Filha do guru de
Bolsonaro: "O meu pai é uma influência maligna"
Heloísa Carvalho,
primogénita de Olavo de Carvalho, o filósofo que moldou a nova direita
brasileira, diz ao DN que ele é "uma fraude" e "um perigo para o
Brasil". "Nunca votaria nessa gente, gente de mau coração, gente que
não gosta de pobre, gente que não gosta de gente."
João Almeida
Moreira, São Paulo
17 Fevereiro 2020
— 00:03
Heloísa de
Carvalho, a mais velha de oito filhos de Olavo de Carvalho, o guru de Jair
Bolsonaro e da nova direita brasileira, chama o pai de "fraude" e de
"perigo para o Brasil" e considera a relação entre o autodenominado
maior filósofo vivo do país e o presidente da República "doentia". A
professora de 50 anos, natural de São Paulo mas a viver há 31 anos em Atibaia,
a cerca de 70 quilómetros da maior cidade brasileira, falou ao DN do percurso
pessoal e profissional sinuoso do pai, na sequência do lançamento do livro Meu
Pai: O Guru do Presidente - A Face ainda Oculta de Olavo de Carvalho, lançado
neste ano pela editora Kotter.
Heloísa e o guru
de Bolsonaro romperam em 2017. Após interceder, numa questão de direitos de
autor, a favor do diretor de fotografia de um documentário sobre Olavo de
Carvalho, ela viu-se bloqueada nas redes sociais e ofendida por telefone pelo
pai. Aí decidiu falar. Mesmo pagando um preço alto: "Uma das minhas atividades
era na organização de festas, mas desde que comecei a falar sobre o 'guru' e
sobre o Bozo (alcunha pejorativa de Bolsonaro) nunca mais tive clientes novos e
tive de mudar de ramo."
Como foi crescer
sendo filha de Olavo de Carvalho, hoje o guru de Bolsonaro e da nova direita
brasileira?
Como pai, o Olavo
nunca foi cuidadoso, nunca nos levou à escola, até porque nós nem sequer fomos
à escola [risos], nunca nos levou ao dentista, nunca nos levou ao médico...
Enfim, nunca foi um pai que se preocupa com o bem-estar físico, psicológico,
intelectual dos filhos.
Relata no seu
livro uma fase polígama dele. Como foi?
Foi numa fase em
que eu já tinha uns 16 anos, no contexto da comunidade da tariqa (corrente
esotérica do islamismo) que ele montou. Ele tinha três mulheres nessa época,
nenhuma delas era a minha mãe, ela já estava separada dele, mas vivia também na
comunidade como "tariqueira" islâmica e como mãe dos filhos do Olavo.
Era uma coisa bizarra, claro, ver o teu pai com três mulheres islâmicas ao
mesmo tempo mais a tua mãe, mas enfim...
Como se deram
todas as mutações, até meio contraditórias, na vida do seu pai? Foi muçulmano,
foi astrólogo, foi jornalista, hoje declara-se católico convicto,
ultradireitista e filósofo...
Pois é, ele foi
tudo isso. Hoje ele prega ser católico tradicional desde criancinha mas nunca
batizou os filhos do primeiro casamento e nunca casou pela Igreja com nenhuma
das mulheres. Na verdade, ele é uma fraude, uma grande fraude.
Mas influente.
Pois é, não
podemos esquecer que essa fraude carrega milhares de pessoas, os olavettes, e
tem uma influência enorme no governo de um país tão importante como o Brasil,
uma influência maligna, que vive de criar o caos permanente. Eu já não apostava
muito neste governo, pelas pessoas que lá estão, pelo que elas defendem, mas
com o dedo do Olavo, e há muito dedo dele, a coisa só piora.
Mas voltando ao
percurso dele: como se foi transformando até chegar ao guru que é hoje.
Ele foi astrólogo
profissional, com escola e tudo, jornalista profissional, quase sempre como
freelancer e sem parar em nenhum emprego, e hoje intitula-se o maior filósofo
brasileiro vivo sem sequer ter terminado o ensino médio. Mas a maior habilidade
dele, em tudo o que publica e em tudo o onde ele mete o dedo, é criar o caos e
teorias da conspiração, propagar fake news aos montes e produzir ataques de
todo o tipo - ele nunca dá uma solução para nenhuma situação, se você reparar,
as soluções dele são sempre processar todo o mundo, prender todo o mundo,
aniquilar todo o mundo que lhe faça oposição.
E como é essa
relação de Olavo com Bolsonaro?
A relação de
Olavo com a família Bolsonaro e com toda essa nova extrema-direita é uma
relação doentia. Na época da campanha eram todos amiguinhos, depois de eleitos,
ele já briga com os seus fãs, como a [deputada] Joice Hasselmann, como o
[deputado] Alexandre Frota e outras personalidades de expressão, como o
[músico] Lobão, hoje todos críticos do governo, e muitos outros com menos nome
na praça.
Qual a sua
avaliação da influência que Olavo tem no governo?
A minha avaliação
é que a influência do Olavo é um perigo: basta ver o que aconteceu por ele
conseguir colocar no governo o ministro da Educação (tanto Abraham Weintraub, o
atual, como Ricardo Vélez, o antecessor, foram indicações do filósofo). Esse
ministro gerou um caos incrível e nunca antes visto no Enem (exame nacional do
ensino médio) e no Sisu (sistema de inscrição dos estudantes no ensino
superior). E agora colocou outro olavette ferrenho, o Carlos Nadalim, para
escolher os livros didáticos para crianças até aos 7 anos. Mas o mais curioso é
ser Olavo de Carvalho a indicar os ministros da Educação, logo ele que não deu
escola para os quatro primeiros filhos. Os dois seguintes, de um segundo
casamento, foram escolarizados porque a avó materna deles tinha uma escola
chique, e os que vivem com ele agora, um é soldado americano e outra está há
dez anos na universidade e não sai de lá. Que moral tem ele para escolher o
ministro da Educação? Os escândalos dos escolhidos dele estão aí. É uma relação
muito perigosa. O poder deslumbra mesmo quem tem carácter, imagina o que faz a
quem não tem, como essas pessoas que estão no poder.
Votou em
Bolsonaro ou equaciona votar nele em 2022?
Jamais votaria em
alguém como Bolsonaro ou alguém com o perfil dele. Sempre fui mais
progressista, tenho amigos de tudo o que é classe social, sou ativista pelo uso
da canábis medicinal, o meu marido é utilizador, nunca tive vida de madame, sei
muito bem o que é ser utilizador do SUS (sistema nacional de saúde), por isso
sempre tive uma visão mais social da política. Não acho que o Estado deva ser
assistencialista em tudo, mas, sobretudo num país como o Brasil, onde a pobreza
e o analfabetismo ainda são enormes tem de cuidar do básico e assistir ao mais
carente. Resumindo: jamais votaria nessa gente que está no poder porque é
gente, eu não diria fascista, mas gente de mau coração, que não gosta de pobre,
gente que não gosta de gente.
"Nascer no
Brasil é a primeira coisa que ninguém deveria fazer, ficar no Brasil é a
segunda coisa que ninguém deveria fazer", eis uma frase dele. Ele nunca
gostou do país dele, ele sempre teve o sonho de morar não em qualquer lugar do
estrangeiro mas nos Estados Unidos especificamente - ele sempre teve uma
idolatria pelos Estados Unidos - e conseguiu. E hoje, lá do meio do mato da
Virgínia, esse homem que vive ofendendo e xingando todo o mundo e criando
teorias da conspiração diz que quer salvar o Brasil e os brasileiros. Veja só
quanta contradição e hipocrisia. O que eles querem é transformar o povo
brasileiro no povo americano. O meu marido é cidadão espanhol, eu adoraria ir a
Portugal, onde moram alguns inimigos mortais do guru, que ele perseguiu e humilhou,
como a família Velasco, e conhecer a minha ascendência, mas tenho orgulho em
ser brasileira. Ele não.
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