Revolta em Carnide. Capacetes na cabeça e "mãos à
obra" contra o fecho da esquadra da PSP
Desde outubro que
a esquadra da PSP de Carnide está fechada por falta de condições. A decisão foi
do MAI, com base num relatório que não determinava o encerramento. A população
desespera e a junta de freguesia até se ofereceu para ajudar a pagar as obras.
Valentina
Marcelino
13 Fevereiro 2020
— 17:23
Oito esquadras da PSP em Lisboa vão fechar portas
Fábio Sousa, o
jovem presidente da junta de freguesia de Carnide, é interpelado por populares
várias vezes, enquanto fala ao DN. Querem saber se a esquadra da PSP vai mesmo
continuar fechada e não se conformam. "Faz aqui muita falta Sr. Presidente,
muita falta, agora já nem saímos à noite, não nos sentimos seguros",
lamenta Alice Raposo, moradora das habitações por detrás da esquadra, fechada
há quatro meses por insalubridade e degradação das instalações. O autarca está
disponível para ajudar a financiar as obras, mas nem assim convence o
ministério da Administração Interna (MAI) que ditou a sentença de 'morte'.
Outros residentes
juntam-se à conversa em frente ao edifício encerrado. Na porta envidraçada tem
colado um aviso: "O atendimento nesta esquadra encontra-se temporariamente
suspenso. Dirija-se à esquadra mais próxima no Centro Comercial Colombo, no
Bairro Padre Cruz ou no Bairro da Horta Nova."
Esquadra servia
30 mil habitantes
Os populares
recordam que aquele conjunto de habitações municipais até já se chamou em
tempos o "Bairro da Polícia", por ser a residência de muitos agentes
reformados. Maria Ferro Nazaré, que foi polícia de trânsito, vive ali com o
marido, Joaquim Ferro, e ambos acenam a cabeça com agrado quando ouvem Fábio
Sousa a dizer que está a ser organizado um protesto, na próxima segunda-feira,
dia 17, mesmo ali em frente à esquadra vazia. "Vamos estar todos com
capacetes na cabeça e dizer que estamos prontos para por mãos à obra",
sublinha esta autarca que se destacou em 2018 quando, juntamente com
residentes, arrancou parquímetros da EMEL (o caso foi arquivado mas teve de
indemnizar a empresa em 1100 euros).
Esta esquadra
serve uma população de cerca de 30 mil habitantes, numa área muito movimentada
da cidade, que conta com grandes plataformas comerciais, hospitais, muito
comércio e salas de espetáculos. Está muito próxima da zona histórica da freguesia,
onde a população é idosa com grande necessidade de acompanhamento e assistência
de proximidade, o que neste momento se encontra inviabilizado.
Esta esquadra serve uma população de cerca de 30 mil
habitantes, numa área muito movimentada da cidade, que conta com grandes
plataformas comerciais, hospitais, muito comércio e salas de espetáculos. Está
muito próxima da zona histórica da freguesia, onde a população é idosa com
grande necessidade de acompanhamento e assistência de proximidade, o que neste
momento se encontra inviabilizado.
Os cerca de 70
agentes que ali estavam colocados foram distribuídos pelas pequenas esquadras
da Horta Nova e Padre Cruz, mais distantes na freguesia, com capacidade apenas
para 10/15 agentes. "Temos de trocar de roupa na sala do comandante",
refere a Fábio Sousa um agente que fazia o seu giro sozinho (o colega faltou e
não havia quem o substituísse) na rua. A esquadra de Carnide tinha uma sala
própria de atendimento à vítima e agora não existe nenhuma. "Ainda no outro
dia tivemos que atender uma vítima de violência doméstica na sala do
comandante", desabafa o agente que confirma ao autarca o mal-estar dos
agentes.
uma petição com quatro mil assinaturas foi entregue na
Assembleia da República; duas moções a reivindicar ao MAI a reabertura da
esquadra aprovadas por todas as forças políticas na assembleia de freguesia e
na assembleia municipal.
Desde que recebeu
a notícia do encerramento "já como facto consumado" no dia 16 de
outubro passado, Fábio Sousa desdobra-se em iniciativas e tem conseguido
mobilizar muitos apoios para a sua nova batalha: uma petição com quatro mil
assinaturas foi entregue na Assembleia da República; duas moções a reivindicar
ao MAI a reabertura da esquadra aprovadas por todas as forças políticas na assembleia
de freguesia e na assembleia municipal.
O que não bate
certo
O presidente da
freguesia teve acesso ao relatório da delegada de saúde, que mostrou ao DN, e
há algumas coisas que não batem certo com a decisão do MAI. Primeiro, "em
parte alguma é determinado o encerramento da esquadra, mas apenas que se façam
obras". E cita as conclusões: "Considera-se que as condições de
salubridade deste local devem ser respostas com a brevidade necessária,
merecendo primazia a resolução da questão que se prende com os coletores de
águas residuais e consequente aparecimento de baratas". Este relatório
assinala o facto de "as condições de habitabilidade da PSP - 42ª esquadra
- Carnide" estarem "seriamente comprometidas, configurando situação
de insalubridade atentatória do bem-estar e saúde a que os funcionários e o
público em geral se reservam".
Considera-se que as condições de salubridade deste local
devem ser respostas com a brevidade necessária, merecendo primazia a resolução
da questão que se prende com os coletores de águas residuais e consequente
aparecimento de baratas
Segundo, este
relatório foi feito a 19 de agosto de 2019 - dois meses antes do encerramento -
e enviado à Câmara Municipal de Lisboa, proprietária do edifício e à PSP. Fábio
Sousa não compreende "porque ninguém disse nada, nem se fizeram as obras
necessárias. O 'senhorio', a câmara, foi informado. Quando eu soube, já tinha
fechado e pronto".
Terceiro, o
autarca quer acreditar que "seja só mesmo coincidência", mas "o
facto é que a ordem de fecho só veio depois das eleições legislativas (a cinco
de outubro)". Fábio Sousa hesita quando perguntamos se há leituras
políticas a fazer, tendo também em conta que a junta de freguesia de Carnide é
a única de Lisboa liderada pelos comunistas, já no segundo mandato com maioria
absoluta. "Quero acreditar que não, mas é evidente a falta de capacidade
de diálogo entre a junta, a câmara e o governo", afiança.
Em resposta à TSF, em janeiro, depois de uma visita ao
local, pouco animadora, do secretário de Estado da Administração Interna,
Antero Luís, o ministério disse que "a decisão sobre o futuro da esquadra
da PSP de Carnide será tomada no âmbito de um trabalho mais amplo sobre o
reordenamento do dispositivo na cidade de Lisboa", em articulação com a Câmara.
a decisão sobre o
futuro da esquadra da PSP de Carnide será tomada no âmbito de um trabalho mais
amplo sobre o reordenamento do dispositivo na cidade de Lisboa
O autarca
convidou Antero Luís para estar presente no protesto de dia 17 e "explicar
às pessoas cara a cara porque a esquadra não tem viabilidade".
Carnide fora da
"lista negra"
Na verdade,
esquadra de Carnide estava fora da lista de esquadras a encerrar no âmbito dos
planos de reorganização da PSP. Um de 2011 (governo PSD/CDS) a que o DN teve
acesso na altura, previa o fecho de 13 das 34 esquadras existentes na cidade,
de acordo com três critérios principais: elevado valor da renda, baixa
produtividade e más instalações. A esquadra de Carnide não cumpria nenhum: era
um dos postos com maior registo de ocorrências da comando de Lisboa; a renda
era baixa pois é um edifício municipal e, na altura, não havia ainda problemas
com as instalações.
Em 2016, já com o
governo PS, a então ministra da Administração Interna também anunciou o
encerramento de oito esquadras em Lisboa, entre as quais as da Horta Nova e do
Bairro Padre Cruz. A de Carnide também não estava na lista.
Presentemente só
a questão da degradação do edifício se coloca o que, como frisou Fábio Sousa,
"pode facilmente ser resolvido. É só meter mãos à obra!". Em
comunicado divulgado esta quinta-feira, o autarca sublinha que "neste
momento, a Junta de Freguesia de Carnide está em condições de assegurar a
requalificação da Esquadra da PSP". Por isso, continua, "a população
vai reunir-se em frente da mesma por forma a mostrar o quão mobilizados
estamos, todos, neste momento fundamental para a devolução da segurança às ruas
de Carnide".
Fábio Sousa deixa
ainda um "convite ao Sr. Ministro da Administração Interna, Eduardo
Cabrita, e ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina,
para confiarem, novamente, à Junta de Freguesia de Carnide, as chaves de um
equipamento local para requalificação".
O DN já
questionou a PSP, o MAI e a CML sobre esta situação e está a aguardar a
resposta.
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