segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Filha do guru de Bolsonaro: "O meu pai é uma influência maligna"




Filha do guru de Bolsonaro: "O meu pai é uma influência maligna"

Heloísa Carvalho, primogénita de Olavo de Carvalho, o filósofo que moldou a nova direita brasileira, diz ao DN que ele é "uma fraude" e "um perigo para o Brasil". "Nunca votaria nessa gente, gente de mau coração, gente que não gosta de pobre, gente que não gosta de gente."

João Almeida Moreira, São Paulo
17 Fevereiro 2020 — 00:03

Heloísa de Carvalho, a mais velha de oito filhos de Olavo de Carvalho, o guru de Jair Bolsonaro e da nova direita brasileira, chama o pai de "fraude" e de "perigo para o Brasil" e considera a relação entre o autodenominado maior filósofo vivo do país e o presidente da República "doentia". A professora de 50 anos, natural de São Paulo mas a viver há 31 anos em Atibaia, a cerca de 70 quilómetros da maior cidade brasileira, falou ao DN do percurso pessoal e profissional sinuoso do pai, na sequência do lançamento do livro Meu Pai: O Guru do Presidente - A Face ainda Oculta de Olavo de Carvalho, lançado neste ano pela editora Kotter.

Heloísa e o guru de Bolsonaro romperam em 2017. Após interceder, numa questão de direitos de autor, a favor do diretor de fotografia de um documentário sobre Olavo de Carvalho, ela viu-se bloqueada nas redes sociais e ofendida por telefone pelo pai. Aí decidiu falar. Mesmo pagando um preço alto: "Uma das minhas atividades era na organização de festas, mas desde que comecei a falar sobre o 'guru' e sobre o Bozo (alcunha pejorativa de Bolsonaro) nunca mais tive clientes novos e tive de mudar de ramo."

Como foi crescer sendo filha de Olavo de Carvalho, hoje o guru de Bolsonaro e da nova direita brasileira?
Como pai, o Olavo nunca foi cuidadoso, nunca nos levou à escola, até porque nós nem sequer fomos à escola [risos], nunca nos levou ao dentista, nunca nos levou ao médico... Enfim, nunca foi um pai que se preocupa com o bem-estar físico, psicológico, intelectual dos filhos.

Relata no seu livro uma fase polígama dele. Como foi?
Foi numa fase em que eu já tinha uns 16 anos, no contexto da comunidade da tariqa (corrente esotérica do islamismo) que ele montou. Ele tinha três mulheres nessa época, nenhuma delas era a minha mãe, ela já estava separada dele, mas vivia também na comunidade como "tariqueira" islâmica e como mãe dos filhos do Olavo. Era uma coisa bizarra, claro, ver o teu pai com três mulheres islâmicas ao mesmo tempo mais a tua mãe, mas enfim...

Como se deram todas as mutações, até meio contraditórias, na vida do seu pai? Foi muçulmano, foi astrólogo, foi jornalista, hoje declara-se católico convicto, ultradireitista e filósofo...
Pois é, ele foi tudo isso. Hoje ele prega ser católico tradicional desde criancinha mas nunca batizou os filhos do primeiro casamento e nunca casou pela Igreja com nenhuma das mulheres. Na verdade, ele é uma fraude, uma grande fraude.


Mas influente.
Pois é, não podemos esquecer que essa fraude carrega milhares de pessoas, os olavettes, e tem uma influência enorme no governo de um país tão importante como o Brasil, uma influência maligna, que vive de criar o caos permanente. Eu já não apostava muito neste governo, pelas pessoas que lá estão, pelo que elas defendem, mas com o dedo do Olavo, e há muito dedo dele, a coisa só piora.

Mas voltando ao percurso dele: como se foi transformando até chegar ao guru que é hoje.
Ele foi astrólogo profissional, com escola e tudo, jornalista profissional, quase sempre como freelancer e sem parar em nenhum emprego, e hoje intitula-se o maior filósofo brasileiro vivo sem sequer ter terminado o ensino médio. Mas a maior habilidade dele, em tudo o que publica e em tudo o onde ele mete o dedo, é criar o caos e teorias da conspiração, propagar fake news aos montes e produzir ataques de todo o tipo - ele nunca dá uma solução para nenhuma situação, se você reparar, as soluções dele são sempre processar todo o mundo, prender todo o mundo, aniquilar todo o mundo que lhe faça oposição.

E como é essa relação de Olavo com Bolsonaro?
A relação de Olavo com a família Bolsonaro e com toda essa nova extrema-direita é uma relação doentia. Na época da campanha eram todos amiguinhos, depois de eleitos, ele já briga com os seus fãs, como a [deputada] Joice Hasselmann, como o [deputado] Alexandre Frota e outras personalidades de expressão, como o [músico] Lobão, hoje todos críticos do governo, e muitos outros com menos nome na praça.

Qual a sua avaliação da influência que Olavo tem no governo?
A minha avaliação é que a influência do Olavo é um perigo: basta ver o que aconteceu por ele conseguir colocar no governo o ministro da Educação (tanto Abraham Weintraub, o atual, como Ricardo Vélez, o antecessor, foram indicações do filósofo). Esse ministro gerou um caos incrível e nunca antes visto no Enem (exame nacional do ensino médio) e no Sisu (sistema de inscrição dos estudantes no ensino superior). E agora colocou outro olavette ferrenho, o Carlos Nadalim, para escolher os livros didáticos para crianças até aos 7 anos. Mas o mais curioso é ser Olavo de Carvalho a indicar os ministros da Educação, logo ele que não deu escola para os quatro primeiros filhos. Os dois seguintes, de um segundo casamento, foram escolarizados porque a avó materna deles tinha uma escola chique, e os que vivem com ele agora, um é soldado americano e outra está há dez anos na universidade e não sai de lá. Que moral tem ele para escolher o ministro da Educação? Os escândalos dos escolhidos dele estão aí. É uma relação muito perigosa. O poder deslumbra mesmo quem tem carácter, imagina o que faz a quem não tem, como essas pessoas que estão no poder.

Votou em Bolsonaro ou equaciona votar nele em 2022?
Jamais votaria em alguém como Bolsonaro ou alguém com o perfil dele. Sempre fui mais progressista, tenho amigos de tudo o que é classe social, sou ativista pelo uso da canábis medicinal, o meu marido é utilizador, nunca tive vida de madame, sei muito bem o que é ser utilizador do SUS (sistema nacional de saúde), por isso sempre tive uma visão mais social da política. Não acho que o Estado deva ser assistencialista em tudo, mas, sobretudo num país como o Brasil, onde a pobreza e o analfabetismo ainda são enormes tem de cuidar do básico e assistir ao mais carente. Resumindo: jamais votaria nessa gente que está no poder porque é gente, eu não diria fascista, mas gente de mau coração, que não gosta de pobre, gente que não gosta de gente.

"Nascer no Brasil é a primeira coisa que ninguém deveria fazer, ficar no Brasil é a segunda coisa que ninguém deveria fazer", eis uma frase dele. Ele nunca gostou do país dele, ele sempre teve o sonho de morar não em qualquer lugar do estrangeiro mas nos Estados Unidos especificamente - ele sempre teve uma idolatria pelos Estados Unidos - e conseguiu. E hoje, lá do meio do mato da Virgínia, esse homem que vive ofendendo e xingando todo o mundo e criando teorias da conspiração diz que quer salvar o Brasil e os brasileiros. Veja só quanta contradição e hipocrisia. O que eles querem é transformar o povo brasileiro no povo americano. O meu marido é cidadão espanhol, eu adoraria ir a Portugal, onde moram alguns inimigos mortais do guru, que ele perseguiu e humilhou, como a família Velasco, e conhecer a minha ascendência, mas tenho orgulho em ser brasileira. Ele não.

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