Alojamento local
cresce cinco vezes mais do que a hotelaria
Dormidas em
estabelecimentos de alojamento local subiram 15% em 2019, enquanto os hotéis
registaram um aumento de 3%. Um valor que ainda assim está abaixo da realidade,
defende a associação do setor, que está a trabalhar com o INE na revisão das
estatísticas.
Ana Sanlez
17 Fevereiro 2020
— 07:00
Num ano em que o
turismo bateu todos os recordes em Portugal, o alojamento local (AL) não foi
exceção. Os números da atividade turística de 2019, publicados nesta
sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que as
dormidas neste tipo de estabelecimentos já representam mais de 14% do total de
pernoitas de visitantes.
Pela primeira vez
no ano passado, o número de dormidas em AL ultrapassou a fasquia dos dez
milhões. O crescimento face ao ano anterior foi de 15%, cinco vezes mais do que
o aumento de 3,1% registado na hotelaria tradicional.
A escalada do AL
não fica só pelas dormidas. Também no capítulo dos proveitos totais a subida
face a 2018 foi expressiva e superior à da hotelaria. Os proveitos do
alojamento local aumentaram 20,6% em 2019, para mais de 377 milhões de euros.
Na hotelaria tradicional, a subida foi de 6%, para 3,7 mil milhões de euros.
O balanço do INE
ainda é provisório e só em março serão conhecidos os números finais. Além
disso, estes valores escondem a verdadeira realidade do setor em Portugal,
alerta Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em
Portugal (ALEP). Isto porque o INE contabiliza apenas os estabelecimentos de
alojamento local com dez ou mais camas. O que, segundo Eduardo Miranda, representa
apenas 20% do total de camas e cerca de 10% dos estabelecimentos de AL em
Portugal. Só a partir do final deste ano, graças a uma parceria entre o INE, o
Turismo de Portugal e a ALEP, passará a ser possível pintar o retrato fiel do
setor.
"Os números do
AL ainda estão a ser integrados nas estatísticas oficiais do INE, que hoje
revelam apenas a ponta de um icebergue. Esse processo está atualmente numa fase
intermédia e quando estiver concluído será fundamental para se conhecer o
verdadeiro peso do AL no turismo. Vai ter um impacto grande nos números",
antecipa Eduardo Miranda ao DV.
As últimas contas
da ALEP, com base nas receitas da taxa turística, permitem vislumbrar o que aí
vem. "No Porto o AL já representa cerca de dois terços das dormidas e em
Lisboa ultrapassa os 50%", revela o responsável.
Para Eduardo
Miranda, "os números significam que o AL se transformou no pilar do
turismo" e são um sinal claro de que "a procura quer este tipo de
oferta". Numa altura em que o setor se prepara para a entrada em vigor do
agravamento da tributação dos imóveis situados em zonas de contenção, previsto
no Orçamento do Estado, o responsável da ALEP sinaliza que "é preciso ter
cuidado com as medidas que penalizam o AL, porque estamos a afetar uma fatia
importante do turismo nacional".
Eduardo Miranda
salienta ainda que o crescimento conjunto do AL e da hotelaria "é muito
positivo", pois quer dizer que "o crescimento do turismo nos últimos
três ou quatro anos não teria sido possível sem o AL, porque não haveria capacidade
de oferta para tanta procura".
No final do ano
passado, havia perto de 92 mil unidades de alojamento local registadas no
Turismo de Portugal. Em 2019, o país recebeu 27 milhões de turistas, um máximo
histórico. Contabilizaram-se no mesmo ano perto de 70 milhões de dormidas.
Espanha, Reino Unido e França continuam a ser os principais mercados emissores
de visitantes para Portugal.
Habitação
permanente e alojamento local
Não creio que um
fenómeno como este se resolva com leis “cirúrgicas” como a que o PS acaba de
propor.
HELENA ROSETA
27 de Maio de
2017, 6:28
A iniciativa
“cirúrgica” de deputados do PS sobre o alojamento local, obrigando a ouvir os
condomínios, está a suscitar reacções opostas. Entre as associações de
proprietários, a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) critica
veementemente o projecto de lei e a Associação Nacional de Proprietários (ANP)
concorda com ele. A Associação de Alojamento Local (ALEP) considera a proposta
inconstitucional e desajustada.
Em matérias como
esta, que têm impactos diferentes e até opostos, é impossível o consenso. O
Alojamento Local (AL) é sem dúvida uma forma de promover o turismo e de
permitir a pequenos proprietários um rendimento adicional. Mas a conjunção de
factores que levou ao disparar desta modalidade de alojamento está a ter
efeitos negativos em zonas históricas de várias cidades, contribuindo para a
rarefacção e sobreaquecimento do mercado de alojamento permanente. Há
freguesias em que os moradores estão a ser expulsos por mudança de
proprietários, cessações de contratos, despejos e transformações de uso, com as
novas rendas a atingirem valores inalcançáveis ou mesmo a deixarem de existir.
Há quem já só consiga arrendar casas à semana.
Se não podemos
ignorar os impactos positivos do AL, quando é motor da reabilitação urbana ou é
gerido por pequenos proprietários individuais que procuram respeitar o direito
ao sossego dos vizinhos, também não podemos fechar os olhos à mudança
vertiginosa que está a ocorrer nos centros das nossas cidades, onde uma
sensação de ameaça e desamparo começa a apoderar-se de muitos moradores.
Queremos cidades abertas e cosmopolitas, mas é preciso salvaguardar os seus
habitantes e atrair novos residentes permanentes.
Perante esta
equação difícil, os municípios estão como David perante Golias — as pressões no
mercado imobiliário, financeiro e turístico são globais, as respostas das
câmaras são meramente locais. As mudanças estão a ser muito rápidas e o
desequilíbrio é evidente.
Não creio que um
fenómeno como este, em que as plataformas de interacção entre oferta e procura
também desempenham um papel decisivo, contribuindo para a sua expansão e
aceleração, se resolva com leis “cirúrgicas” como a que o PS acaba de propor.
Para legislar melhor, temos de conhecer bem os problemas, estudar os seus
impactos, sobretudo quando são contraditórios, e ouvir as partes interessadas.
Não foi este o caminho agora seguido pelo projecto de lei do PS e é pena.
Mas o debate está
aberto. A este projecto de lei irão certamente seguir-se propostas dos outros
partidos e será no Parlamento, na discussão entre todas as iniciativas, que
poderá chegar-se a uma lei que seja útil e tão justa quanto possível. Para os
que acreditam que as leis só atrapalham o mercado, respondo que em muitas
cidades da Europa e dos EUA esta matéria está a ser alvo de propostas políticas
de intervenção, umas mais radicais que outras, face ao alastramento vertiginoso
do AL que faz diminuir perigosamente o mercado de habitação permanente e
acessível, pondo em causa a própria sustentabilidade urbana.
Estamos, em minha
opinião, perante uma clara falha de mercado do arrendamento urbano, que a
liberalização do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) levada a efeito pelo
Governo anterior não foi capaz de evitar. A solução não passa por sucessivas
alterações pontuais do NRAU, nem por emendas cirúrgicas de outra legislação.
A nossa
Constituição estabelece, no seu artigo 65.º, que “o Estado adoptará uma
política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento
familiar e de acesso à habitação própria”. O acesso à habitação própria
absorveu, do final dos anos 80 até ao século XXI, 73,3% do investimento público
através da bonificação de juros. Os incentivos ao arrendamento consumiram
apenas 8,4%. É este desequilíbrio prolongado das políticas públicas que, somado
às recentes transformações do mercado, tem de ser questionado.
É preciso encarar
esta temática de forma transversal — a fiscalidade, as políticas sociais, o
ordenamento do território e das cidades, o papel do Estado e dos municípios e o
acesso a informação de mercado transparente e credível são aspectos que não
podemos ignorar. A questão não é apenas de habitação — é de convergência nas
políticas e de harmonia nas cidades. Mais do que propor medidas avulsas, temos
de identificar o que tem de ser mudado ao mesmo tempo em várias políticas
públicas. É este o debate que importa e é cada vez mais urgente.
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