Roubos,
agressões, droga. Moradores da Mouraria vivem com medo
Quem nasceu e
vive na Mouraria garante que o bairro está a mudar. Os mais velhos ficam em
casa com medo, os jovens têm de ser acompanhados à escola. Dizem-se
desprotegidos e pedem, numa petição, mais vigilância ao governo.
Rita Rato Nunes
05 Fevereiro 2020
— 12:06
Maria contrai os
músculos da cara, arregala os olhos e cerra a boca. Como se o enfrentasse de
novo. "Ainda na sexta-feira, estava à espera do meu neto para o levar para
a escola, às 08.00, e vejo um desses que andam a roubar. Ele estava a olhar
para dois miúdos no multibanco. Percebi logo. Pus-me a olhar para ele e
chamei-o: anda cá. E ele fugiu. Já me conhece, sabe que eu sei quem ele
é", declara prontamente Maria (de 58 anos), que mora na Mouraria desde
sempre.
Fala em
agressões, em ameaças, roubos, prostituição e aumento do consumo de drogas,
principalmente na Rua da Mouraria e da saída do metro do Martim Moniz até à Rua
dos Cavaleiros, durante a noite e a madrugada. Refere-se ainda a outras ruas,
mais interiores e estreitas, que ensaiam a forma de becos, onde não passa tanta
gente, mesmo de dia. A exceção ainda são os turistas, que vão descobrindo novos
fascínios em frente às paredes pintadas com retratos de Amália Rodrigues. Já os
moradores mais velhos deixam-se ficar por casa e os mais novos não podem andar
sozinhos, explica Maria. Tal como está na petição "Pela segurança do
bairro da Mouraria", que os moradores decidiram fazer para pedir ao
ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, mais atenção ao que se
passa no bairro lisboeta. Entregaram-na nesta quarta-feira no ministério às
12.00 com o apoio da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior.
"Vive-se,
diariamente, um clima de medo, justificado tanto pela presença de elementos
ameaçadores e desestabilizadores como pelo conhecimento de tantos casos de
violência. A população não se sente segura para sair livremente de casa ou do
trabalho e fazer as suas atividades diárias com normalidade", explicam os
moradores, na petição. "Não se pode ter a roupa estendida. Roubam-me a
roupa, durante o dia", acrescenta, como exemplo, Maria. Vive com uma das
suas netas, de 18 anos, que leva até ao metro de manhã para garantir que a
jovem chega em segurança à escola. "Vou todos os dias às 06.25, porque
eles ainda estão por aqui."
André Sousa, de
28 anos, apanha o mesmo transporte, quando faz o primeiro turno como segurança
noutra estação de metro e as queixas são idênticas. Dizem que estas situações
são quase diárias e que foram incentivadas pelo encerramento da 6.ª Esquadra da
PSP, em 2014. Sem policiamento, a prostituição também aumentou, transferiu-se
do bairro do Intendente, e, em muitos casos, esta é um disfarce para um esquema
de assalto, contam Maria e André, que apontam nomes, caras, etnias e o local
onde para cada uma destas pessoas, que não pertencem ao bairro, garantem.
Confessam que já não chamam a polícia com tanta frequência, porque "não
mudava nada e demoram sempre muito tempo a chegar, quando vêm".
Numas ruas mais à
frente fica a associação Renovar a Mouraria, que trabalha na reabilitação do
bairro tentando manter o seu espírito vivo. Não ouviram falar na onda de
assaltos, não mais do que o habitual e motivado pelo aumento do turismo, ou
seja, do número de pessoas que frequentam o bairro, já na sua génese muito
diverso, com uma grande mistura de etnias. No entanto, em relação às drogas,
"deparamo-nos com o aumento do consumo a céu aberto", diz uma das
responsáveis pela associação. Seringas no chão, compra e venda de
estupefacientes, refere.
Mais polícias,
pedem
O presidente da
Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, eleito pelo Partido
Socialista, apoia a iniciativa, porque tem "consciência de que há um
problema em parte do território da Mouraria, uma vez que se registam quase
diariamente situações de assaltos violentos e as pessoas andam alarmadas",
indica ao DN. Por isso, juntou-se aos proponentes e foi até à porta do
Ministério da Administração Interna para dar força às palavras do seu
eleitorado.
Miguel Coelho
considera que o encerramento da 6.ª Esquadra "foi um erro" e diz ter
"solicitado mais policiamento para esta zona", mas respondem-lhe com
a falta de recursos humanos.
Na petição, os
moradores concretizam as suas exigências: querem "o reforço do
policiamento de proximidade a pé diurno e noturno, não só nas zonas limites mas
dentro das artérias do bairro". Pedem ainda urgência na resolução deste
problema "aplicando as medidas necessárias para assegurar à comunidade a
tranquilidade e segurança essenciais para o bem-estar de cada cidadão". As
premissas não andam muito longe daquilo que, em 2017, os moradores do bairro do
Intendente pediam, também num abaixo-assinado sobre o excesso de droga e
prostituição, que viram ser debatido numa reunião da Câmara Municipal de
Lisboa.
Nascidos e
criados na Mouraria
Trinta anos
separam Maria e André. Pertencem a duas gerações diferentes e olham para o
bairro com essas diferenças, mas a ideia da vida partilhada com os vizinhos não
se altera com a idade. A ideia de bairro. A rua, as festas, as conversas e até
o fado. Maria, que vive num rés-do-chão baixo, deixava as portas e as janelas
abertas, até para ir ao café. "Podia ir de férias e deixar a casa
aberta", exagera. E Mário brincava na rua e por ali andava sozinho,
vigiado ora por um vizinho ora por outro.
Mas se é para
falar sobre amor à Mouraria, até as reservas de António (de 72 anos), que tem
estado a ouvir a conversa junto à porta da Casa-Museu Fernando Maurício, são
postas de lado. Aproxima-se para dizer que também ele ali nasceu, que a mãe deu
à luz 21 filhos, poucos lotes à frente, que aqui cresceu e nunca se foi embora.
"Somos daqui. Como o Fernando", aponta António. Fernando é Fernando
Maurício - o "rei do Fado da Mouraria". É na casa dele que nos
encontramos, numa sala que homenageia uma vida dedicada ao fado a partir do
bairro lisboeta, e onde todas as paredes têm declarações de amor à Mouraria,
através dos poemas cantados do "rei":
"Se o destino está marcado
E só por ele
vivemos,
O bairro onde
nascemos,
Também lhe anda
ligado;
Não me sinto
malfadado,
Nem maldigo a
condição,
Que desde o berço
é razão,
Desta minha
nostalgia,
Eu nasci na
Mouraria,
Na Rua do Capelão."
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