Paulo Pimenta de
Castro
OPINIÃO
Um país que
brinca com o fogo
Este é um país
estranho, onde planos se seguem a reformas, reformas destronam estratégias,
estratégias são contrariadas por planos.
17 de Fevereiro
de 2020, 5:41
Este é um país
estranho, onde se definem planos para a gestão de consequências e não de
causas. Onde se insiste em atacar surtos febris, com um sucesso pavoroso, e não
os focos da infecção. É neste contexto que enquadramos mais um “plano”, desta
vez o denominado Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR).
Desejável seria um plano para a gestão integrada do Território ou do Mundo
Rural. Algo que não se limitasse a uma gestão dos riscos, mas a intervir sobre
os problemas que os potenciam. Curiosamente, a adopção do conceito de fogo
rural, em vez de florestal, surge desfasado no tempo, quando as estatísticas
indicam que os fogos são cada vez mais florestais.
Este é um país
estranho, onde planos se seguem a reformas, reformas destronam estratégias,
estratégias são contrariadas por planos. Como se enquadram as propostas do
PNGIFR com as metas definidas na Estratégia Nacional para as Florestas (ENF),
cuja Resolução do Conselho de Ministros, tanto quanto se sabe, continua a
vigorar? Aliás, como se coadunam as metas da segunda geração de Planos
Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), com as metas estabelecidas na
Estratégia, ou até com as limitações impostas por uma Lei da República,
publicada a 17 de Agosto de 2017? Como se articula o PNGIFR com a “grande
reforma das florestas” do ex-ministro Capoulas Santos? Sobre esta, é árduo
constatar que as críticas feitas em 2016 nos vêm dar razão. Mas, mais
importante, como se coadunam todas estas publicações em Diário da República
(estratégias, reformas, planos) com os princípios e objectivos expostos na Lei
de Bases da Política Florestal, aprovada por unanimidade no Parlamento em 1996?
A atender aos factos no terreno, toda esta produção legislativa converter-se-á,
ela própria, num enorme risco.
Este é um país
estranho, onde se criam instituições para exercer competências que cabiam
perfeitamente em instituições criadas e que se deixam a definhar. Qual o motivo
para a criação da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, IP, quando a
gestão dos riscos se enquadra em medidas de política florestal, que caberiam no
conjunto das competências atribuíveis do Instituto da Conservação da Natureza e
das Florestas, IP? Argumentos não faltarão a favor da criação da AGIF, mas que
se consubstanciam em perigosas falácias. Esta criação terá tido por base o
“princípio” da multiplicação das “capelinhas”?
Este é um país
estranho, onde se pretende subsidiar despesa ad aeternum com as ditas faixas de
gestão de combustível, quando muitas delas se deveriam e poderiam restituir à
obtenção de receita para as famílias, agricultores e proprietários rurais. Fará
sentido subsidiar a limpeza de faixas em torno dos povoados, quando estas
poderiam ser reconvertidas novamente à produção agro-alimentar ou à actividade
silvo-pastoril? Será preferível a aposta em dar o “peixe” ou em investir na
“cana de pesca”?
Este é um país
estranho, onde se insiste em decapitar faixas de solos e abater arvoredo autóctone,
como se faixas de meia dúzia de metros constituíssem barreiras fiáveis perante
projecções em combustão que atingem distâncias de quilómetros. Talvez fosse
recomendável financiar a reconversão do edificado, no sentido de impedir a
penetração dessas projecções. Talvez fizesse mais sentido impedir extensas
manchas continuas de áreas de produção lenhosa. Ou impedir mesmo investimentos
que não cumprissem critérios básicos de natureza técnica, financeira, comercial
e ambiental.
Este é um país
estranho, onde se insiste em discutir combate, prevenção, gestão e ordenamento,
sem se discutir rendimento que os suporte. Aliás, rendimento é algo em que se
insiste em não discutir. Quiçá alicerçado nas portas giratórias que,
recorrentemente, funcionam entre uma indústria irresponsável e os órgãos
governamentais e da Administração.
Se é para criar
novos organismos, há pelos menos dois que fazem uma falta substancial à gestão
integrada dos fogos florestais: uma entidade de extensão, de aconselhamento
técnico e comercial de proximidade; e uma entidade reguladora, impedindo que os
mercados de produtos de base florestal funcionem em concorrência imperfeita,
condicionando a gestão activa, que contenha os riscos.
Este é um país
estranho, onde se multiplicam os anúncios de milhões de euros, sem que existam
relatórios de execução física ou mesmo que disponham de dotação em Orçamento.
Este é um país
estranho, um país que brinca com o fogo.
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