terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Ricardo Paes Mamede. “Estamos a cozer em lume brando mas daqui a 30 anos será terrível”


Ricardo Paes Mamede. “Estamos a cozer em lume brando mas daqui a 30 anos será terrível”

O economista defende um projeto europeu, mas considera que é dever de um governo preparar a rutura com a UE.

Ricardo Paes Mamede é um dos mais destacados economistas portugueses. Animador, com outros economistas, do blogue Ladrões de Bicicletas, tem pugnado para que a economia seja vista não como uma fatalidade – em que a tecnocracia mascara uma escolha ideológica –, mas como uma escolha política com implicações cidadãs e com objetivos sociais que passam por aumentar o emprego e diminuir as desigualdades sociais.

NUNO RAMOS DE ALMEIDA
18/01/2016 13:49 Jornal i online

Do ponto de vista económico, Portugal tem alguma saída?

No imediato ou a prazo?

A prazo.

Com as regras atuais, é muito difícil. Temos sempre a saída de podermos ser uma reserva barata de mão de obra da Europa. E há quem acredita que isso é uma saída não só possível como desejável. Eu não acho que seja.

Mas é mesmo possível essa saída, com o envelhecimento da população e a saída dos mais jovens para o estrangeiro?

Portugal pode ser, e nos últimos anos tem dado alguns sinais nesse sentido, um foco não só de um elevado nível de atração turística, mas também um país desejável para uma Europa envelhecida viver. E isso garante uma economia local como uma certa dimensão e um certo nível de vida que, sendo relativamente reduzido em relação a países com economias mais estruturadas e avançadas, pode ser suficiente para viabilizar um país enquanto tal, mas não é um país interessante para grande parte da população.

Há alguma possibilidade, dentro do processo de globalização e integração europeia, de nós construirmos um modelo próprio de desenvolvimento económico?

A análise que faço parte de um pressuposto de que as regras, tal como existem, não vão sofrer alterações. E eu não acho que as regras europeias possam manter--se durante muitos mais anos sem haver alterações. O que eu não acredito é que as regras se alterem porque há mentes brilhantes na Europa que se apercebam de que isso não é favorável a alguns povos, como os do sul da Europa. Se elas forem alteradas é porque há algo muito significativo que acontece no continente, mas alguma coisa terá de acontecer. O que faz com que eu não consiga prever o que será Portugal daqui a dez anos ou 15 anos.

E do ponto de vista imediato, as medidas que este governo está a tomar são melhores que as tomadas pelo executivo anterior?

Sem dúvida nenhuma. A economia portuguesa enfrenta três desafios fundamentais do ponto de vista conjuntural, digamos assim: um tem a ver com a dívida externa como um todo, a pública e a privada; outro tem a ver com as finanças públicas; e o outro ainda tem que ver com o elevado desemprego e o baixo nível de crescimento. Estas três coisas estão muito relacionadas entre si e são três grandes prioridades da política macroeconómica. As prioridades do anterior governo, juntamente com as instituições internacionais, focavam-se nos dois primeiros objetivos: melhorar as contas externas através da desvalorização interna, tentativa de promover a competitividade pela via dos baixos salários e diminuição dos impostos; em segundo lugar, minorar o problema das finanças públicas. Ora, fazer isso no curto prazo significa ter uma recuperação económica muito lenta, se é que ela existe de todo. O que o atual governo está a fazer é alterar as prioridades: põe mais peso do que o anterior punha no terceiro objetivo de recuperar o emprego e conseguir uma retoma económica. Isso é insuficiente para acabar com a crise social, mas é uma política diferente que tem mais probabilidades de sucesso.

Mas isso não tem um risco acrescido? Um dos nossos problemas é que dependemos do financiamento dos mercados, e estes reagem a uma série de instâncias, como as agências de rating e os fundos de investimento, que tendem a privilegiar as prioridades do anterior governo e penalizar alternativas económicas...

Há duas questões. A primeira é que ter uma política diferente não é, em si, motivo para que os investidores estrangeiros fujam – eles fogem se sentirem que há o risco de perderem dinheiro. O fator fundamental de risco para os investidores seria uma alteração da política do Banco Central Europeu. Portugal não tem uma política radical contra o investimento. Eu sei que é assim que têm sido interpretadas algumas medidas, mas a maior parte dos investidores, por exemplo quem investe na dívida pública, não olham para estas medidas como medidas hostis mas, pelo contrário, como medidas que podem trazer alguma paz social e alguma perspetiva de recuperação económica, que é neste momento o principal fator de desconfiança em relação à economia nacional.

Porque é impossível que o condicionamento externo, como o conhecemos na Europa, se mantenha? O que determina que haja uma mudança?

Não acho que o condicionamento externo em relação a Portugal seja impossível de manter. O que eu penso é que a própria União Europeia está numa situação de enorme bloqueio que não é sustentável a prazo. No que isto vai dar, não sei prever. Mas tenho a certeza que não se pode manter esta situação durante muitos anos.

A semana passada entrevistei o vice-presidente da bancada do PSD Miguel Morgado, que defendeu que a crise que vivemos não é responsabilidade de condicionalismos externos porque, tirando os países do sul da Europa, os outros tiveram um progresso, mas de um conjunto de políticas próprias que foram erradas. Não há uma maioria de bloqueio para uma mudança na Europa?

Há aí duas questões: a primeira é saber se a situação atual é confortável para a generalidade dos países europeus e dos interesses que dominam a política europeia. E parece-me claro que não é. Assistimos há dois meses a uma tensão crescente entre a Alemanha e os outros países da Europa, com a Alemanha a bloquear uma solução sobre a união bancária que tem que ver com as garantias dos depósitos, porque considera que o estado em que as regras se encontram atualmente é insustentável, e a exigir até uma alteração de tratados para que haja um reforço da centralização das regras e monitorização a nível europeu. Estamos numa situação em que ninguém se sente confortável, nem aqueles que consideram que, para que isso funcione, são precisas mais regras e mais controlo, nem aqueles que acham que as regras são excessivas e que o controlo é injustificado. A segunda questão é saber se estamos nesta situação por escolhas internas ou por condicionalismos externos. Não há nenhuma governação que seja perfeita, e isto dá um poder enorme a quem recusa que haja condicionalismos externos porque os problemas seriam sempre motivados por falhanços internos. Houve erros internos em Portugal. Podemos apontar, por exemplo, políticas orçamentais que foram expansionistas quando a economia estava a crescer e que foram contracionistas quando a economia estava em recessão, o que é o contrário do que se deve fazer; podemos apontar o excesso de investimento em infraestruturas que a certa altura deixaram de ter razão de ser, tornaram-se pouco produtivas e redundantes do ponto de vista social. A questão é saber qual é o peso desse tipo de decisões de política interna para explicar a nossa situação, perante todas as transformações que houve, tanto a nível europeu como fora dele, que parecem muito mais importantes para explicar a situação a que chegámos.

Nós, neste momento, temos uma situação conjuntural externa relativamente favorável: baixa do preço do petróleo, subida do dólar em relação ao euro e taxas de juro a nível do financiamento da economia muito abaixo do que já estiveram. No entanto, há um programa que aceitámos cumprir para respeitar os tratados europeus, que foi chegarmos a uma dívida pública abaixo dos 60% do PIB nos próximos 20 anos. Isso é possível?

Não creio que seja possível. Não será possível sequer reduzir de uma forma substancial a dívida pública nos próximos 20 anos, quanto mais a um ritmo de um vigésimo por ano. Dito isto, o problema coloca-se não só no cumprimento dessa meta da dívida pública que, de resto, nem sequer temos de cumprir desde já, porque estivemos em procedimento por défice excessivo, mas em cumprir também um outro conjunto de regras. A regra mais importante que somos obrigados a cumprir, desde já, é a do défice estrutural. Portugal, tendo um défice estrutural superior a 0,5% do PIB, devia reduzir o défice estrutural todos os anos em 0,5%, e o que aconteceu é que o défice estrutural em 2015 não reduziu, aumentou, e o que se espera é que volte a aumentar em 2016. Portanto, Portugal dificilmente não estará em incumprimento do Tratado Orçamental nos próximos anos, tal como acontecerá com Espanha, França, Itália e Grécia.

Esta situação de termos de fingir que temos de cumprir qualquer coisa pode manter-se indefinidamente ou há uma altura em que temos de abrir um processo mais drástico com a Europa?

Eu acho que uma das grandes incógnitas em 2016 é saber como isso vai ser resolvido na União Europeia. As regras do Tratado Orçamental já existiam quase todas antes dele, o tratado foi feito para reforço do ponto de vista jurídico e simbólico dessas regras. A questão que se vai colocar é qual vai ser a capacidade dos governos que insistiram em transformar as regras num tratado para admitirem que essas regras, depois desse esforço todo, são impossíveis de ser cumpridas. Mas eu creio que o fulcro dessa luta não será Portugal nem a Grécia, mas outros países com mais força política e económica, como França e Itália.

Para haver uma mudança em termos europeus é, se calhar, necessária também uma mudança política. Com a eleição do Syriza na Grécia e o atual governo português, é possível prever uma mudança de orientação na UE?

Isso, por si só, não me diz muito. As regras que dominam na UE não dependem do Conselho Europeu, dependem de tratados que, para serem alterados, exigem a unanimidade dos votos. Não creio que existirem mais três ou quatro governos que têm uma posição diferente do governo alemão permita, por si só, alterar o rumo das coisas. Acho é que vai chegar o momento em que alguma coisa significativa vai acontecer. E quando se está à beira de uma rutura, todas as armas contam e todas as posições são, nesse momento, importantes; deste ponto de vista, não me parece irrelevante que haja governos que têm uma atitude mais crítica em relação às regras da UE.

Pode-se chegar a uma altura que ficar na UE se torne uma impossibilidade, dado os seus custos crescentes?

Creio que é muito importante que haja mecanismos robustos de coordenação económica e política dentro do continente europeu e, desse ponto de vista, acho que a UE contém um conjunto de características que vão nesse sentido e têm de ser valorizadas. Dito isso, a UE transformou-se numa máquina extremamente disfuncional, o que me leva a antever que possa haver, mais cedo ou mais tarde, países que queiram sair porque não têm capacidade de promover as alterações que consideram necessárias.

Quando se estava no pico da crise de 2008, falou-se muito da regulamentação dos mercados financeiros, de controlar e limitar os produtos derivados e até de extinguir os paraísos fiscais e as contas offshore. Passados todos estes anos, nada aconteceu e a situação está na mesma. Isso será sempre assim?

É típico das crises económicas haver, durante a crise e nos momentos seguintes, grandes juras de alteração das regras, nomeadamente das regras financeiras. Sabemos que nos últimos 30 anos houve para cima de uma centena de crises financeiras e cambiais, e sempre que houve essas crises, no momento seguinte houve promessas de alterações de fundo. Isso aconteceu em 1997 e 98, depois da grande crise asiática, e voltou a suceder em 2007 e 2008, depois da crise do chamado subprime. Foram tomadas medidas que não foram indiferentes, nomeadamente algum combate à evasão fiscal por via da exigência de troca de informação bancária. Houve um ligeiro aumento dos rácios do capital dos bancos, mas isso são tudo medidas, não só do meu ponto de vista mas do ponto de vista de quem fazia essas exigências em 2008, muitíssimo insuficientes. A regulação dos produtos derivados continua muito aquém do que seria necessário. A maior separação da banca comercial da banca de investimentos está por fazer. O fim dos offshores não está de todo à vista. Portanto, continuam em cima da mesa todos os ingredientes para que estas crises continuem a existir.

A UE acha normal regulamentar um conjunto de normas mas, no entanto, não existe uma harmonização fiscal, permite-se que cada país concorra nessa matéria. Isso não é um incentivo à fuga de capitais entre Estados-membros?

Na UE existe aquilo a que vários autores chamam uma regulação assimétrica. Regula-se muito aquilo que nos tratados se chama o funcionamento de um mercado livre, em concorrência livre e justa, basicamente: a liberalização, a desregulamentação, a privatização e uma política de concorrência muito agressiva que visa limitar a intervenção do Estado no funcionamento dos mecanismos de mercado, e, ao mesmo tempo, uma total devolução para os Estados nacionais de tudo o que tem a ver não apenas com regulamentação de política social, fiscal, laboral, o que significa que estas regras convidam os Estados a concorrer um com os outros em todos estes domínios. Isto corresponde, no fundo, a uma harmonização por baixo nas regras que faz com que a Europa seja, cada vez mais, um mercado muito livre, mas que os direitos ambientais e sociais fiquem muito desprotegidos.

Mas isso não cria uma condição de tirar da decisão política dos povos tudo o que seja questões económicas?

Não absolutamente. Os Estados continuam a ser as únicas entidades com alguma capacidade e que são pressionados para introduzir alguns momentos de regulação nos mercados internacionais. Ora, o que acontece é que esta capacidade dos Estados vem a ser erodidas por duas vias: a primeira é que algumas dessas medidas deixam de ser eficazes. Impor impostos sobre os lucros passa a ser ineficaz se as empresas puderem declarar impostos noutros lados. Mas para além disso – o que não é menos importante –, este processo torna-se uma desculpa que é sistematicamente utilizada por aqueles que pretendem a minimização do papel do Estado e que, portanto, argumentam para não tentarmos fazer nada, porque tudo o que tentarmos fazer não resulta e até é pernicioso.

Não acha que aquilo que enuncia o Rodrik no chamado trilema da globalização se verifica, defendendo que não é possível haver democracia e soberania com globalização?

É isso que se está a demonstrar e a grande esperança é que, na UE, esse trilema fosse resolvido abdicando da soberania em favor do liberalismo económico associado à democracia a nível europeu: estaríamos dispostos a abdicar da soberania nacional a favor da democracia de escala europeia.

Mas não existe essa democracia de nível europeu...

Não existe. O que tem acontecido é que temos abdicado de soberania nacional sem com isso termos mecanismos democráticos e sem assegurarmos os objetivos básicos de uma economia: combater as desigualdades, combater a instabilidade e promover o pleno emprego.

Pode dizer-se que é por uma impossibilidade total de ser promovida uma democracia europeia e que há barreiras de língua e divisões de opiniões públicas nacionais que impedem esse objetivo?

É possível haver uma democracia formal na Europa. O que eu tenho mais dificuldade neste momento é imaginar que, através de processos de escala mais continental, conseguimos convergir num entendimento entre os vários povos europeus do que deve ser o modelo de desenvolvimento para o futuro da Europa. Porque os vários países da UE, por terem estruturas económicas muito diferentes e histórias muito diversas, não convergem nos seus propósitos. Conseguir compatibilizar esses propósitos à escala internacional é extremamente difícil; logo, é impossível que os procedimentos da democracia formal se transformem em algo que seja entendido como uma expressão da vontade popular a nível europeu.

Não havendo essa possibilidade, não seria melhor fazer uma democracia que corresponderia a um regresso do poder a um espaço mais soberano?

Depende muito do que isso significa na prática e de como se chega lá, e dos custos que isso tem. No domínio monetário seria muito desejável que, na impossibilidade de termos outro tipo de mecanismos, dadas as dificuldades em criar uma união monetária e política viável na Europa, existissem mecanismos de coordenação monetária que evitassem grandes oscilações cambiais, mas permitissem alguma diferenciação a nível monetário. Haveria outras formas de atingir resultados semelhantes se a UE não tivesse uma atitude tão fundamentalista face à ideia de mercado interno. Poderia ser possível, através de mecanismos fiscais, simular o que é o papel de uma moeda própria. A questão é que isso vai completamente contra a orientação da UE.

Como é possível fazer isso?

Discriminando, por exemplo, os produtos pela origem nacional, promovendo exportações e diminuindo importações de economias que estão em situações mais débeis. Não seria o substituto perfeito, mas seria um substituto. Mas isso vai contra o que é a essência desta integração europeia, que é promover a criação de um mercado totalmente integrado.

Não podendo fazer isso e não parecendo politicamente viável criar um orçamento europeu que compense os diferentes estados de desenvolvimento dos países da zona euro, é possível manter esta moeda?

Só será possível manter esta moeda em condições de aumento de assimetrias e desigualdades e de abdicação, por parte dos países economicamente mais frágeis, de terem um projeto económico digno para os espaços económicos que gerem.

Sendo nós uma das sociedades mais desiguais da Europa, a perspetiva é tornarmo-nos ainda mais desiguais com a continuação da integração europeia?

A desigualdade depende de fatores muito distintos. Nem todos dependem das forças que estão associadas aos mecanismos de integração europeia. Em Portugal há uma herança pesadíssima ao nível da educação que pode ser combatida localmente, independentemente dos problemas que existem a nível da nossa integração europeia. A questão é saber se temos a possibilidade de aspirar a níveis de desenvolvimento económico, social e ambiental mais avançados, num quadro em que a nossa economia está permanentemente sujeita a restrições fortíssimas e em que a única forma que temos de nos ajustar a situações de crise tem sido diminuir salários e direitos sociais, diminuir a capacidade do Estado para introduzir elementos de equilíbrio num país que é extraordinariamente desigual. Desse ponto de vista, a redução do espaço da intervenção do Estado pode ser uma fonte permanente de agravar as desigualdades.

E há alguma forma de contrariar este processo com estas condicionantes?

É possível ir sobrevivendo. Estamos a cozer em lume brando. A nossa vida não piora anualmente de uma forma drástica, mas daqui a 20 ou 30 anos olharemos para trás e será terrível.

Mas não seria melhor romper?

Depende das condições que temos para romper e de quem é que lidera o processo de rutura, e do contexto em que se desenrola esse processo. Mas, para todos os efeitos, devemos preparar a economia e a sociedade e a democracia portuguesas para vários cenários possíveis e para uma eventual necessidade de romper com a União Europeia.

Disseram-nos muitas vezes que vivemos acima das nossas possibilidades, mas pelos vistos vivemos com bancos muito acima das nossas possibilidades, eles parecem estar a atirar-nos literalmente ao fundo. Como é que isso aconteceu?

Os fatores determinantes têm que ver com a evolução da economia portuguesa e da forma como ela cresceu, sobretudo nos anos 90. Nós passámos pelo processo mais radical de transformação do sistema financeiro que se verificou em toda a Europa ocidental. Entre 89 e 92, passámos de uma situação em que 80% dos ativos bancários estavam na mão do Estado para uma situação em que 80% desses mesmos ativos passaram para a mão dos privados – num processo em que a privatização da banca foi apoiada pelos poderes públicos e foi acompanhada de uma desregulamentação da atividade financeira e da liberalização dos fluxos de capital a nível internacional, e isso fez com que a concorrência entre a banca e a grande disponibilidade de liquidez permitissem um rapidíssimo crescimento económico, um dos maiores crescimentos económicos do mundo, conseguido à base do acesso ao crédito. Que levou, como é costume nessas situações, a níveis de endividamento muito acelerados do setor privado que, depois de 2000, não conseguiram ser sustentáveis, tendo em conta que a economia portuguesa, a partir daí, passou a crescer a ritmos muito mais baixos do que tinha crescido anteriormente. Isso aconteceu não só porque estava endividada, mas porque sofreu um conjunto de choques competitivos muito significativos: a entrada da China na OMC, a abertura da UE a leste, a valorização do euro face ao dólar, etc. E, portanto, a economia portuguesa, entre 2000 e 2007, teve um dos crescimentos mais baixos da UE, contrastando com os anos anteriores. E uma economia assim começa a ter problemas de desemprego e incumprimento dos créditos bancários, e quer o Estado quer a banca começaram a acusar a situação da economia.

Mas tratámos bem dessa falência bancária?

A posteriori é mais fácil fazer essas análises. O BPN, por exemplo, creio que era consensual que não era um banco sistémico. E que poderia ter falido, e deveria ter falido. Mas eu não sei, se fosse ministro das Finanças na altura, se teria tomado uma decisão diferente da que foi tomada. Em relação ao BES, a situação é completamente diferente. O BES estava sob suspeita há muito tempo e durante muito tempo nada de substancial foi feito para precaver aquilo que foi o seu resultado. Desde que começa a haver notícias sobre o BES até ao fim do BES enquanto tal, perderam-se muitos milhares de milhões de euros.


nuno.almeida@ionline.pt

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