quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

A soberba da banca deu um brinde aos deputados / Proibir comissões vai levar a fecho de balcões e despedimentos, avisam bancos



EDITORIAL
A soberba da banca deu um brinde aos deputados

Um conflito com a Assembleia e um agravamento da má imagem da banca junto dos cidadãos era exactamente aquilo de que o sector não precisava neste momento.

MANUEL CARVALHO
27 de Fevereiro de 2020, 6:39

Faz parte das regras de um mercado livre e aberto que os bancos sejam donos e senhores das comissões que cobram aos seus clientes, como faz parte das regras de uma democracia que os políticos se preocupem em defender os cidadãos face a eventuais excessos de taxas da banca. Mas houve entre nós um momento em que esse equilíbrio se rompeu e a defesa das posições de uns e outros se tornou mais difícil. Esta quinta-feira, na Assembleia da República, os partidos que representam uma maioria muito expressiva dos deputados votam pela limitação as comissões que a banca cobra; a banca, entretanto, reagiu avisando que a iniciativa política vai forçar o sector a eliminar balcões e postos de trabalho e protestou garantindo que as propostas em discussão são “um atropelo ao regime de livre concorrência”.  

O problema é sério e não recomenda as narrativas dos bons contra os maus, nem as histórias dos paladinos das causas públicas contra os especuladores. Pelo contrário, implica serenidade. Sim, numa economia de mercado aberta, o Governo não se deve meter em questões comezinhas como as taxas dos bancos. Porém, o nível das taxas cresceu de forma galopante nos últimos anos (mesmo que fique abaixo dos níveis pré-crise, como alega a Associação Portuguesa de Bancos) e tornou-se um problema para os consumidores que não pode passar ao lado das atenções dos deputados.

Com uma maioria clara dos deputados a defender limites para as comissões, a banca prepara-se para sofrer um duro revés. Aos olhos dos cidadãos, o sector revela uma imagem de xerife de Nottingham a precisar que o Robin dos Bosques da Assembleia intervenha. E, mais grave, este revés surge num momento em que a banca se confronta com enormes desafios, seja pelas actuais condições de mercado que afectam as suas margens tradicionais, seja pela concorrência da “nova banca” tecnológica, com estruturas mais leves e sem comissões que lhes disputam os clientes.

Um conflito com a Assembleia e um agravamento da má imagem da banca junto dos cidadãos era exactamente o que o sector não precisava neste momento. Mas, apesar de todos estes riscos, apesar das denúncias da Deco ou das ameaças crescentes de partidos como o Bloco ou o PCP, a banca seguiu com indiferença e soberba o seu rumo de carregar nas comissões. Agora que os partidos se preparam para a travar, a banca protesta. Um pouco mais de prudência, de atenção aos avisos do espaço público, de respeito pelos clientes e um pouco menos de foco nos lucros imediatos teria seguramente evitado este problema que não interessa a ninguém.  


Proibir comissões vai levar a fecho de balcões e despedimentos, avisam bancos

Associação Portuguesa de Bancos endurece discurso contra conjunto de propostas para proibir ou limitar comissões, a discutir esta quinta-feira no Parlamento.

Rosa Soares
Rosa Soares 26 de Fevereiro de 2020, 11:21

A possibilidade de proibição de várias comissões bancárias ou a sua limitação em valor e em número, no MB Way e nos contratos de crédito, como a proibição dos custos no processamento das prestações e nas declarações de dívida e de distrate, já tinha merecido a contestação do sector bancário, mas o discurso endureceu. Em comunicado, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) alega que os limites propostos por BE, PAN, PCP, PS e PSD poderão levar os bancos a encerrar mais balcões e a despedir trabalhadores.

A proibição ou a limitação de comissão são “uma condicionante à rentabilidade, obrigando a reduzir ainda mais a estrutura de custos, designadamente com pessoal e rede de balcões”, refere o comunicado.


Na missiva também se lê que as propostas em cima da mesa são “um desincentivo ao investimento em inovação e uma limitação à prestação de determinados serviços em prejuízo do consumidor”, acrescentando que “a prestação de serviços inovadores e cómodos não deve ser confundida com essencialidade e gratuitidade”, numa referência clara ao MB Way.


Segundo a associação, as propostas — a discutir nesta quinta-feira no Parlamento — podem, se forem aprovadas, ser “um factor potenciador da deslocalização da actividade bancária para fora de Portugal, na medida em que prestadores de serviços sediados noutras jurisdições europeias que ofereçam remotamente serviços bancários a consumidores portugueses ficarão à margem das limitações impostas pelo quadro legislativo e regulatório nacional”.

Para além das implicações práticas, a APB reafirma que, “do ponto de vista dos princípios”, as propostas são “incompreensíveis numa economia de mercado; um atropelo ao regime de livre concorrência; uma discriminação negativa para o sector, face ao quadro vigente na União Bancária”.

Em relação “às motivações invocadas nalgumas propostas, designadamente quanto à evolução das comissões”, a associação liderada por Faria de Oliveira refere que “o valor das comissões líquidas reduziu-se de 3,8 mil milhões de euros em 2010 para 2,9 mil milhões em 2018”. E que, desde 2010, “o peso relativo das comissões tem-se mantido em torno de 30%, em linha com aquilo que se observa na média da área do euro”.

As motivações expressas nas propostas vão desde o peso excessivo das comissões à preocupação com os efeitos desses custos no sector, uma vez que podem levar os clientes a optar por novos serviços bancários digitais, oferecidos por entidades estrangeiras.

Como já tem vindo a defender, a APB refere que “o sector bancário português já se encontra sujeito a um conjunto de condicionantes que colocam os bancos em desvantagem competitiva face aos pares europeus e a outros operadores, designadamente a proibição de cobrança de comissões no Multibanco, a proibição de aplicação de taxas de juro negativas nos depósitos e a obrigação de aplicação de taxas negativas no crédito à habitação”, contexto que “condiciona fortemente a atractividade do sector bancário português, comprometendo de forma significativa a execução do negócio bancário a partir de Portugal, com repercussões ao nível do emprego e da criação de prosperidade no nosso país”.

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