Câmara
de Lisboa pagou 1,7 milhões a dirigentes sem aval da assembleia
“A
câmara andou três anos a pagar abonos aos dirigentes sem ter
aprovação”, constata o PSD, que fala numa “ilegalidade”. O
executivo admite que se faça essa leitura, mas defende outra
“interpretação” da lei
Inês Boaventura /
29-1-2016 / PÚBLICO
A posição da
câmara presidida por Medina não encontra conforto em diferentes
entendimentos jurídicos emanados por várias entidades para
situações semelhantes
A Câmara de Lisboa
pagou mais de 1,7 milhões de euros aos seus dirigentes, entre 2013 e
2015, a título de despesas de representação. O PSD defende que
esse pagamento foi feito à margem da lei, entendimento que encontra
suporte em pareceres jurídicos da Comissão de Coordenação e
Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo e da Direcção-Geral
das Autarquias Locais.
Este ano, a câmara
propõe-se pagar 617 mil euros em despesas de representação aos
seus dirigentes
Com a entrada em
vigor da Lei n.º 49/2012, de 29 de Agosto, a atribuição de
despesas de representação “aos titulares de cargos de direcção
superior de 1.º grau e de direcção intermédia de 1.º e 2.º
graus” da administração local passou a ser “competência da
assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal”. No caso
de Lisboa, os anos seguintes à entrada em vigor da lei foram
passando sem que os órgãos autárquicos tivessem apreciado qualquer
proposta nesse sentido.
Mas o pagamento das
despesas de representação, esse continuou a ser feito. Consultando
os últimos orçamentos da Câmara de Lisboa, verifica-se que em 2013
o montante pago aos dirigentes a esse título foi de 580 mil euros,
valor que se manteve no ano seguinte e que subiu para 596,88 mil
euros em 2015.
Em Novembro passado,
a câmara apreciou pela primeira vez um documento, assinado pelo
vereador das Finanças, no qual se propõe a submissão à assembleia
municipal “da atribuição do abono de despesas de representação”
em 2016. Aos directores municipais determina-se o pagamento de um
valor de 778,66 euros por mês, aos directores de departamento e às
chefias das equipas de projecto de 312,02 euros e aos chefes de
divisão de 195,36 euros.
Na câmara a
proposta foi aprovada por unanimidade, mas quando chegou à
assembleia municipal, onde está desde o final de Novembro sem ter
sido ainda discutida em plenário, começaram a surgir dúvidas. O
assunto baixou à Comissão de Finanças, onde foram suscitadas
várias questões, uma das quais a de saber se a atribuição de
despesas tinha sido “objecto de proposta camarária para apreciação
e votação” pela assembleia municipal desde que entrou em vigor a
Lei n.º 49/2012.
PSD fala em
ilegalidade
O líder da bancada
do PSD na assembleia municipal confessa ao PÚBLICO ter constatado
com “alguma surpresa e indignação” que isso não tinha
acontecido nos anos de 2013, 2014 ou 2015. “Fica absolutamente
provado que a câmara andou três anos a pagar um conjunto de abonos
aos dirigentes sem ter aprovação para o fazer”, diz Sérgio
Azevedo, defendendo que foi cometida “uma ilegalidade”.
O autarca critica “a
irresponsabilidade e leveza com que o executivo tem tratado este
assunto” e sublinha que os únicos “prejudicados” são os
trabalhadores aos quais foram pagas as despesas de representação.
Lamentando a situação e manifestando a sua “solidariedade” para
com eles, Sérgio Azevedo admite que talvez não haja outra solução
para este caso que não seja a de os dirigentes reporem as quantias
recebidas.
“Não queremos de
maneira alguma prejudicar ninguém, mas estamos a falar de dinheiros
públicos e temos que ser absolutamente rigorosos”, afirma o
deputado municipal, lembrando que estão em causa “quantias
bastante elevadas”. Para Sérgio Azevedo, a bola está agora do
lado da câmara, à qual cabe apresentar “uma solução” para
resolver este caso.
Questionado sobre o
assunto pelo PÚBLICO, o vereador das Finanças procurou justificar
aquela que diz ter sido “a interpretação” que a câmara fez da
Lei n.º 49/2012 aquando da sua publicação (numa altura em que
ainda não integrava o executivo municipal) e com a qual sublinha,
aliás, concordar.
Aquilo que João
Paulo Saraiva alega é que essa legislação tinha a ver com a
“reestruturação orgânica” dos municípios e que como o de
Lisboa tinha feito uma em 2011 não se justificava fazer outra no ano
seguinte. Seguindo esse raciocínio, a tese do autarca é a de que
“seria um pouco estranho” não fazer essa reestruturação e
adoptar os restantes “condicionalismos” da lei.
“Uma coisa está
agarrada à outra”, diz o vereador das Finanças, sustentando que
“não fazia sentido” dar cumprimento a apenas “uma das peças”
da legislação. Posto isso, o entendimento de João Paulo Saraiva é
o de que só a partir do momento em que voltou a alterar a sua
orgânica (em meados de 2015) é que a Câmara de Lisboa tinha que
submeter à aprovação da assembleia a atribuição das despesas de
representação.
Confrontado com a
posição do PSD, que considera que o executivo municipal cometeu uma
ilegalidade, o vereador das Finanças admite que essa leitura é
possível, mas frisa que não partilha dela. “Não é essa a nossa
interpretação”, diz, argumentando que a “decisão” da câmara
“foi tomada e está sustentada na lei”. Além disso, acusa, “a
oposição vê ilegalidades em montes de sítios”.
Pareceres refutam
câmara
Mas a verdade é que
a posição da câmara presidida por Fernando Medina (que foi
vereador das Finanças entre o final de 2013 e o início de 2015) não
encontra conforto em diferentes entendimentos jurídicos emanados por
várias entidades. Exemplo disso é um parecer da Comissão de
Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo
(CCDR-LVT), de 2012, no qual se diz, em resposta a uma solicitação
de uma autarquia não identificada, que “desde o dia 30 de Agosto
só pode haver lugar ao pagamento de despesas de representação se a
assembleia municipal deliberar nesse sentido”.
A essa mesma
conclusão chegaram outras entidades, como a Direcção Regional de
Organização e Administração Pública da Região Autónoma dos
Açores. Em Novembro de 2012 esta entidade sustentou que, com a Lei
n.º 49/2012, o pagamento de despesas de representação passava “a
ser um direito que terá que ser reconhecido por deliberação da
assembleia municipal”, acrescentando que essa obrigação se
verifica a partir do dia 30 de Agosto desse mesmo ano.
Mas há mais: em
Dezembro de 2012 a Câmara de Leiria aprovou uma proposta para o
pagamento de despesas de representação do pessoal dirigente. Nessa
proposta, assinada pelo presidente do município, davase conta da
existência de “dúvidas sobre se a obrigatoriedade de aprovação
das despesas de representação por parte da assembleia municipal
deve reportar-se a 30 de Agosto de 2012 ou apenas a partir da data da
entrada em vigor do ajustamento da estrutura interna” da câmara.
A resposta a essa
dúvida foi dada pela CCDR do Centro, “que reproduziu o
entendimento sufragado na reunião de coordenação jurídica
realizada, em 3 de Outubro de 2012, na Direcção-Geral das
Autarquias Locais”. E que entendimento foi esse? O de que, “com a
entrada em vigor da Lei n.º 49/2012, só pode haver lugar ao
pagamento de despesas de representação se a assembleia municipal
deliberar nesse sentido”.
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