segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Alojamento local cresce cinco vezes mais do que a hotelaria / Habitação permanente e alojamento local



Alojamento local cresce cinco vezes mais do que a hotelaria

Dormidas em estabelecimentos de alojamento local subiram 15% em 2019, enquanto os hotéis registaram um aumento de 3%. Um valor que ainda assim está abaixo da realidade, defende a associação do setor, que está a trabalhar com o INE na revisão das estatísticas.

Ana Sanlez
17 Fevereiro 2020 — 07:00

Num ano em que o turismo bateu todos os recordes em Portugal, o alojamento local (AL) não foi exceção. Os números da atividade turística de 2019, publicados nesta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que as dormidas neste tipo de estabelecimentos já representam mais de 14% do total de pernoitas de visitantes.

Pela primeira vez no ano passado, o número de dormidas em AL ultrapassou a fasquia dos dez milhões. O crescimento face ao ano anterior foi de 15%, cinco vezes mais do que o aumento de 3,1% registado na hotelaria tradicional.

A escalada do AL não fica só pelas dormidas. Também no capítulo dos proveitos totais a subida face a 2018 foi expressiva e superior à da hotelaria. Os proveitos do alojamento local aumentaram 20,6% em 2019, para mais de 377 milhões de euros. Na hotelaria tradicional, a subida foi de 6%, para 3,7 mil milhões de euros.

O balanço do INE ainda é provisório e só em março serão conhecidos os números finais. Além disso, estes valores escondem a verdadeira realidade do setor em Portugal, alerta Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP). Isto porque o INE contabiliza apenas os estabelecimentos de alojamento local com dez ou mais camas. O que, segundo Eduardo Miranda, representa apenas 20% do total de camas e cerca de 10% dos estabelecimentos de AL em Portugal. Só a partir do final deste ano, graças a uma parceria entre o INE, o Turismo de Portugal e a ALEP, passará a ser possível pintar o retrato fiel do setor.

"Os números do AL ainda estão a ser integrados nas estatísticas oficiais do INE, que hoje revelam apenas a ponta de um icebergue. Esse processo está atualmente numa fase intermédia e quando estiver concluído será fundamental para se conhecer o verdadeiro peso do AL no turismo. Vai ter um impacto grande nos números", antecipa Eduardo Miranda ao DV.

As últimas contas da ALEP, com base nas receitas da taxa turística, permitem vislumbrar o que aí vem. "No Porto o AL já representa cerca de dois terços das dormidas e em Lisboa ultrapassa os 50%", revela o responsável.

Para Eduardo Miranda, "os números significam que o AL se transformou no pilar do turismo" e são um sinal claro de que "a procura quer este tipo de oferta". Numa altura em que o setor se prepara para a entrada em vigor do agravamento da tributação dos imóveis situados em zonas de contenção, previsto no Orçamento do Estado, o responsável da ALEP sinaliza que "é preciso ter cuidado com as medidas que penalizam o AL, porque estamos a afetar uma fatia importante do turismo nacional".

Eduardo Miranda salienta ainda que o crescimento conjunto do AL e da hotelaria "é muito positivo", pois quer dizer que "o crescimento do turismo nos últimos três ou quatro anos não teria sido possível sem o AL, porque não haveria capacidade de oferta para tanta procura".

No final do ano passado, havia perto de 92 mil unidades de alojamento local registadas no Turismo de Portugal. Em 2019, o país recebeu 27 milhões de turistas, um máximo histórico. Contabilizaram-se no mesmo ano perto de 70 milhões de dormidas. Espanha, Reino Unido e França continuam a ser os principais mercados emissores de visitantes para Portugal.

Habitação permanente e alojamento local


Não creio que um fenómeno como este se resolva com leis “cirúrgicas” como a que o PS acaba de propor.

HELENA ROSETA
27 de Maio de 2017, 6:28

A iniciativa “cirúrgica” de deputados do PS sobre o alojamento local, obrigando a ouvir os condomínios, está a suscitar reacções opostas. Entre as associações de proprietários, a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) critica veementemente o projecto de lei e a Associação Nacional de Proprietários (ANP) concorda com ele. A Associação de Alojamento Local (ALEP) considera a proposta inconstitucional e desajustada.

Em matérias como esta, que têm impactos diferentes e até opostos, é impossível o consenso. O Alojamento Local (AL) é sem dúvida uma forma de promover o turismo e de permitir a pequenos proprietários um rendimento adicional. Mas a conjunção de factores que levou ao disparar desta modalidade de alojamento está a ter efeitos negativos em zonas históricas de várias cidades, contribuindo para a rarefacção e sobreaquecimento do mercado de alojamento permanente. Há freguesias em que os moradores estão a ser expulsos por mudança de proprietários, cessações de contratos, despejos e transformações de uso, com as novas rendas a atingirem valores inalcançáveis ou mesmo a deixarem de existir. Há quem já só consiga arrendar casas à semana.

Se não podemos ignorar os impactos positivos do AL, quando é motor da reabilitação urbana ou é gerido por pequenos proprietários individuais que procuram respeitar o direito ao sossego dos vizinhos, também não podemos fechar os olhos à mudança vertiginosa que está a ocorrer nos centros das nossas cidades, onde uma sensação de ameaça e desamparo começa a apoderar-se de muitos moradores. Queremos cidades abertas e cosmopolitas, mas é preciso salvaguardar os seus habitantes e atrair novos residentes permanentes.

Perante esta equação difícil, os municípios estão como David perante Golias — as pressões no mercado imobiliário, financeiro e turístico são globais, as respostas das câmaras são meramente locais. As mudanças estão a ser muito rápidas e o desequilíbrio é evidente.

Não creio que um fenómeno como este, em que as plataformas de interacção entre oferta e procura também desempenham um papel decisivo, contribuindo para a sua expansão e aceleração, se resolva com leis “cirúrgicas” como a que o PS acaba de propor. Para legislar melhor, temos de conhecer bem os problemas, estudar os seus impactos, sobretudo quando são contraditórios, e ouvir as partes interessadas. Não foi este o caminho agora seguido pelo projecto de lei do PS e é pena.

Mas o debate está aberto. A este projecto de lei irão certamente seguir-se propostas dos outros partidos e será no Parlamento, na discussão entre todas as iniciativas, que poderá chegar-se a uma lei que seja útil e tão justa quanto possível. Para os que acreditam que as leis só atrapalham o mercado, respondo que em muitas cidades da Europa e dos EUA esta matéria está a ser alvo de propostas políticas de intervenção, umas mais radicais que outras, face ao alastramento vertiginoso do AL que faz diminuir perigosamente o mercado de habitação permanente e acessível, pondo em causa a própria sustentabilidade urbana.

Estamos, em minha opinião, perante uma clara falha de mercado do arrendamento urbano, que a liberalização do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) levada a efeito pelo Governo anterior não foi capaz de evitar. A solução não passa por sucessivas alterações pontuais do NRAU, nem por emendas cirúrgicas de outra legislação.

A nossa Constituição estabelece, no seu artigo 65.º, que “o Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria”. O acesso à habitação própria absorveu, do final dos anos 80 até ao século XXI, 73,3% do investimento público através da bonificação de juros. Os incentivos ao arrendamento consumiram apenas 8,4%. É este desequilíbrio prolongado das políticas públicas que, somado às recentes transformações do mercado, tem de ser questionado.

É preciso encarar esta temática de forma transversal — a fiscalidade, as políticas sociais, o ordenamento do território e das cidades, o papel do Estado e dos municípios e o acesso a informação de mercado transparente e credível são aspectos que não podemos ignorar. A questão não é apenas de habitação — é de convergência nas políticas e de harmonia nas cidades. Mais do que propor medidas avulsas, temos de identificar o que tem de ser mudado ao mesmo tempo em várias políticas públicas. É este o debate que importa e é cada vez mais urgente.

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