Hotel
de luxo funciona sem licença e usa parque público como se fosse
privado
26/01/2016 - PÚBLICO
Está
aberto há três meses, mas ainda não tem licença. Parque
subterrâneo feito em terrenos camarários na condição de ser
público serve apenas o hotel. Ex-vereadores de João Soares foram
administradores da empresa.
O Hotel Palácio do
Governador, um estabelecimento de cinco estrelas localizado em frente
à Torre de Belém, em Lisboa, está a funcionar desde Outubro sem
licença de utilização. Igualmente sem licença funciona um parque
de estacionamento subterrâneo, construído em terrenos municipais
anexos ao hotel.
O espaço foi cedido
há 15 anos pela câmara, então liderado por João Soares, para
construir um parque público. Desde que abriu, em Outubro, serve
apenas o hotel, ao qual tem ligação directa, sendo interdito o
acesso a outros automobilistas.
Em resposta ao
PÚBLICO, a Câmara de Lisboa confirmou na semana passada que o
Palácio do Governador e o parque de estacionamento, situados na
esquina da Av. da Torre de Belém, com a Rua Bartolomeu Dias, não
dispõem de licença de utlização. Mais do que isso: as obras ainda
não estão formalmente concluídas, uma vez que o promotor requereu
a prorrogação da licença de construção até 28 de Janeiro e
ainda tem de cumprir várias obrigações legais até obter a licença
de utilização.
À entrada do parque
de estacionamento, uma placa de grande visibilidade avisa, por baixo
do sinal de parqueamento, “Privado Hotel”. Contratualmente,
porém, o parque tem natureza pública, embora a sua construção, e
exploração durante 50 anos, tenha sido entregue pelo município, em
2001, à empresa Carlos Saraiva II — que então se preparava para
transformar em hotel o degradado palácio dos governadores da Torre
de Belém.
Nos termos do
contrato de constituição do direito de superfície sobre a parcela
de 4159 m2 em cujo subsolo foi feito o parque de um piso, este teria
126 lugares, 20 dos quais reservados à unidade hoteleira. Antes da
sua abertura, a empresa teria de submeter ao município o regulamento
de exploração e o respectivo tarifário para aprovação. Segundo a
câmara, nada disso aconteceu até agora.
O contrato prevê
também a extinção do direito de superfície caso as instalações
sejam usadas para um fim distinto do previsto. Em contrapartida do
direito a construir e explorar o estacionamento a empresa teria de
pagar mensalmente 1154 euros. De acordo com a câmara, ainda não
houve qualquer pagamento porque a “renda contratada” só será
cobrada “após o início da exploração”.
O PÚBLICO dirigiu
várias perguntas ao grupo Nau Hotels, que explora o Palácio do
Governador, mas não obteve resposta. A empresa Carlos Saraiva II
fazia parte de um importante grupo imobiliário e hoteleiro (Hotéis
CS) que se desmoronou a partir de 2010. Os seus activos, incluindo o
Palácio do Governador, que tinha as obras suspensas há anos,
passaram para os bancos credores. Já em 2014, mudaram-se para o
universo da sociedade de capital de risco ECS, que criou a marca Nau
Hotels.
O direito de
superfície continua em nome da Carlos Saraiva II, empresa que mudou
de nome para Gavepart II, uma sociedade do grupo ECS sem qualquer
actividade comercial.
Além do parque do
Palácio do Governador, o empresário Carlos Saraiva esteve
envolvido em vários casos que mancharam os executivos de João
Soares devido às facilidades que lhe foram concedidas sem
cumprimento das normas legais. À época da aprovação do parque de
Belém, um dos seus vereadores, Machado Rodrigues, tornou-se
proprietários de vários apartamentos construídos pelo empresário
sem pagar sisa.
Outro dois
colaboradores próximos de João Soares, a vereadora do Urbanismo,
Margarida Magalhães, e Tomás Vasques, então chefe de gabinete do
presidente da câmara e desde há um mês chefe de gabinete do
ministro da Cultura, tornaram-se administradores de várias empresas
de Carlos Saraiva pouco depois de perderem as eleições de 2002, a
favor de Santana Lopes.
Câmara de Lisboa
oferece jardim ao promotor
O direito de
superfície aprovado em 2001 pela Câmara de Lisboa em favor da
Carlos Saraiva II tinha uma particularidade excepcional. No subsolo
da parcela municipal de 4159 m2 seria construído um “parque
público de estacionamento subterrâneo”.
Por cima, à
superfície daquilo que continua a ser um terreno camarário haveria
duas zonas distintas: uma, de 2713 m2 para espaço de utilização
pública; outra, de 1446 m2, reservada para uso privativo do hotel e
designada “zona de protecção” do mesmo.
Na primeira (onde
nos anos 90 havia uma área de estacionamento à superfície criada
pela Universidade Moderna) pode-se andar à vontade e há alguns
espaços ajardinados. A segunda está completamente vedada por muros
e serve como jardim privativo do hotel, com esplanada e piscina.
A empresa não paga
nada por esse espaço público, uma vez que a renda devida pelo
direito de superfície se refere apenas ao parque de
estacionamento. Em 2002, um dos dirigentes dos serviços de
património da câmara disse ao PÚBLICO, pedindo para não ser
identificado, que a cedência deste “espaço de protecção” é
“inabitual” e de “base legal duvidosa”.
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