Ricardo
Paes Mamede. “Estamos a cozer em lume brando mas daqui a 30 anos
será terrível”
O
economista defende um projeto europeu, mas considera que é dever de
um governo preparar a rutura com a UE.
Ricardo
Paes Mamede é um dos mais destacados economistas portugueses.
Animador, com outros economistas, do blogue Ladrões de Bicicletas,
tem pugnado para que a economia seja vista não como uma fatalidade –
em que a tecnocracia mascara uma escolha ideológica –, mas como
uma escolha política com implicações cidadãs e com objetivos
sociais que passam por aumentar o emprego e diminuir as desigualdades
sociais.
NUNO RAMOS DE
ALMEIDA
18/01/2016 13:49
Jornal i online
Do ponto de vista
económico, Portugal tem alguma saída?
No imediato ou a
prazo?
A prazo.
Com as regras
atuais, é muito difícil. Temos sempre a saída de podermos ser uma
reserva barata de mão de obra da Europa. E há quem acredita que
isso é uma saída não só possível como desejável. Eu não acho
que seja.
Mas é mesmo
possível essa saída, com o envelhecimento da população e a saída
dos mais jovens para o estrangeiro?
Portugal pode ser, e
nos últimos anos tem dado alguns sinais nesse sentido, um foco não
só de um elevado nível de atração turística, mas também um país
desejável para uma Europa envelhecida viver. E isso garante uma
economia local como uma certa dimensão e um certo nível de vida
que, sendo relativamente reduzido em relação a países com
economias mais estruturadas e avançadas, pode ser suficiente para
viabilizar um país enquanto tal, mas não é um país interessante
para grande parte da população.
Há alguma
possibilidade, dentro do processo de globalização e integração
europeia, de nós construirmos um modelo próprio de desenvolvimento
económico?
A análise que faço
parte de um pressuposto de que as regras, tal como existem, não vão
sofrer alterações. E eu não acho que as regras europeias possam
manter--se durante muitos mais anos sem haver alterações. O que eu
não acredito é que as regras se alterem porque há mentes
brilhantes na Europa que se apercebam de que isso não é favorável
a alguns povos, como os do sul da Europa. Se elas forem alteradas é
porque há algo muito significativo que acontece no continente, mas
alguma coisa terá de acontecer. O que faz com que eu não consiga
prever o que será Portugal daqui a dez anos ou 15 anos.
E do ponto de vista
imediato, as medidas que este governo está a tomar são melhores que
as tomadas pelo executivo anterior?
Sem dúvida nenhuma.
A economia portuguesa enfrenta três desafios fundamentais do ponto
de vista conjuntural, digamos assim: um tem a ver com a dívida
externa como um todo, a pública e a privada; outro tem a ver com as
finanças públicas; e o outro ainda tem que ver com o elevado
desemprego e o baixo nível de crescimento. Estas três coisas estão
muito relacionadas entre si e são três grandes prioridades da
política macroeconómica. As prioridades do anterior governo,
juntamente com as instituições internacionais, focavam-se nos dois
primeiros objetivos: melhorar as contas externas através da
desvalorização interna, tentativa de promover a competitividade
pela via dos baixos salários e diminuição dos impostos; em segundo
lugar, minorar o problema das finanças públicas. Ora, fazer isso no
curto prazo significa ter uma recuperação económica muito lenta,
se é que ela existe de todo. O que o atual governo está a fazer é
alterar as prioridades: põe mais peso do que o anterior punha no
terceiro objetivo de recuperar o emprego e conseguir uma retoma
económica. Isso é insuficiente para acabar com a crise social, mas
é uma política diferente que tem mais probabilidades de sucesso.
Mas isso não tem um
risco acrescido? Um dos nossos problemas é que dependemos do
financiamento dos mercados, e estes reagem a uma série de
instâncias, como as agências de rating e os fundos de investimento,
que tendem a privilegiar as prioridades do anterior governo e
penalizar alternativas económicas...
Há duas questões.
A primeira é que ter uma política diferente não é, em si, motivo
para que os investidores estrangeiros fujam – eles fogem se
sentirem que há o risco de perderem dinheiro. O fator fundamental de
risco para os investidores seria uma alteração da política do
Banco Central Europeu. Portugal não tem uma política radical contra
o investimento. Eu sei que é assim que têm sido interpretadas
algumas medidas, mas a maior parte dos investidores, por exemplo quem
investe na dívida pública, não olham para estas medidas como
medidas hostis mas, pelo contrário, como medidas que podem trazer
alguma paz social e alguma perspetiva de recuperação económica,
que é neste momento o principal fator de desconfiança em relação
à economia nacional.
Porque é impossível
que o condicionamento externo, como o conhecemos na Europa, se
mantenha? O que determina que haja uma mudança?
Não acho que o
condicionamento externo em relação a Portugal seja impossível de
manter. O que eu penso é que a própria União Europeia está numa
situação de enorme bloqueio que não é sustentável a prazo. No
que isto vai dar, não sei prever. Mas tenho a certeza que não se
pode manter esta situação durante muitos anos.
A semana passada
entrevistei o vice-presidente da bancada do PSD Miguel Morgado, que
defendeu que a crise que vivemos não é responsabilidade de
condicionalismos externos porque, tirando os países do sul da
Europa, os outros tiveram um progresso, mas de um conjunto de
políticas próprias que foram erradas. Não há uma maioria de
bloqueio para uma mudança na Europa?
Há aí duas
questões: a primeira é saber se a situação atual é confortável
para a generalidade dos países europeus e dos interesses que dominam
a política europeia. E parece-me claro que não é. Assistimos há
dois meses a uma tensão crescente entre a Alemanha e os outros
países da Europa, com a Alemanha a bloquear uma solução sobre a
união bancária que tem que ver com as garantias dos depósitos,
porque considera que o estado em que as regras se encontram
atualmente é insustentável, e a exigir até uma alteração de
tratados para que haja um reforço da centralização das regras e
monitorização a nível europeu. Estamos numa situação em que
ninguém se sente confortável, nem aqueles que consideram que, para
que isso funcione, são precisas mais regras e mais controlo, nem
aqueles que acham que as regras são excessivas e que o controlo é
injustificado. A segunda questão é saber se estamos nesta situação
por escolhas internas ou por condicionalismos externos. Não há
nenhuma governação que seja perfeita, e isto dá um poder enorme a
quem recusa que haja condicionalismos externos porque os problemas
seriam sempre motivados por falhanços internos. Houve erros internos
em Portugal. Podemos apontar, por exemplo, políticas orçamentais
que foram expansionistas quando a economia estava a crescer e que
foram contracionistas quando a economia estava em recessão, o que é
o contrário do que se deve fazer; podemos apontar o excesso de
investimento em infraestruturas que a certa altura deixaram de ter
razão de ser, tornaram-se pouco produtivas e redundantes do ponto de
vista social. A questão é saber qual é o peso desse tipo de
decisões de política interna para explicar a nossa situação,
perante todas as transformações que houve, tanto a nível europeu
como fora dele, que parecem muito mais importantes para explicar a
situação a que chegámos.
Nós, neste momento,
temos uma situação conjuntural externa relativamente favorável:
baixa do preço do petróleo, subida do dólar em relação ao euro e
taxas de juro a nível do financiamento da economia muito abaixo do
que já estiveram. No entanto, há um programa que aceitámos cumprir
para respeitar os tratados europeus, que foi chegarmos a uma dívida
pública abaixo dos 60% do PIB nos próximos 20 anos. Isso é
possível?
Não creio que seja
possível. Não será possível sequer reduzir de uma forma
substancial a dívida pública nos próximos 20 anos, quanto mais a
um ritmo de um vigésimo por ano. Dito isto, o problema coloca-se não
só no cumprimento dessa meta da dívida pública que, de resto, nem
sequer temos de cumprir desde já, porque estivemos em procedimento
por défice excessivo, mas em cumprir também um outro conjunto de
regras. A regra mais importante que somos obrigados a cumprir, desde
já, é a do défice estrutural. Portugal, tendo um défice
estrutural superior a 0,5% do PIB, devia reduzir o défice estrutural
todos os anos em 0,5%, e o que aconteceu é que o défice estrutural
em 2015 não reduziu, aumentou, e o que se espera é que volte a
aumentar em 2016. Portanto, Portugal dificilmente não estará em
incumprimento do Tratado Orçamental nos próximos anos, tal como
acontecerá com Espanha, França, Itália e Grécia.
Esta situação de
termos de fingir que temos de cumprir qualquer coisa pode manter-se
indefinidamente ou há uma altura em que temos de abrir um processo
mais drástico com a Europa?
Eu acho que uma das
grandes incógnitas em 2016 é saber como isso vai ser resolvido na
União Europeia. As regras do Tratado Orçamental já existiam quase
todas antes dele, o tratado foi feito para reforço do ponto de vista
jurídico e simbólico dessas regras. A questão que se vai colocar é
qual vai ser a capacidade dos governos que insistiram em transformar
as regras num tratado para admitirem que essas regras, depois desse
esforço todo, são impossíveis de ser cumpridas. Mas eu creio que o
fulcro dessa luta não será Portugal nem a Grécia, mas outros
países com mais força política e económica, como França e
Itália.
Para haver uma
mudança em termos europeus é, se calhar, necessária também uma
mudança política. Com a eleição do Syriza na Grécia e o atual
governo português, é possível prever uma mudança de orientação
na UE?
Isso, por si só,
não me diz muito. As regras que dominam na UE não dependem do
Conselho Europeu, dependem de tratados que, para serem alterados,
exigem a unanimidade dos votos. Não creio que existirem mais três
ou quatro governos que têm uma posição diferente do governo alemão
permita, por si só, alterar o rumo das coisas. Acho é que vai
chegar o momento em que alguma coisa significativa vai acontecer. E
quando se está à beira de uma rutura, todas as armas contam e todas
as posições são, nesse momento, importantes; deste ponto de vista,
não me parece irrelevante que haja governos que têm uma atitude
mais crítica em relação às regras da UE.
Pode-se chegar a uma
altura que ficar na UE se torne uma impossibilidade, dado os seus
custos crescentes?
Creio que é muito
importante que haja mecanismos robustos de coordenação económica e
política dentro do continente europeu e, desse ponto de vista, acho
que a UE contém um conjunto de características que vão nesse
sentido e têm de ser valorizadas. Dito isso, a UE transformou-se
numa máquina extremamente disfuncional, o que me leva a antever que
possa haver, mais cedo ou mais tarde, países que queiram sair porque
não têm capacidade de promover as alterações que consideram
necessárias.
Quando se estava no
pico da crise de 2008, falou-se muito da regulamentação dos
mercados financeiros, de controlar e limitar os produtos derivados e
até de extinguir os paraísos fiscais e as contas offshore. Passados
todos estes anos, nada aconteceu e a situação está na mesma. Isso
será sempre assim?
É típico das
crises económicas haver, durante a crise e nos momentos seguintes,
grandes juras de alteração das regras, nomeadamente das regras
financeiras. Sabemos que nos últimos 30 anos houve para cima de uma
centena de crises financeiras e cambiais, e sempre que houve essas
crises, no momento seguinte houve promessas de alterações de fundo.
Isso aconteceu em 1997 e 98, depois da grande crise asiática, e
voltou a suceder em 2007 e 2008, depois da crise do chamado subprime.
Foram tomadas medidas que não foram indiferentes, nomeadamente algum
combate à evasão fiscal por via da exigência de troca de
informação bancária. Houve um ligeiro aumento dos rácios do
capital dos bancos, mas isso são tudo medidas, não só do meu ponto
de vista mas do ponto de vista de quem fazia essas exigências em
2008, muitíssimo insuficientes. A regulação dos produtos derivados
continua muito aquém do que seria necessário. A maior separação
da banca comercial da banca de investimentos está por fazer. O fim
dos offshores não está de todo à vista. Portanto, continuam em
cima da mesa todos os ingredientes para que estas crises continuem a
existir.
A UE acha normal
regulamentar um conjunto de normas mas, no entanto, não existe uma
harmonização fiscal, permite-se que cada país concorra nessa
matéria. Isso não é um incentivo à fuga de capitais entre
Estados-membros?
Na UE existe aquilo
a que vários autores chamam uma regulação assimétrica. Regula-se
muito aquilo que nos tratados se chama o funcionamento de um mercado
livre, em concorrência livre e justa, basicamente: a liberalização,
a desregulamentação, a privatização e uma política de
concorrência muito agressiva que visa limitar a intervenção do
Estado no funcionamento dos mecanismos de mercado, e, ao mesmo tempo,
uma total devolução para os Estados nacionais de tudo o que tem a
ver não apenas com regulamentação de política social, fiscal,
laboral, o que significa que estas regras convidam os Estados a
concorrer um com os outros em todos estes domínios. Isto
corresponde, no fundo, a uma harmonização por baixo nas regras que
faz com que a Europa seja, cada vez mais, um mercado muito livre, mas
que os direitos ambientais e sociais fiquem muito desprotegidos.
Mas isso não cria
uma condição de tirar da decisão política dos povos tudo o que
seja questões económicas?
Não absolutamente.
Os Estados continuam a ser as únicas entidades com alguma capacidade
e que são pressionados para introduzir alguns momentos de regulação
nos mercados internacionais. Ora, o que acontece é que esta
capacidade dos Estados vem a ser erodidas por duas vias: a primeira é
que algumas dessas medidas deixam de ser eficazes. Impor impostos
sobre os lucros passa a ser ineficaz se as empresas puderem declarar
impostos noutros lados. Mas para além disso – o que não é menos
importante –, este processo torna-se uma desculpa que é
sistematicamente utilizada por aqueles que pretendem a minimização
do papel do Estado e que, portanto, argumentam para não tentarmos
fazer nada, porque tudo o que tentarmos fazer não resulta e até é
pernicioso.
Não acha que aquilo
que enuncia o Rodrik no chamado trilema da globalização se
verifica, defendendo que não é possível haver democracia e
soberania com globalização?
É isso que se está
a demonstrar e a grande esperança é que, na UE, esse trilema fosse
resolvido abdicando da soberania em favor do liberalismo económico
associado à democracia a nível europeu: estaríamos dispostos a
abdicar da soberania nacional a favor da democracia de escala
europeia.
Mas não existe essa
democracia de nível europeu...
Não existe. O que
tem acontecido é que temos abdicado de soberania nacional sem com
isso termos mecanismos democráticos e sem assegurarmos os objetivos
básicos de uma economia: combater as desigualdades, combater a
instabilidade e promover o pleno emprego.
Pode dizer-se que é
por uma impossibilidade total de ser promovida uma democracia
europeia e que há barreiras de língua e divisões de opiniões
públicas nacionais que impedem esse objetivo?
É possível haver
uma democracia formal na Europa. O que eu tenho mais dificuldade
neste momento é imaginar que, através de processos de escala mais
continental, conseguimos convergir num entendimento entre os vários
povos europeus do que deve ser o modelo de desenvolvimento para o
futuro da Europa. Porque os vários países da UE, por terem
estruturas económicas muito diferentes e histórias muito diversas,
não convergem nos seus propósitos. Conseguir compatibilizar esses
propósitos à escala internacional é extremamente difícil; logo, é
impossível que os procedimentos da democracia formal se transformem
em algo que seja entendido como uma expressão da vontade popular a
nível europeu.
Não havendo essa
possibilidade, não seria melhor fazer uma democracia que
corresponderia a um regresso do poder a um espaço mais soberano?
Depende muito do que
isso significa na prática e de como se chega lá, e dos custos que
isso tem. No domínio monetário seria muito desejável que, na
impossibilidade de termos outro tipo de mecanismos, dadas as
dificuldades em criar uma união monetária e política viável na
Europa, existissem mecanismos de coordenação monetária que
evitassem grandes oscilações cambiais, mas permitissem alguma
diferenciação a nível monetário. Haveria outras formas de atingir
resultados semelhantes se a UE não tivesse uma atitude tão
fundamentalista face à ideia de mercado interno. Poderia ser
possível, através de mecanismos fiscais, simular o que é o papel
de uma moeda própria. A questão é que isso vai completamente
contra a orientação da UE.
Como é possível
fazer isso?
Discriminando, por
exemplo, os produtos pela origem nacional, promovendo exportações e
diminuindo importações de economias que estão em situações mais
débeis. Não seria o substituto perfeito, mas seria um substituto.
Mas isso vai contra o que é a essência desta integração europeia,
que é promover a criação de um mercado totalmente integrado.
Não podendo fazer
isso e não parecendo politicamente viável criar um orçamento
europeu que compense os diferentes estados de desenvolvimento dos
países da zona euro, é possível manter esta moeda?
Só será possível
manter esta moeda em condições de aumento de assimetrias e
desigualdades e de abdicação, por parte dos países economicamente
mais frágeis, de terem um projeto económico digno para os espaços
económicos que gerem.
Sendo nós uma das
sociedades mais desiguais da Europa, a perspetiva é tornarmo-nos
ainda mais desiguais com a continuação da integração europeia?
A desigualdade
depende de fatores muito distintos. Nem todos dependem das forças
que estão associadas aos mecanismos de integração europeia. Em
Portugal há uma herança pesadíssima ao nível da educação que
pode ser combatida localmente, independentemente dos problemas que
existem a nível da nossa integração europeia. A questão é saber
se temos a possibilidade de aspirar a níveis de desenvolvimento
económico, social e ambiental mais avançados, num quadro em que a
nossa economia está permanentemente sujeita a restrições
fortíssimas e em que a única forma que temos de nos ajustar a
situações de crise tem sido diminuir salários e direitos sociais,
diminuir a capacidade do Estado para introduzir elementos de
equilíbrio num país que é extraordinariamente desigual. Desse
ponto de vista, a redução do espaço da intervenção do Estado
pode ser uma fonte permanente de agravar as desigualdades.
E há alguma forma
de contrariar este processo com estas condicionantes?
É possível ir
sobrevivendo. Estamos a cozer em lume brando. A nossa vida não piora
anualmente de uma forma drástica, mas daqui a 20 ou 30 anos
olharemos para trás e será terrível.
Mas não seria
melhor romper?
Depende das
condições que temos para romper e de quem é que lidera o processo
de rutura, e do contexto em que se desenrola esse processo. Mas, para
todos os efeitos, devemos preparar a economia e a sociedade e a
democracia portuguesas para vários cenários possíveis e para uma
eventual necessidade de romper com a União Europeia.
Disseram-nos muitas
vezes que vivemos acima das nossas possibilidades, mas pelos vistos
vivemos com bancos muito acima das nossas possibilidades, eles
parecem estar a atirar-nos literalmente ao fundo. Como é que isso
aconteceu?
Os fatores
determinantes têm que ver com a evolução da economia portuguesa e
da forma como ela cresceu, sobretudo nos anos 90. Nós passámos pelo
processo mais radical de transformação do sistema financeiro que se
verificou em toda a Europa ocidental. Entre 89 e 92, passámos de uma
situação em que 80% dos ativos bancários estavam na mão do Estado
para uma situação em que 80% desses mesmos ativos passaram para a
mão dos privados – num processo em que a privatização da banca
foi apoiada pelos poderes públicos e foi acompanhada de uma
desregulamentação da atividade financeira e da liberalização dos
fluxos de capital a nível internacional, e isso fez com que a
concorrência entre a banca e a grande disponibilidade de liquidez
permitissem um rapidíssimo crescimento económico, um dos maiores
crescimentos económicos do mundo, conseguido à base do acesso ao
crédito. Que levou, como é costume nessas situações, a níveis de
endividamento muito acelerados do setor privado que, depois de 2000,
não conseguiram ser sustentáveis, tendo em conta que a economia
portuguesa, a partir daí, passou a crescer a ritmos muito mais
baixos do que tinha crescido anteriormente. Isso aconteceu não só
porque estava endividada, mas porque sofreu um conjunto de choques
competitivos muito significativos: a entrada da China na OMC, a
abertura da UE a leste, a valorização do euro face ao dólar, etc.
E, portanto, a economia portuguesa, entre 2000 e 2007, teve um dos
crescimentos mais baixos da UE, contrastando com os anos anteriores.
E uma economia assim começa a ter problemas de desemprego e
incumprimento dos créditos bancários, e quer o Estado quer a banca
começaram a acusar a situação da economia.
Mas tratámos bem
dessa falência bancária?
A posteriori é mais
fácil fazer essas análises. O BPN, por exemplo, creio que era
consensual que não era um banco sistémico. E que poderia ter
falido, e deveria ter falido. Mas eu não sei, se fosse ministro das
Finanças na altura, se teria tomado uma decisão diferente da que
foi tomada. Em relação ao BES, a situação é completamente
diferente. O BES estava sob suspeita há muito tempo e durante muito
tempo nada de substancial foi feito para precaver aquilo que foi o
seu resultado. Desde que começa a haver notícias sobre o BES até
ao fim do BES enquanto tal, perderam-se muitos milhares de milhões
de euros.
nuno.almeida@ionline.pt
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