António Costa
morre de saudades de Passos Coelho
Sem o papão
Passos, o que temos é o que se está a ver: o eclipse de qualquer compromisso e
o lento desmoronar de um Governo que acaba de tomar posse.
JOÃO MIGUEL
TAVARES
29 de Fevereiro
de 2020, 6:08
Sabem quem é que
em Portugal tem mais saudades de Pedro Passos Coelho? Não, não é a direita. É
mesmo António Costa. Em 2015, ninguém dava um caracol pela solução de governo
que o PS desencantou. Quase tudo o que era analista político (eu incluído)
considerava impensável a autoproclamada “geringonça” aguentar-se quatro anos –
algures pelo caminho, ela teria de se escaqueirar. A verdade é que não se
escaqueirou. Mérito de António Costa, sem dúvida. Mérito da capacidade negocial
de Pedro Nuno Santos no Parlamento. Mérito das habilidades contabilísticas de
Mário Centeno. Mérito da surpreendente disponibilidade do PCP e do Bloco de
Esquerda para a prática de deep throat com batráquios. Parabéns a todos eles.
Mas eis que
chegamos a 2020. O PS tem uma maioria bem mais confortável no Parlamento.
António Costa continua primeiro-ministro. Pedro Nuno Santos continua no
Governo. Mário Centeno, por enquanto, também. O PCP e o Bloco de Esquerda
continuam a ser liderados pelas mesmas pessoas. E, subitamente, tudo o que era
sólido começou a dissolver-se no ar. Como é isto possível? Como se explica a
deterioração aceleradíssima da capacidade negocial do Governo? Quem é que
roubou o pragmatismo ao primeiro-ministro? Por onde é que fugiram os famosos
mestres do compromisso? Em que país é que se esconderam os mundialmente
aclamados génios do diálogo?
Por favor,
encontrem-nos depressa, porque o país está a precisar muito deles. No Montijo,
o governo anuncia um aeroporto para depois esbarrar numa lei, aprovada em
tempos pelo próprio PS, que obriga a um consenso municipal que não existe. A
solução é negociar? Não, a solução é alterar a lei. A oposição está contra a
alteração da lei? A culpa é do PSD. No Parlamento, o governo anuncia Vitalino
Canas e Clemente Lima para juízes do Tribunal Constitucional. Ambos necessitam
dos votos de dois terços da Assembleia. A solução é negociar? Não, a solução é
forçar a votação. Os nomes não passam no Parlamento, e nem sequer os deputados
do PS votam todos em Vitalino Canas? A culpa é da oposição. Diz Ana Catarina
Mendes, com a sua habitual delicadeza: “É absolutamente espantoso que a
Assembleia da República e os deputados se permitam bloquear o normal
funcionamento das instituições democráticas.” Definição de “bloqueio das
instituições democráticas” no Dicionário Português-Socialistês: não fazer a
vontade ao PS.
Reparem no
padrão: há uma votação no Parlamento; não passam os nomes que o PS quer; a
oposição está a afundar as instituições democráticas. Há um aeroporto no
Montijo; não é aprovado pelas autarquias que o PS quer; as autarquias (e o PSD)
estão a afundar o futuro do país. Convém notar que este género de reacção não é
propriamente espantoso – o PS sempre se achou o dono do regime, e fazer birras
quando é contrariado está na sua natureza. Espantoso foi essa não ter sido a
sua atitude nos anos 2015-2019, onde deu mostras de uma capacidade de sedução
como nunca se tinha visto na Terceira República.
E é aqui que
regressamos à primeira frase do meu texto. Se os protagonistas são os mesmos, o
que é que havia em 2015 que não há em 2020? A resposta é só uma: Pedro Passos
Coelho. O seu espectro e a sombra do seu governo foi a cola que em 2015 uniu a
geringonça e o óleo que possibilitou o seu funcionamento até final de 2019. Sem
o papão Passos, o que temos é o que se está a ver: o eclipse de qualquer
compromisso e o lento desmoronar de um Governo que acaba de tomar posse.
Sem comentários:
Enviar um comentário