quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Prémios da TAP: a dolce vita dos executivos que se pagam a si próprios


Aeroporto do Montijo é "importantíssimo" mas "não é para a TAP"
Antonoaldo Neves reiterou esta quinta-feira que "não há possibilidade" de a TAP ir para o Montijo "nem hoje, nem daqui a quatro anos"

DN/Lusa
20 Fevereiro 2020 — 15:04

"Não há possibilidade de a TAP ir para o Montijo, não existe essa possibilidade. O Montijo não é para a TAP", sublinhou o CEO da TAP, na conferência de imprensa de apresentação dos resultados de 2019 da transportadora. Antonoaldo Neves explicou que a companhia que lidera opera aviões de longo curso, que não cabem no aeroporto do Montijo, "nem hoje, nem daqui a quatro anos".

O responsável disse também que 57% dos passageiros da TAP fazem escala em Lisboa e que, por isso mesmo, a opção do Montijo não facilita o processo de conexão entre voos. "A TAP não vai para o Montijo, essa decisão está tomada", garantiu, salientando, no entanto, que considera "importantíssimo" a construção daquela infraestrutura.

"Tem que fazer o Montijo, ponto final. Mas a TAP não tem nada a dizer sobre isso. O que a TAP tem a dizer sobre o sistema aeroportuário em Portugal é só sobre a Portela", acrescentou o presidente executivo da companhia aérea.

O executivo falou também sobre um estudo da AirHelp, que colocou a Portela no topo da lista dos piores aeroportos do mundo. "A TAP não é a pior empresa do mundo, mas Portela é o pior aeroporto do mundo. E vai piorar, porque não há data para o investimento", afirmou.

O Grupo TAP divulgou esta quinta-feira prejuízos de 105,6 milhões de euros em 2019, uma melhoria de 12,4 milhões de euros face às perdas de 118 milhões registadas em 2018 pela companhia aérea.

De acordo com o comunicado da TAP SGPS, que engloba todas as empresas do grupo, enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), "o processo que envolve a gestão da entrada das 30 aeronaves e a saída de 18 antigas teve um impacto negativo financeiro de 55 milhões de euros no resultado do ano".

A empresa liderada por Antonoaldo Neves refere ainda que em 2019 "foi penalizada entre 30 milhões de euros a 35 milhões de euros em resultado da ineficácia da infraestrutura", referindo-se à "falta de investimento na capacidade do aeroporto de Lisboa" e ao "congestionamento do espaço aéreo"

OPINIÃO
Prémios da TAP: a dolce vita dos executivos que se pagam a si próprios

A própria expressão “prémio de desempenho” devia querer dizer que se premeia o que corre bem. Portanto, há aqui algo de muito errado.

SUSANA PERALTA
21 de Fevereiro de 2020, 6:42

A TAP acumulou, em 2019, 100 milhões de euros de prejuízo, um valor semelhante ao que tinha perdido em 2018. Isso não impediu o CEO da companhia, Antonoaldo Neves, de pagar prémios de desempenho aos quadros dirigentes nos dois anos. A própria expressão “prémio de desempenho” devia querer dizer que se premeia o que corre bem. Portanto, há aqui algo de muito errado.

O ministro Pedro Nuno Santos condenou os prémios, secundado por Miguel Frasquilho, presidente do conselho de administração da transportadora, que já no ano passado se tinha manifestado contra estes pagamentos. O que é mesmo muito bizarro no caso da TAP é que o governo detém 50% do capital social, mas apenas 5% dos chamados “direitos económicos” da companhia. Traduzido por miúdos: quando em 2015 o PS chegou ao governo e quis reverter o processo de privatização da companhia, o acordo que conseguiu com a holding privada Atlantic Gateway consistiu em aumentar a participação do Estado no capital da empresa de 34% para 50%, em simultâneo com uma diminuição dos direitos económicos de 34% para 5%. Ao mesmo tempo, a Atlantic Gateway baixou a sua participação no capital de 61% para 45%, mas aumentou os direitos económicos de 61% para 90%. Em resultado desta perda de direitos económicos, apenas no conselho de administração existe equilíbrio entre o número de elementos indicados pela Parpública (ou seja: o Estado) e pela Atlantic Gateway. Nos restantes órgãos — mesa da assembleia geral, comissão executiva, conselho fiscal, comissão de vencimentos e órgãos das empresas subsidiárias —, o Estado tem uma intervenção limitada. Portanto, o Estado tem metade da TAP, mas só participa em decisões estratégicas, não na gestão da empresa.

O que acontece na TAP podia ser uma originalidade, ligada ao bizarro esquema de governance cozinhado na altura da recompra, só que não é. O grupo financeiro australiano AMP anunciou há uma semana um aumento de quase 2 milhões de dólares no salário anual do seu CEO, Francesco De Ferrari, no mesmo ano em que anunciou perdas de 2,5 mil milhões. Um artigo do jornal britânico Observer do passado mês de agosto explicava que 2018 foi um ano “brutal” nos Estados Unidos, em que a maior parte das empresas perdeu valor em bolsa (17% em média). O que não impediu os CEO dos maiores bancos e instituições financeiras de se oferecerem um aumento mediano de 8,5%. O mais bem pago em 2018 no sector financeiro ganhou quase 45 milhões de dólares com a empresa a perder 15% do valor. Em 2017, John Fallon, CEO da editora Pearson, teve um aumento de 20% num ano em que a empresa teve o pior prejuízo da sua história, perdeu 2 mil milhões de libras em bolsa e despediu 4000 pessoas, ou seja, 10% dos seus empregados. Exemplos não faltam.

Um caso muito interessante é o da BP em 2016, quando o CEO, Bob Dudley, recebeu um aumento de 20%, num ano em que a empresa perdeu mais de 6 mil milhões de dólares — um dos maiores prejuízos da sua história — e despediu 7000 trabalhadores. A justificação da empresa é de que as perdas foram devidas a uma redução do preço do petróleo, variável que está fora do controlo dos executivos, mas que estes conseguiram fazer um trabalho extraordinário, apesar dessas más circunstâncias, tendo ultrapassado as expectativas. O que me suscita as questões seguintes. Basta ultrapassar expectativas que, suponho, os próprios fixaram a si mesmos, para ser principescamente pago em face de prejuízos milionários? Os executivos seriam magnânimos a dispensar os prémios de performance num ano em que a empresa tivesse lucros estratosféricos devido a uma evolução favorável do preço do petróleo, argumentando que não tinham tido controlo sobre esse factor? Se houve azar no preço do petróleo, por que razão é a força de trabalho a absorver sozinha esse choque, enquanto os executivos recebem um cheque chorudo? Ou será que o preço do petróleo desceu por decisão da força de trabalho, que assim paga o seu mau desempenho? Os trabalhadores, que não têm qualquer poder de decisão, são uma espécie de apólice de seguro dos executivos: nada ganham quando as empresas têm lucros chorudos, pagam os prejuízos quando eles surgem. Enquanto isso, os executivos ganham sempre. Sabe porquê? Porque os executivos decidem em causa própria.

Os defensores dos pacotes compensatórios milionários dos executivos explicam que o objetivo é alinhar os seus interesses com os dos acionistas. Ou seja: os acionistas querem mais lucros; se os executivos ganharem com isso, então têm interesse em trabalhar para esse objetivo. Mesmo que os CEO sirvam os acionistas, isso não é necessariamente bom. As empresas têm um papel importante perante consumidores, trabalhadores, meio ambiente — objetivos que ficam de fora desta visão restrita. Mas o que os exemplos que aqui trago sugerem é que os executivos nem sequer servem os interesses dos acionistas e não são remunerados pelo sacrossanto desempenho. O artigo Are CEOs rewarded for luck? The ones without principals are, publicado por Marianne Bertrand e Sendhil Mullainathan no Quarterly Journal of Economics em 2001, mostra que a remuneração dos executivos varia com factores que não estão relacionados com o seu desempenho. Um dos casos estudados no artigo é precisamente o do preço do petróleo na indústria petrolífera. Estes resultados foram confirmados por Lucas Davis e Catherine Hausman num artigo de 2018, Are energy executives rewarded for luck?. Uma das motivações dos autores para esta investigação, quase duas décadas depois do artigo de Bertrand e Mullainathan, é a constatação de que os pacotes remuneratórios dos CEO quase duplicaram, apesar do quadro regulatório se ter alterado substancialmente ao longo do século XXI, com maior exigência nas obrigações de transparência e reporte das grandes empresas. No entanto, os autores mostram que os pacotes chorudos dos executivos continuam a depender de factores que nada têm que ver com o desempenho. Tudo muda, exceto a capacidade de quem tem poder de decisão para o utilizar em benefício próprio. Portanto, prepare-se: o cheiro a esturro na TAP vai continuar.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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