Veneno racista
espalha-se na Alemanha
Autor do atentado
de Hanau publicou manifesto neonazi no qual defendia o extermínio da maior
parte do Médio Oriente, Israel incluído, e do norte de África, bem como os
alemães "impuros". Número de extremistas identificados pelas
autoridades subiu um terço.
César Avó
21 Fevereiro 2020
— 00:07
"O racismo é
um veneno, o ódio é um veneno. Este veneno existe na nossa sociedade e já é
culpado por demasiados crimes." Palavras da chanceler Angela Merkel em
reação ao atentado terrorista de quarta-feira à noite em Hanau, cidade que
dista 25 quilómetros de Frankfurt. Um homem de 43 anos, inspirado em ideais
supremacistas e teorias da conspiração, é o mais recente perpetrador de três
tiroteios, tendo matado dez pessoas, mãe incluída.
Na quarta-feira à
noite o alemão Tobias R. atacou dois bares de shisha (cachimbos de água) no
centro de Hanau, tendo matado nove pessoas e ferido seis. Entre os mortos,
cinco são turcos, um é bósnio e outro é búlgaro. Segundo o tabloide Bild, uma
das vítimas é uma mulher de 35 anos, mãe de duas crianças. O atacante fugiu dos
locais dos tiroteios, mas os indícios levaram a polícia à sua casa, onde foi
encontrado morto perto do corpo da sua mãe, ambos com ferimentos de balas.
O ataque
terrorista levado a cabo por Tobias R. foi o segundo mais mortífero da
extrema-direita alemã desde a Segunda Guerra Mundial. Em 1980, um membro da
organização paramilitar Wehrsportgruppe Hoffmann detonou uma bomba na
tradicional festa da cerveja em Munique, a Oktoberfest, tendo matado 12 pessoas
e ferido duas centenas.
Mas não é preciso
recuar décadas para encontrar atividade criminosa ligada à extrema-direita.
Para o diretor da agência federal de investigação criminal (BKA), Sebastian
Fiedler, há "paralelos significativos" com o tiroteio ocorrido em
Halle, em outubro, no qual o autor tentou entrar numa sinagoga, e acabou por
matar duas e ferido gravemente outras duas nas imediações; e com o atentado de
Christchurch, na Nova Zelândia, no qual o terrorista matou 51 pessoas em duas
mesquitas. Todos os casos envolveram pessoas "que se agarram a ideologias
grotescas, de extrema-direita, racistas ou mesmo ideologias que eles próprios inventaram",
disse Fiedler à emissora alemã SWR.
No mesmo sentido
comentou o especialista em contraterrorismo Yan San-Pierre à Deutsche Welle,
que acrescentou: "Ao longo do último ano vimos numerosos grupos
formarem-se no WhatsApp e milícias de menor dimensão com o objetivo de defender
os alemães contra os invasores. Têm surgido cada vez mais desses grupos."
Neonazi e adepto
das teorias de conspiração
No caso de Tobias
R., a sua mente estava atormentada com ideias próprias de um nazi. Num
manifesto de 24 páginas que publicou num site pessoal - entretanto apagado
pelas autoridades - defendia o extermínio de metade da população, a começar
pelo Médio Oriente, Israel incluído, e prosseguindo pelo norte de África, Ásia,
América central e do sul. Os alemães "impuros" também fariam parte da
sua lista.
Mas além da
simpatia pelo genocídio e de "provas sérias que indicam um antecedente
racista para o crime", como disse o procurador-geral, o alemão era adepto
das teorias da conspiração. Dias antes do atentado, publicou um vídeo no qual
alertava os norte-americanos para a existência de bases militares secretas onde
se praticam rituais satânicos que incluem o abuso de crianças.
Uma teoria
semelhante à teoria infundada de extrema-direita (QAnon) de que o presidente
norte-americano, Donald Trump, está a combater de forma secreta os inimigos
ocultos no "Estado profundo" bem como uma rede de tráfico sexual de
crianças chefiada por satânicos e canibais.
No site, Tobias
R. tinha ainda links para teorias da conspiração relacionadas com raptos
realizados por alienígenas. O seu perfil poderá ser inserido no grupo dos
incels, os homens que odeiam mulheres: afirmava nunca ter tido um
relacionamento com uma mulher alegando que estava a ser vigiado pelo governo.
Mas Tobias R. não
tinha qualquer registo criminal nem tinha qualquer investigação nem processos
pendentes, segundo adiantou o gabinete do procurador federal. O suspeito das
dez mortes - ele próprio foi encontrado morto junto ao corpo da mãe com uma
arma - tinha licença de porte de arma desde 2013. Era proprietário de duas
armas e associado do clube de tiro local.
Rede terrorista
desmantelada
Na semana passada
a polícia realizou uma operação em 13 locais de seis estados devido a suspeitas
de uma rede terrorista de extrema-direita. No decorrer das rusgas as
autoridades detiveram 12 de 13 pessoas suspeitas de estarem envolvidas no grupo
terrorista, que planeava ataques contra políticos, requerentes de asilo e
muçulmanos, e em concreto para atacar mesquitas.
O grupo foi
fundado por radicais de extrema-direita em setembro de 2019 e um dos detidos
era um agente administrativo da polícia.
Os grupos
terroristas de extrema-direita têm multiplicado a atividade bem como o número
de participantes. Em junho do ano passado, Walter Lübcke, edil da CDU na cidade
de Kessel que defendia a política para os refugiados da Alemanha, foi
assassinado por um confesso e condenado por crimes de natureza violenta contra
os migrantes.
Depois, em
outubro, como referido acima, um terrorista escolheu o dia do Yom Kipur, uma
das datas centrais do judaísmo, para atacar a sinagoga de Halle.
Em julho de 2018,
Beate Zschäpe, conhecida como a noiva nazi, foi condenada a prisão perpétua
pela participação no grupúsculo neonazi Clandestinidade Nacional-Socialista
(NSU), e responsável por matar dez pessoas, a maioria de ascendência turca,
entre 2000 e 2007. Os outros membros do grupo criminoso suicidaram-se.
Governo responde
com mais meios
O número de
extremistas alemães está em crescimento - uma tendência que acompanha o
crescimento eleitoral do partido Alternativa para a Alemanha (AfD),
anti-imigração e antimuçulmano.
Segundo os
serviços de informações estaduais e federal (BfV) foram identificados em 2019
32 200 extremistas alemães com simpatias de extrema-direita. Em comparação com
2018 o número subiu um terço, ano em que contabilizaram 24 100 extremistas. O
aumento é explicado pelo facto de as autoridades terem incluído a fação mais
extrema da AfD conhecida como Der Flügel (a Ala), bem como a juventude
partidária desse partido.
Em dezembro, o
Estado anunciou a abertura de 600 postos de trabalho para combater as ameaças
da extrema-direita, altura em que a polícia federal disse ter identificado 48
pessoas que poderiam ter feito um ataque terrorista.
No entanto, para
a deputada Irene Mihalic, de Os Verdes, o país não está bem preparado para
fazer face a esta ameaça. "Na Alemanha, o terrorismo de direita tem sido
ignorado pelas autoridades de segurança há demasiado tempo, não lhe tem sido
dada atenção suficiente. Mesmo o terror da NSU não levou a nenhuma mudança
significativa na forma como se opera. Há já algum tempo que nos queixamos de
uma verdadeira fraqueza analítica quando se trata de extremismo de direita.
Muitas coisas são simplesmente olhadas isoladamente, sem ver um contexto maior.
Mas tais atos não acontecem sem contexto. É por isso que é importante
reconhecer as conexões, desenvolver soluções estruturais e olhar de perto para
quem está envolvido com quem", disse em entrevista ao Taz.
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