Bárbara Reis
OPINIÃO COFFEE
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Hey, vivemos
aqui: mostrem os estudos
Estudo de
tráfego? Não há. Estudo de impacto ambiental nas franjas da Baixa? Não há. E há
plano para impedir que as novas ruas pedonais e amplas da Baixa se transformem
no triste circo que é a Rua Augusta? Há uma solução simples.
Bárbara Reis
14 de Fevereiro
de 2020, 6:14
Barack Obama
ficou célebre por se dirigir aos americanos em emails cujo subject era a
palavra “Hey”. Socorro-me desse truque para chamar a atenção — no caso, dos
eleitos.
Vão tirar os
carros do centro histórico de Lisboa e, mais uma vez, os cidadãos são ouvidos
depois de o plano estar feito — não antes. Se há alguém que quer menos carros
no centro é quem vive no centro, mas a proposta é boa para os residentes ou só
é boa para os turistas?
Chega a ser cómico
este método de trabalho, depois do que aconteceu no Martim Moniz, quando a
câmara municipal achou que era boa ideia pôr 15 contentores na placa central,
com 30 a 50 novas lojas e esplanadas, ignorando que muitos dos 13 mil moradores
do centro histórico pedem menos esplanadas, menos colunas de música, menos
toldos, menos lojas de bugigangas, menos tuk-tuks — e mais espaço livre, mais
verde, mais árvores, mais silêncio.
Já sei: quem
protesta contra a turistificação descontrolada são os burgueses, artistas e
elitistas, que deviam ir para o campo ou viver uns dias na Bela Vista para
saber o que são problemas.
Convido os que
repetem esse absurdo a irem a uma reunião da junta de freguesia de Santa Maria
Maior. Dá trabalho: são depois do jantar e em salas desconfortáveis. Se já foi,
sabe como é. Se não foi, informo que os burgueses elitistas se disfarçam bem.
Alguns vão vestidos de reformados com pensão mínima, outros de empregada de
mesa e outros, menos radicais, mascaram-se de escriturários, talvez em homenagem
a Fernando Pessoa — este é o bairro do poeta.
Na reunião para
discutir o plano inicial da CML para o Martim Moniz estavam 200 pessoas, uma
mistura de estilos, idades, profissões e classes sociais que desafiam
estereótipos. Em Alfama, Baixa, Castelo, Chiado e Mouraria, os bairros do
centro histórico, somos 13 mil residentes e há de tudo, de Michael Fassbender
aos que agora receberam uma casa através do Programa Renda Acessível, criado
pela câmara, com rendas controladas que vão de 150 euros (T0) a 800 (T5).
É esta mistura de
gente que faz perguntas sobre a criação de uma Zona de Emissões Reduzidas (ZER)
anunciada há dias pela câmara.
A proposta prevê
que boa parte do tráfego saia pela Rua da Madalena. Nem vou falar da
contradição que é dizer que a ZER quer dar qualidade de vida aos “residentes da
Baixa” e só eles podem circular na Baixa, ao mesmo tempo que põe esta rua da
Baixa fora do desenho protegido e em risco de se tornar a “via rápida da
Baixa”.
Analisemos, mesmo
assim, a hipótese de a Madalena ser uma boa ideia para escoar os carros da
Baixa e das suas franjas, onde mora a maior parte dos residentes do centro
histórico. Quantos carros sobem a rua hoje e quantos passariam a subir? Não
sabemos. O que diz o estudo de tráfego sobre a futura circulação na Rua da
Madalena? Não sabemos. A Rua da Madalena é uma das ruas mais poluídas da Baixa
(é a subir e não tem abertura para o rio). O que dizem os estudos da CML sobre
o previsível aumento de poluição, sobretudo das partículas finas (PM10 e
PM2,5)? Não sabemos. Pedi respostas à junta. Não tem. Pedi à CML. Não tem. “No
fim do mês ou em Março”, Fernando Medina vai apresentar o estudo de tráfego em
reunião de câmara, disse um assessor. Mas há reuniões de câmara quinzenais,
porque não apresenta já o trabalho feito? Silêncio. Fico a pensar: será que a
CML não tem um estudo de tráfego?
O mesmo com a
poluição. Na informação oficial, Medina cita as medições feitas pela Pollutrack
com a DPD, uma empresa de entrega de encomendas, para dizer que a Rua do
Arsenal é das mais poluídas da Baixa. “A poluição associada ao trânsito
rodoviário é a principal causa para as emissões em Lisboa de dióxido de azoto,
com 63%, e partículas finas (PM10), com 62%”, diz o relatório técnico. Esta
semana, experimentei a ferramenta da Pollutrack. Na segunda-feira o Campo das
Cebolas era a morada mais poluída da Baixa (será dos cruzeiros?), com o nível
48 (“mau”) e ontem estava em 3 (“excelente”). A Rua da Madalena tinha 39
(“mau”) e ontem 17 (“médio”). Estranhamente, pacatas ruas de outros bairros
tinham níveis altíssimos de poluição e outras, que estão sempre cheias de
carros e autocarros, pareciam o paraíso. Será o vento? Pedi à DPD os dados
completos com medições longas para se encontrar médias. Não pode dar. Pedi à
CML. Não divulgou.
Assim é difícil
discutir propostas para a cidade. Sem dados, sem compreender as razões e sem
tempo. Medina quer começar a distribuir os novos dísticos da ZER em Maio e
aplicar as novas regras em Junho.
Enquanto
esperamos pelos estudos, podemos puxar já outra linha deste debate: qual é o
plano para impedir que as novas ruas pedonais e com passeios mais amplos
(Garrett, Misericórdia, Prata, São Pedro de Alcântara, laterais da Avenida da
Liberdade e Passeio Público, largos do Calhariz e do Chiado) se transformem no
circo pobre que é a Rua Augusta? A ZER prevê 4,6 hectares de áreas pedonais.
Uma forma simples de impedir que fiquem cobertas de comboios de esplanadas
seria cobrar taxas altas. Ter uma esplanada no centro histórico ou na Rua Maria
Pia, onde era o Casal Ventoso e que mantém a má fama, custa o mesmo: 19,83
euros por metro quadrado por ano. Porque não subir a taxa para 5000 mil
euros?
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