Quase 30% do que
a consultora de Vitorino recebeu foi pago por empresa suspeita de corrupção
Entre 2012 e
2018, a empresa que o actual director-geral da Organização Internacional para
as Migrações tem com a mulher arrecadou 912 mil euros. Político terá recebido
directamente 70 mil euros de uma sociedade de advogados espanhola, que não
declarou pagamentos ao fisco de Espanha.
Mariana Oliveira
5 de Fevereiro de 2020, 7:00
António Vitorino,
ex-ministro português e actual director-geral da Organização Internacional para
as Migrações (OIM), tem desde final de 2011 uma empresa de consultadoria com a
mulher, que terá recebido três transferências de 255 mil euros, realizadas entre
2012 e 2016, por uma sociedade de advogados espanhola, a Morodo Abogados,
investigada em Espanha por suspeitas de participar num esquema de corrupção que
envolve a petrolífera estatal venezuelana, a PVDSA. O valor recebido pela EMAB
Consultores, Lda, detida em partes iguais por Vitorino e pela mulher,
representa 28% do total de receitas arrecadadas pela empresa entre 2012 e 2018,
segundo os relatórios de contas da empresa a que o PÚBLICO teve acesso.
As três transacções
não serão as únicas operações suspeitas que a Justiça espanhola está a
analisar, já que nos documentos divulgados pelo jornal digital espanhol
OkDiario no passado domingo, também são referidos dois pagamentos de 35 mil
euros, um feito em 2011 e outro em 2012, que terão tido António Vitorino como
destinatário directo. Estas operações terão sido efectuadas por uma outra
sociedade, a Aequitas Abogados y Consultores, que recebeu verbas avultadas
directamente da petrolífera venezuelana.
Ao todo, António
Vitorino terá recebido pelo menos 325 mil euros das duas empresas espanholas,
revelam documentos oficiais da unidade de apoio da “Fiscalia” Especial contra a
Corrupção e a Criminalidade Organizada, uma estrutura similar ao Departamento
Central de Investigação e Acção Penal, em Portugal.
A investigação,
que é dirigida por um juiz da Audiência Nacional espanhola, está centrada nas
suspeitas de corrupção que visam um ex-embaixador espanhol na Venezuela, Raúl
Morodo, e o filho deste, Alejo, ambos igualmente suspeitos de branqueamento de
capitais. Alejo Morodo, que é advogado e tem uma sociedade com o pai – a tal
Morodo Abogados -, é casado com a filha do antigo político português Manuel
Dias Loureiro, também referenciada nas investigações. O filho do antigo embaixador,
que também liderou a Embaixada de Espanha em Lisboa durante vários anos, foi um
dos quatro detidos neste processo, em Maio do ano passado.
Contactado pelo
PÚBLICO nesta segunda-feira, António Vitorino respondeu só nesta terça-feira,
admitindo que prestou serviços de consultadoria “em assuntos referentes à União
Europeia e às relações entre Portugal e Espanha” a uma das duas sociedades de
advogados mencionadas na notícia do OkDiario. Vitorino não especifica qual, mas
depreende-se que se trata da Morodo Abogados para a qual Vitorino admite ter
trabalhado entre 2011 e 2017.
No entanto, nos
documentos agora conhecidos apenas estão referidas três transferências
provenientes daquela empresa realizadas entre 2012 e 2016: uma de 102 mil euros
feita em Outubro de 2012, outra do mesmo valor em Abril de 2014 e uma terceira
de 51.200 euros em 2016. As duas primeiras foram justificadas ao Banco
Santander Totta, que as recebeu, como “prestações de serviços profissionais de
consultadoria em relações internacionais e assuntos europeus”.
Em 2012, a
consultora de Vitorino declarou ter recebido quase 272 mil euros, tendo
apresentado o resultado líquido mais alto do seu historial. No ano seguinte,
aumenta os gastos com pessoal (passa a ter dois funcionários a tempo inteiro)
apesar de ter arrecadado apenas 103 mil euros. As receitas voltam a subir em
2014 para os 136 mil euros e, no ano seguinte, para os 186 mil. Apesar de os
gastos com pessoal aumentarem quase todos os anos desde 2012 - atingem o custo
máximo em 2017 com mais de 65 mil euros – o negócio cai a pique a partir de
2016.
Em 2017,
contabiliza o pior ano de sempre com 25.500 euros de receitas, que contrastam
com os mais de 125 mil euros de gastos com pessoal e serviços. Por isso, nesse
ano a EMAB regista mais de 103 mil euros de défice, tendo em 2018 terminado o
ano com um resultado negativo de mais de 44 mil euros.
Luvas de 4,4
milhões
Num primeiro comunicado
emitido no final do mês passado depois de um artigo do El Mundo referir o
envolvimento de Vitorino e da EMAB no caso (texto que foi replicado em vários
meios de comunicação social), Vitorino reconhecia ter sido sócio-gerente
daquela consultora portuguesa, que, realçava, “se encontra suspensa e sem
qualquer actividade desde 2018”. E acrescentava: “Em momento algum esses
serviços de consultadoria tiveram qualquer relação com a Venezuela, pelo que é
totalmente abusivo estabelecer uma ligação da mesma com um alegado desvio de 35
milhões de euros a que alude a notícia.” Em causa estavam luvas que a
petrolífera terá pago, cerca de 4,4 milhões dos quais terão sido recebidas
pelos Morodo.
O antigo
comissário europeu nada diz quanto à outra sociedade, a Aequitas Abogados, de
quem terá recebido 70 mil euros em duas transacções que esta empresa não terá
declarado ao fisco espanhol. Na resposta que enviou ao PÚBLICO, Vitorino
reconhece conhecer Raúl e Alejo Morodo, os dois sócios da Morodo Abogados, “há
mais de vinte anos quando o embaixador Morodo representava o seu país em
Lisboa”.
Sobre a
investigação que corre em Espanha, Vitorino garante que nunca foi notificado de
nada e que só tomou conhecimento do caso através da comunicação social. A
primeira notícia envolvendo Vitorino foi publicada pelo diário El Mundo, a 20
de Janeiro. O actual director-geral da OIM aparece referenciado no artigo, que
se foca nas imputações feitas pelo fisco espanhol ao ex-embaixador, hoje com 84
anos, e ao seu filho Alejo. Nesse artigo surge o nome da consultora de
Vitorino.
Contactado pelo
PÚBLICO, o Ministério Público espanhol recusa dizer se Vitorino está ou não a
ser investigado neste caso. “Como já reiteramos, o departamento Anticorrupção
não informa neste momento as diligências de investigação que leva a cabo”,
responde o gabinete de imprensa da procuradoria-geral espanhola. Na sequência
da notícia publicada pelo El Mundo, o PÚBLICO já tinha contactado a mesma
instituição que recusou a fazer qualquer comentário sobre uma investigação em
curso, que se encontra numa fase sigilosa.
No primeiro
comunicado, António Vitorino refutava “veementemente as insinuações que têm
vindo a ser feitas a este respeito” e anunciava que tencionava utilizar todos
os meios ao seu dispor “para repor o [seu] bom-nome, o bom-nome da sua mulher e
da empresa”. Sublinhava ainda que a EMAB “cumpriu sempre as obrigações legais e
fiscais inerentes aos serviços que prestou”.
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