês para a Síria, entre as duas guerras mundiais), que a Turquia anexou em 1939. Todavia, a Síria como Estado independente nunca reconheceu tal anexação. Para além disso, a área sudeste da Turquia, que se prolonga até à fronteira com a Síria (e Iraque e Irão), é um território histórico de populações curdas, tal como é a parte contígua do território da Síria, do outro lado da fronteira. No passado otomano que se prolongou até inícios dos século XX, curdos e árabes, sunitas e alauitas, eram apenas alguns dos muitos povos e religiões de um império onde a lógica nacional moderna era desconhecida.

3. Não é surpreendente que a ambição (neo) otomana da Turquia tenha levado à decisão de apoiar abertamente a revolta contra Bashar al-Assad iniciada em 2011. Nessa altura, estávamos no contexto da chamada ‘Primavera Árabe’. No Ocidente, muitos sem qualquer conhecimento substancial dessa parte do mundo — e das suas complexidades culturais e políticas —, alimentavam ilusão de estarem a assistir ao início de uma nova era de democracia, liberdade e direitos humanos. Seria uma espécie de réplica das revoluções de 1848 na Europa, ou da queda do muro de Berlim de 1989, agora no Sul do Mediterrâneo. A retórica diplomática do Governo turco alimentava similar ideia: tratava-se de apoiar as forças ‘democráticas’ da oposição contra o Governo ditatorial de Bashar al-Assad.

Na realidade, foi uma configuração do conflito tão tranquilizante quanto enganadora. O autoritarismo opressor de Bashar al-Assad é inquestionável, mas a Turquia de Recep Tayyip Erdoğan está longe de ser um modelo de democracia, de liberdade e de direitos humanos. Seria estranho se quisesse criar um Estado genuinamente democrático do outro lado da fronteira, quando perverte a democracia liberal na sua própria casa.

Claro que existiu um cálculo estratégico da Turquia, de ganhos em derrubar Bashar al-Assad. A chegada ao poder de um Governo oriundo da maioria árabe sunita da população — na qual a Irmandade Muçulmana, que Erdoğan também apoia, dispõe de significativa influência — instalaria um poder amistoso subordinado à influência da Turquia. Não é o caso de Bashar al-Assad, que é oriundo da minoria alauita, próxima do xiismo e aberta à influência do Irão. Entre outras vantagens, provavelmente permitiria fazer um tratado sobre a fronteira entre os dois países, encerrando o contencioso sobre o Hatay, território onde a Síria sempre se recusou aceitar de jure a soberania da Turquia.

4. O cálculo estratégico inicial da Turquia, baseado na convicção de ser possível afastar o governo Bashar al-Assad através de uma guerra por procuração — ou seja, numa guerra feita por forças interpostas, onde a Turquia não se envolveria directamente —, acabou por redundar num grande fracasso. A aposta principal foi no ‘Exército Livre da Síria’, formado sobretudo por desertores do exército sírio e islamistas próximos da Irmandade Muçulmana. Todavia, este nunca se mostrou capaz de derrotar militarmente as forças governamentais, mesmo nos momentos mais críticos para estas durante os primeiros anos do conflito — nessa altura o Irão e o Hezbollah libanês foram fundamentais.

Não é surpreendente que a ambição (neo) otomana da Turquia tenha levado à decisão de apoiar abertamente a revolta contra Bashar al-Assad iniciada em 2011. Houve um cálculo estratégico da Turquia dos ganhos em derrubar Bashar al-Assad. A chegada ao poder de um Governo oriundo da maioria árabe sunita da população — na qual a Irmandade Muçulmana, que Erdogan apoia, dispõe de significativa influência — instalaria um poder amistoso subordinado à influência da Turquia

A partir de 2015, a intervenção militar russa na guerra da Síria afastou quaisquer hipóteses de sucesso da abordagem inicial da Turquia ao conflito. Uma viragem quase total da estratégia político-militar turca surgiu a partir de 2016, emergindo gradualmente uma espécie de entente cordiale entre Erdoğan e Putin. Este (re) posicionamento estratégico — alimentado habilmente pela Rússia —, foi para Erdoğan o resultado de uma dupla frustração: o falhanço do seu objectivo de afastar Bashar al-Assad e ganhar influência na Síria, com a Rússia a mostrar-se um obstáculo intransponível a partir de 2015; a constatação de que os seus aliados da NATO e da União Europeia não se importariam muito com o seu afastamento, se a tentativa de golpe de Estado ocorrida no ano seguinte na Turquia tivesse tido sucesso.

5. Apesar das declarações mútuas de amizade dos últimos anos, a Rússia é um parceiro incómodo para a Turquia, e o inverso também é válido. Há profundas razões históricas e geopolíticas para ser assim, as quais subsistem ainda que sob outras formas.

No passado de ambos os Estados, o Império da Rússia e o Império Otomano, competiam e chocavam militarmente com frequência. Ao longo dos séculos XVIII e XIX, a Rússia dos czares teve um papel central no retrocesso no Império Otomano na Europa, em particular nos Balcãs. No século XX, após a II Guerra Mundial, foi o medo da poderosa União Soviética a da sua reivindicação dos territórios do Leste da Anatólia — conquistados na guerra russo-turca de 1877-1878 e cedidos pelos bolcheviques, após a revolução de 1917, num momento de fraqueza — que levou a Turquia a aderir à NATO e a procurar o abrigo do poder militar-nuclear dos EUA.

Após o final da União Soviética, na Ásia Central, do Azerbaijão ao Quirguistão, a Turquia compete com a Rússia pela influência política, económica e cultural-religiosa nessas antigas repúblicas soviéticas. Actualmente, na guerra da Líbia, a Turquia e a Rússia apoiam diferentes facções em conflito. No caso da Síria, a guerra está a entrar na sua fase final envolvendo uma dura luta pelo controlo da província do Idlib. É um território contíguo ao Hatay — com a soberania turca sobre este contestado pela Síria — e praticamente o último reduto dos rebeldes que lutam contra Bashar al-Assad, incluindo múltiplos grupos islamistas-jihadistas. Podem a Rússia e Turquia continuar a sua (superficial) convergência de interesses, ou estes vão chocar abertamente levando a que a ambição (neo) otomana da Turquia fique enterrada no Idlib?

6. Em inícios de Fevereiro de 2020, vários soldados turcos foram mortos em confronto com forças governamentais sírias no Idlib. É improvável que a ofensiva militar do Governo sírio — e das suas milícias aliadas apoiadas pelo Irão —, não tenha sido coordenada (e aprovada) directamente pela Rússia. Esta ofensiva coloca um sério problema à Turquia e às suas ambições de controlo da zona fronteiriça contígua, no interior do território da Síria.

A aproximação da batalha final do Idlib mostra os limites e contradições das relações turco-russas e da entente cordiale iniciada em 2016. Na realidade, é uma aliança venenosa desde o início, baseada numa calculista convergência pontual de interesses, mas onde nem a Rússia confia na Turquia, nem a Turquia confia na Rússia.

Com o espaço em disputa a estreitar-se no território sírio — e com os objectivos contraditórios da Turquia e do Governo sírio de Bashar al-Assad em clara rota de colisão —, o ‘veneno’ dentro da aliança russo-turca vai fazer-se sentir. Já estamos a assistir a bombardeamentos russos de grupos pró-turcos em Idlib, os quais tentavam atacar forças governamentais de Bashar al-Assad. Nada indica também que a Rússia vá permitir que a Turquia cause sérios danos às forças sírias. Talvez incursões menores, como tem acontecido com os raides de Israel, feitos com a complacência russa.

Mas, na Síria, a Turquia arrisca-se a que a Rússia lhe mostre que não é a potência que julgava ser, sem que os seus aliados da NATO sintam um dever de solidariedade político-militar. Afinal, foi a Turquia que unilateralmente entrou com os seus exércitos no Norte da Síria e não o inverso.

Sem comentários: