Centeno
confia, Teodora desconfia
DIRECÇÃO EDITORIAL
22/01/2016 - PÚBLICO
Governo
faz um esforço para ir ao encontro das exigências de Bruxelas. Pode
não ser suficiente
O esboço do
Orçamento do Estado para 2016 foi finalmente enviado para Bruxelas e
há um claro esforço de António Costa e de Mário Centeno para
tentar ir ao encontro das exigências da Comissão Europeia. Tal como
o PÚBLICO noticiou no início desta semana, Bruxelas não estava
propriamente convencida com a ambição do Governo para chegar ao
final deste ano com um défice nominal de 2,8%, já que com esse
valor não garantia uma redução do défice estrutural (que expurga
os efeitos do ciclo económico), um tema caro para a Comissão e com
o qual Portugal se comprometeu ao assinar o Pacto Orçamental. Costa
e Centeno acabaram por rever em baixa a previsão para o défice
orçamental, de 2,8% (valor inscrito no programa eleitoral do PS e no
programa de Governo) para 2,6%, duas décimas que permitem baixar o
défice estrutural igualmente em duas décimas.
E onde é que o
Governo vai buscar o dinheiro? Para não quebrar a tradição dos
Orçamentos do Estado recentes, António Costa não resistiu e
aumentou os impostos. É verdade que não toca directamente nos
rendimentos, pensões e salários – para não ferir de morte os
acordos à esquerda –, mas aumenta novamente (e já pela enésima
vez) o imposto sobre os combustíveis, sobe a tributação sobre o
tabaco e faz disparar o imposto de selo sobre o crédito ao consumo.
E recalendariza o pagamento da dívida, de forma a poupar nos juros.
E tudo isto chega?
Mário Centeno consegue uma redução tímida no défice estrutural,
mas continua longe da descida de 0,5 pontos percentuais exigida pelo
Tratado Orçamental. O ministro das Finanças diz que este esboço de
Orçamento para 2016 “é o plano A”, restando saber se Centeno
estará disponível para apresentar um “plano B” ou um “plano
C” caso Bruxelas seja intransigível na exigência do cumprimento
do Pacto Orçamental.
Mário Centeno
confia que não. Teodora Cardoso (presidente do Conselho das Finanças
Públicas) desconfia que sim. A análise que o Conselho das Finanças
Públicas (CFP) faz ao documento do Governo não é simpática. O
CFP, que é uma entidade independente, diz que as projecções para a
evolução da economia contidas no documento apresentam “riscos
relevantes” e são “pouco prudentes”, criticando ainda a opção
do Governo de apostar no procura interna, nomeadamente no consumo
privado, como motor para espevitar a economia. São críticas que
colocam em dúvidas não só os números, mas o próprio modelo e as
crenças económicas de Mário Centeno.
António Costa
estará consciente desses riscos, mas os acordos que fez à esquerda
deixaram-no com uma margem muito estreita para fazer muito diferente.
Por enquanto, e com o petróleo barato, o BCE a injectar dinheiro na
economia e os nossos parceiros comerciais a crescer, a realidade até
poderá ir ao encontro das previsões do Governo. Mas o caminho é
estreito e cheio de obstáculos.
Que
poder tem a Europa para mudar o OE português?
SÉRGIO ANÍBAL
21/01/2016 - PÚBLICO
Bruxelas
já não pode ameaçar com um corte em empréstimos concedidos a
Portugal, mas ainda tem a capacidade para ensombrar a já frágil
imagem que o país tem junto dos mercados.
É ainda grande a
diferença entre as intenções do Governo português para o OE e
aquilo que as autoridades europeias pedem, o que faz com que, neste
momento, um confronto entre as duas partes pareça praticamente
inevitável. A dúvida que subsiste é sobre qual será o equilíbrio
de forças nesta luta. Irá o Executivo liderado por António Costa,
colocado também sob pressão internamente, resistir às exigências
europeias, ou terão Bruxelas e as outras capitais europeias
capacidade para fazer o Governo ceder e apresentar mais medidas de
consolidação orçamental?
A resposta
definitiva apenas irá surgir nos próximos meses, mas existe para já
uma certeza: apesar de as regras orçamentais europeias terem sido
endurecidas após a crise, o poder de persuasão da UE está agora
mais fragilizado pelo facto de Portugal não estar dependente das
tranches de financiamento da troika, baseando-se antes no rombo na
sua reputação que o país poderia sofrer caso fosse alvo de fortes
críticas das autoridades europeias.
Com a introdução,
no auge da crise da dívida soberana da zona euro, de novas regras
para a vigilância do cumprimento do Tratado Orçamental, cada um dos
países passou a ter de enviar a Bruxelas os seus planos orçamentais
para o ano seguinte, antes que estes sejam aprovados pelos
respectivos parlamentos. A Comissão Europeia verifica se o OE cumpre
as regras de forma credível, emite o seu parecer e, depois, os
outros países (através do Eurogrupo) tomam a decisão final sobre
aquilo que deve ser exigido a um determinado Governo. A ideia é dar
a oportunidade às autoridades europeias de corrigir o orçamento dos
Estados membros antes que eles passem a lei.
Se um Governo não
cumprir as recomendações europeias, não adoptar mais medidas e
acabar efectivamente por não cumprir as metas estabelecidas, fica
sujeito a que o procedimento por défice excessivo, a que Portugal
ainda está sujeito, vá subindo de nível, até poder chegar, na
fase final e em caso de incumprimento reiterado, à aplicação de
multas financeiras.
No caso português,
contudo, quando se compara este cenário com o vivido entre 2011 e
2014, quando a troika esteve em Portugal, conclui-se que o nível de
vigilância e, principalmente, de capacidade de influência de
Bruxelas no OE português é agora muito menor. Com a troika, estava
sempre em cima da mesa a possibilidade de, caso Portugal não
cumprisse o programa estabelecido, a tranche do empréstimo do
empréstimo concedido a Portugal poder ficar retida. Estando os
mercados fechados ao país, essa possibilidade constituía um efeito
persuasor muito forte, como pode também atestar o Governo de Alexis
Tsipras na Grécia.
Não se pense
contudo que, do lado europeu, se parte para este tipo de conflitos
com os Estados membros apenas com as armas institucionais oferecidas
pelas regras orçamentais do euro. Como assinala o economista Ricardo
Paes Mamede, “a Comissão Europeia tem um poder fundamental, que é
o de pôr em causa a reputação do país”.
“Até agora, os
investidores fazem uma avaliação benigna do que é a situação
portuguesa, baseados no que pensam ser um suporte das instituições
europeias ao país. Mas se a Comissão quiser usar essa arma, dizendo
que o país é ‘delinquente’ na sua política orçamental, isso
pode ter um impacto muito grande nos mercados”, diz o professor do
ISCTE.
João Loureiro,
professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, também
vê nos efeitos para a imagem internacional do país o principal
risco de Portugal nestas negociações “Face às notícias que têm
sido divulgadas ultimamente na comunicação social europeia sobre
Portugal, nomeadamente no que respeita à disciplina das finanças
públicas e aos recentes casos no sistema bancário, é fundamental
que a opinião negativa que se vai formando sobre o país seja
rapidamente revertida. Nesse sentido, seria muito bom sinal que o
governo, por iniciativa própria, se comprometesse com a disciplina
orçamental”, afirma o economista, defendendo que ”se não for
esse o caso, esta é uma daquelas ocasiões em que, se calhar, nos é
útil a existência de um polícia mau”.
Ricardo Paes Mamede,
contudo, assinala também o risco que para as próprias autoridades
europeias correm se Portugal cair em desgraça nos mercados: ficar
nas suas mão com mais um problema ao estilo da Grécia. “Seguramente
que a Comissão Europeia não quer entrar numa situação deste
tipo”, diz. Em relação à estratégia a seguir por Portugal, o
economista não vê “grande margem para que o Governo tente ir ao
encontro da Comissão do lado da despesa ou em algumas dimensões da
receita”. “mas isso não significa que não possa adoptar
medidas, como aumentar a tributação nos níveis mais elevados de
rendimento e sobre as empresas”.
Outro factor
diferenciador na negociação em que Portugal agora se encontra é
que outros países, de maior dimensão, estão em situações
semelhantes.
A Espanha, cujo
Governo anterior optou por apresentar os seus planos orçamentais a
Bruxelas mais cedo em antecipação das eleições, foi alvo de
fortes críticas pelas autoridades europeias. “O novo governo
deverá apresentar mais ajustes”, disse na semana passada o
presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem.
A Itália, que tal
como a França se viu forçada inicialmente a fazer alterações ao
seu orçamento e a apresentar um plano de reformas estruturais, tem,
pela voz do seu primeiro-ministro, revelado um desagrado crescente
com a imposições provenientes de Bruxelas.
Poderá Portugal
aproveitar esse ambiente? Ricardo Paes Mamede não acredita,
apostando que “não será suficiente a Portugal dizer que não está
a pedir mais do que a Espanha ou a Itália, já que a resposta será
sempre que os países têm características diferentes”. “O que
conta é o poder negocial português”, afirma.
João Loureiro diz
que sim, que é possível Portugal usar o facto de outros países
estarem em conflito, mas defende que tal “seria contraproducente”.
“Mesmo que a União Europeia seja condescendente com o governo
português, logo a seguir os mercados farão a sua avaliação”,
argumenta.
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