OPERAÇÃO LEX
Ex-presidente da
Relação usou tribunal para ganhar 280 mil euros com julgamento privado
Vaz das Neves é
suspeito de ter viciado sorteios de processos aos juízes. Está indiciado por
corrupção e abuso de poder na Operação Lex. No processo em que foi árbitro
recebeu 280 mil euros em honorários.
Ana Henriques e
Sónia Trigueirão 27 de Fevereiro de 2020, 6:30
O ex-presidente
do Tribunal da Relação de Lisboa, Vaz das Neves, que tem uma empresa através da
qual presta serviços de arbitragem extrajudicial, usou o salão nobre deste
edifício para um julgamento privado com o qual ganhou 280 mil euros.
Em causa estava
um litígio entre o grupo Altis e o fundo de investimento imobiliário Explorer
relacionado com o Altis Park, unidade hoteleira situada nas Olaias, em Lisboa.
Para conseguir pagar um empréstimo que havia contraído junto do Banco Espírito
Santo, há cerca de oito anos o grupo hoteleiro viu-se forçado a vender aquela
unidade de 300 quartos. Mas ficou com uma opção de recompra, direito que
exerceu anos depois. A disputa centrou-se no valor pelo qual o hotel voltaria
às mãos do Altis.
Ao que o PÚBLICO
apurou, a acção foi considerada de elevada complexidade, tendo o seu valor
acabado por ficar em 55 milhões de euros. Em vez de recorrerem à justiça
tradicional, as duas partes preferiram utilizar uma forma alternativa de
dirimir o diferendo prevista na lei, criando um tribunal arbitral. Cada uma
delas escolheu um árbitro, como é costume nestes casos, tendo o árbitro
presidente sido indicado pelo presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. A
lei prevê que os dirigentes máximos destes tribunais de recurso possam nomear
um jurista de mérito para estas funções.
À frente do
Tribunal da Relação de Lisboa desde 2016, Orlando Nascimento escolheu para
dirimir este conflito o seu antecessor no cargo, Luís Vaz das Neves – apesar de
este se ter jubilado, e de a lei não permitir nem aos juízes no activo nem aos
jubilados receberem pagamentos que não os provenientes do exercício da
magistratura.
Na acta
constitutiva deste tribunal arbitral, datada de Janeiro de 2018, estão
inscritos os honorários dos árbitros, assim como do secretário do julgamento:
um total de 700 mil euros. Determina a lei que o árbitro presidente recebe 40%
do valor total dos honorários e os vogais 30%. Neste caso, Luís Vaz das Neves
recebeu 280 mil euros e os vogais 210 mil cada um. O secretário tem direito a
10 % pagos por cada um dos árbitros.
Mas em vez de ter
funcionado num hotel, num escritório de advogados ou num centro de arbitragem,
como costuma suceder, esta arbitragem voluntária decorreu num local muito
especial: o salão nobre do Tribunal da Relação de Lisboa. Que cedeu
gratuitamente as suas instalações para a resolução de um conflito em que nunca
houve qualquer interesse público.
Actual presidente
recusa explicar motivos
Apesar das
insistências do PÚBLICO, Orlando Nascimento recusou-se a explicar os motivos
desta cedência, que no limite pode configurar um crime de peculato. Limitou-se
a declarar que tem “toda a estima” pelos profissionais que participam nos
julgamentos arbitrais. Também não revelou se já decorreram na Relação de Lisboa
outros julgamentos deste género ou se este foi o primeiro. Já Vaz das Neves disse
que era comum, quando o árbitro é um magistrado, solicitar-se autorização ao
presidente de um tribunal, neste caso da relação, para que o julgamento decorra
naquelas instalações. Aliás, o magistrado até acrescenta que já noutros tempos
um juiz conselheiro realizou um julgamento do género no Supremo Tribunal de
Justiça. Questionado sobre os honorários que lhe foram pagos no caso do Altis,
Vaz das Neves respondeu não ter presente o seu valor.
Para perceber se
é realmente frequente a cedência de instalações judiciais para arbitragens, o
PÚBLICO questionou os dirigentes dos tribunais da relação portugueses e também
o presidente do Supremo. Joaquim Piçarra, que dirige este último tribunal,
garante que nunca cederia estas instalações para tal fim, por entender que a
justiça pública e a privada não devem partilhar os mesmos espaços. “Aqui há
processos judiciais, não há processos arbitrais”, diz por seu turno o
presidente do Tribunal da Relação do Porto. A juíza que dirige a Relação de
Guimarães tem o mesmo entendimento: a justiça alternativa também ali não tem
entrado. Nem na Relação de Évora. Só na Relação de Coimbra houve uma arbitragem,
mas relacionada com a atribuição de indemnizações às vítimas dos incêndios de
Pedrógão pelo Estado português.
Habituada a
participar em arbitragens na qualidade de advogada, a ex-ministra da Justiça
Paula Teixeira da Cruz nunca fez nenhuma nas instalações de um tribunal comum:
“Seria impensável.” Já o presidente da Associação Sindical de Juízes
Portugueses, Manuel Ramos Soares, acha que não faz sentido privados usarem
instalações do Estado para desenvolverem actividades que geram lucro – muito
embora entenda que a lei não o proíbe. Este juiz ignorava que isso estivesse a
acontecer.
Em Maio de 2019,
depois de mais de uma vintena de sessões, Vaz das Neves deu razão ao fundo de
investimento imobiliário. Insatisfeito, o grupo Altis recorreu para a justiça
tradicional e o processo foi distribuído no Tribunal da Relação de Lisboa. Numa
instância onde as secções cíveis são compostas por mais de sete dezenas de
juízes, o caso calhou à companheira de Vaz das Neves, a magistrada Dina
Monteiro, que o recusou por motivos óbvios. O ex-presidente da Relação de
Lisboa garante que o processo lhe foi entregue por sorteio informático.
Sobre Vaz das
Neves recaem suspeitas de interferência na distribuição de dois processos, um
dos quais um recurso de Rui Rangel contra o Correio da Manhã. O magistrado foi
constituído arguido, segundo a agência Lusa, por suspeitas de corrupção e abuso
de poder, no âmbito da Operação Lex, processo em que se investigam também
suspeitas de tráfico de influência, recebimento indevido de vantagem, de branqueamento
e de fraude fiscal.
O juiz
desembargador Rui Rangel, a sua ex-mulher e juíza Fátima Galante e o
funcionário judicial Octávio Correia, todos da Relação de Lisboa, o advogado
Santos Martins e o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, estão entre os
arguidos.
Juiz Vaz das
Neves é arbitro em processo de 40 milhões
O juiz
desembargador e antigo presidente do Tribunal da Relação, Luís Vaz das Neves, é
o árbitro de um processo que opõe a empresa Everjets, empresa de aviação
privada, ao Estado português e que está a ser decidido em tribunal arbitral.
O processo
remonta a 2018 e tem um valor de 39.876.100,00 euros.
Ao PÚBLICO, o
juiz confirmou que efectivamente é o árbitro presidente e explicou que o
processo é complexo e que, neste momento, está parado porque estão a ser feitas
perícias.
Quanto aos seus
honorários disse que não se lembrava do que foi acordado. Vaz das Neves foi
escolhido pela Everjets, uma empresa que pertenceu ao empresário Domingos
Névoa, dono da Bragaparques, que esteve envolvido num polémico caso de
corrupção que acabou prescrito. A Everjets é actualmente gerida pelo genro do
empresário.
Este caso remonta
a Abril de 2018, quando a então Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC)
decidiu interditar o seu hangar no aeródromo de Ponte de Sor (Portalegre), onde
estavam em manutenção três dos helicópteros pesados do Estado, os Kamov.
Na altura a ANPC
justificou o encerramento com o facto de ter sido movimentado material sem a
devida autorização, por parte da Heliavionics, uma empresa subcontratada pela
Everjets, que operava naquelas instalações.
A Everjets veio
imediatamente argumentar que tal decisão tinha graves consequências,
nomeadamente a inoperacionalidade dos três helicópteros Kamov destinados ao
combate aos fogos nesse Verão.
Por isso a
empresa decidiu denunciar o contrato, que já vinha de 6 de Fevereiro de 2015,
para a operação e manutenção dos Kamov com a ANPC. O processo avançou para
tribunal arbitral com a Everjets a exigir quase 40 milhões de euros à ANPC. Sónia
Trigueirão
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