O
Presidente Marcelo não nos disse ao que vem
ÁUREA SAMPAIO
24/01/2016 - PÚBLICOI
Alguém
acredita que o novo Presidente possa ser uma espécie de rainha de
Inglaterra?
Vamos ter, portanto,
o Presidente Marcelo e o Presidente Marcelo não se sabe bem o que
vai ser. Ele construiu uma campanha fofinha, tão fluida, tão
aparentemente simples, tão despojada de meios que é impossível não
ter sido pensada ao pormenor, durante muito tempo, de forma metódica
e cerebral. Ele é, genuinamente, uma personagem de afectos, um
showman que não fez qualquer esforço em ir de barco com um
pescador, fazer brushing à própria dona de um cabeleireiro,
engraxar os sapatos em plena Avenida dos Aliados ou falar com uma
velhinha sobre os filmes de Vasco Santana como se tivesse todo o
tempo do mundo. Mas é o mesmo Marcelo que abole cartazes e
fanfarras, reduz a comitiva a dois carros e que não hesita em varrer
a direita onde nasceu e cresceu para debaixo do tapete. Este é o
personagem cerebral, que também existe, mas que ele adormeceu na
campanha, por ter percebido antes de toda a gente que os portugueses
estão sedentos de colo. O afecto de que ele tanto falou e que pôs
os cabelos em pé a uma direita ainda mal recomposta das legislativas
foi uma das mais poderosas armas políticas desta corrida
presidencial.
Marcelo exibiu a sua
persona como a antítese do chefe de Estado distante e só em que se
transformou Cavaco Silva e excluiu Passos Coelho da sua campanha
(também) por compreender que ele é a própria encarnação de tudo
o que os portugueses mais detestam: a obsessão de resumir as suas
vidas à mera condição estatística. Não admira que ele tenha
pescado votos em todos os quadrantes políticos. Andou pelo país
numa espécie de missão de paz e amor. Não fora o debate com
Sampaio da Nóvoa e não se lhe teria ouvido qualquer palavra mais
agreste. O próprio resumiu, de modo lapidar, a forma como lidava com
todas as tentativas de confronto. “Eles (os outros candidatos) bem
querem que eu me enerve, mas eu conto até cem (…) e quando chegar
aos cem, a campanha acabou).” Falava o Marcelo cerebral e focado no
caminho que traçou. Precisava de tempo para não ser obrigado a
dizer ao que vinha, nem se comprometer com nada. “O Presidente tem
de estar no centro, acima da vida política. Não deve puxar para um
lado nem para o outro”, disse em Santa Maria da Feira. Colou-se ao
Governo em tudo: no orçamento, nas 35 horas e até no estímulo ao
consumo interno, que a direita abomina, mas que é trave-mestra da
política económica de António Costa. Quem reconhece neste papel de
rainha de Inglaterra a figura do irrequieto e interventivo Marcelo?
Um papel que a ser cumprido desta forma poderia até mudar o próprio
perfil do nosso sistema político, aproximando-o de um
semiparlamentarismo, não traduzido na actual Constituição nem na
prática dos ex-inquilinos de Belém.
Era quase impossível
Marcelo não ganhar. Desta vez tudo o empurrou para cumprir
provavelmente aquele que é o sonho de uma vida. Como se viu nesta
campanha, ele tem a inteligência e a intuição que baste para vir a
ser um bom chefe de Estado. Além de ter mundo e cultura, qualidades
essenciais ao cumprimento do cargo. Mas, por agora, Marcelo não nos
disse exactamente ao que vem.
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