Há
uma reestruturação em curso no CCB para um plano que deverá cair
Em
2015, investiram-se dezenas de milhares de euros numa estratégia
para o eixo Belém-Ajuda que o Governo CDSPP deixou por aprovar. O
novo ministro da Cultura opõe-se-lhe “absolutamente”
Devido
ao calendário eleitoral e à escala do programa, o executivo de
Passos Coelho não chegou a tomar “qualquer decisão definitiva”
acerca do plano em que a presidência do CCB trabalha desde 2014
“As
alterações e os investimentos já realizados prejudicam e são
desconformes à missão e ao papel do Centro Cultural de Belém.
Aliás, esses efeitos negativos já se sentem. Repito: é
lamentável!”, diz João Soares
Vanessa Rato /
15-1-2016 / PÚBLICO
O plano desenhado
pelo presidente do Centro Cultural de Belém (CCB), António Lamas,
para o eixo AjudaBelém foi deixado por aprovar pelo Governo PSD-CDS,
que o lançou. No entanto, tem estado em curso. Ao longo de 2015, o
CCB investiu dezenas de milhares de euros numa reestruturação
interna e em projectos externos tendo esse plano em vista. Um plano
que, como se previa, o novo Governo PS deverá agora deixar cair. Nas
suas primeiras declarações públicas sobre o tema, o novo ministro
da Cultura, João Soares, disse ao PÚBLICO discordar “aberta e
absolutamente do chamado Plano Estratégico Cultural da Área de
Belém”.
“Discordo enquanto
ministro da Cultura e enquanto antigo presidente da Câmara de
Lisboa. Aliás, o dito plano foi elaborado e decidido sem qualquer
consulta à Câmara de Lisboa, o que é obviamente inaceitável”,
explicou João Soares ao PÚBLICO por email, em resposta a uma série
de perguntas. No princípio de Dezembro, Fernando Medina, o novo
presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), também tornou
pública a sua opinião, afirmando que o único “final feliz”
seria a “extinção” da missão coordenada por Lamas.
Segundo pretendido
por essa estrutura de missão, a zona monumental de Belém e da Ajuda
adoptaria um modelo de gestão próximo do implementado por Lamas com
reconhecido sucesso no Parques de Sintra-Monte da Lua: sob uma mesma
administração, sentada no CCB, deveriam ficar equipamentos e bens
culturais de tão diferentes escalas e características como o
Mosteiro dos Jerónimos, pelo menos seis museus — Berardo, Coches,
Etnologia, Arte Popular, Marinha, Electricidade e o novo Museu EDP,
ainda em construção —, vários palácios (Nacional da Ajuda
incluído), o Padrão dos Descobrimento e a Torre de Belém, a
Cordoaria Nacional, o Arquivo Histórico Ultramarino, a Biblioteca da
Ajuda e dois jardins botânicos — o Tropical e o da Ajuda. Entre os
objectivos programáticos, em grande parte virados para o turismo,
estavam a criação de percursos temáticos relacionados com os
Descobrimentos, a criação do Distrito Cultural de Belém e a
ampliação do CCB, com a construção do Módulo 4, inicialmente
previsto mas nunca executado.
Em Outubro de 2013,
num artigo para o PÚBLICO, Lamas escrevia: “Desde que fui
responsável por promover, no fim dos anos 1980, o Plano de
Salvaguarda da Zona Ajuda-Belém, o CCB e o projecto de
requalificação da envolvente do Palácio da Ajuda, que penso que as
unidades que constituem o património de Belém, na tutela de
diversas instituições, beneficiariam de uma gestão conjunta.” Ia
mais longe: à semelhança de Sintra, explicava Lamas, o eixo
Ajuda-Belém “suporta uma rentável ‘zona económica de
influência’” — com negócios de restauração, comércio e
hotelaria. O hoje presidente do CCB sublinhava que estes agentes
“exercem actividades totalmente dependentes da qualidade do
‘cenário’ patrimonial” em que se inscrevem, mas “ainda não
participam na sua valorização nem sequer promoção”. Um ano
depois, pouco após a sua chegada ao CCB, Lamas explicava, já em
entrevista ao PÚBLICO, que provavelmente não teria aceitado o cargo
a não ser pela missão de concretizar este plano aglutinador. Nos
bastidores do CCB, entre funcionários, começou então a temer-se
pelo futuro de uma das maiores instituições culturais portuguesas:
o próprio centro e a sua missão original.
Nessa entrevista ao
PÚBLICO, Lamas assegurava: “Não vim para o CCB para ser um
presidente liquidatário.” No entanto, menos de um ano volvido,
entregava ao executivo de Pedro Passos Coelho um Plano Estratégico
em que podia ler-se que a Fundação CCB se encontrava “em
transformação e conclusão do [seu] programa fundador”.
Esse documento de 35
páginas está datado de 24 Agosto de 2015, altura em que ficou
disponível online para consulta pública. A sua elaboração fora
aprovada em Conselho de Ministros menos de dois meses antes — a 18
de Junho. Já a concretização desse plano ficou pendente: a 29 de
Junho, devido ao calendário eleitoral e à escala do programa em
causa, o executivo de Passos Coelho disse não querer tomar “qualquer
decisão definitiva”. Lamas, porém, começara a trabalhar no plano
logo após a sua chegada ao CCB — tal como previsto quando fora
convidado.
Investimentos
Lamas entrou em
funções no CCB a 17 de Agosto de 2014. A 28 de Outubro do mesmo
ano, o CCB investiu 21 mil euros na “aquisição de serviços
jurídicos tendentes à consultoria em matéria de contratação”.
O PÚBLICO sabe que, desde então, cerca de 15 funcionários deixaram
o centro. Outros, com novas funções, foram contratados. O CCB
recusou esclarecer quantos e para que cargos. Lamas respondeu por
escrito a uma série de cinco perguntas que o PÚBLICO remeteu à sua
presidência. Não houve lugar a segunda ronda de perguntas ou
esclarecimentos adicionais. Entre as respostas, fez saber que a
reestruturação da instituição em termos de pessoal decorreu de
“um diagnóstico à estrutura orgânica” e de “uma análise
sistemática de prioridades de melhoria ao nível da gestão”.
Visou-se uma “optimização da gestão”.
Entre muitos outros
investimentos, no ano passado o CCB gastou também sete mil euros num
levantamento arquitectónico do Jardim Botânico Tropical, com o qual
não tem qualquer ligação física e que não está sob a sua
tutela. Foi em Abril. No mês seguinte, mais 15 mil euros foram
gastos num levantamento topográfico do mesmo jardim, durante muito
tempo sob tutela do Instituto de Investigação Científica Tropical,
que, por sua vez, a 31 de Julho foi fundido com a Universidade de
Lisboa e a Direcção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas.
Segundo Lamas, esses
gastos com “o mais relevante mas também mais desconhecido e
degradado jardim histórico de Belém” foram feitos com “expressa
concordância da tutela” e, na verdade, não saíram do orçamento
do centro: foram feitos “aproveitando a oportunidade de apoio do
POR Lisboa”, o Programa Operacional Regional de Lisboa, que
funciona com fundos europeus. Os estudos ao jardim foram realizados,
diz Lamas, “para permitir a sua rápida requalificação e
divulgação”.
Entre os
investimentos estão ainda a produção de um site para divulgação
da zona, o desenho e a produção de mapas infográficos sobre o
património cultural do eixo e a preparação de uma grande e já
anunciada exposição sobre a Exposição do
Mundo Português, a
grandiloquente mostra com que, em 1940, o Estado Novo ocupou a zona
de Belém e para qual foram criadas estruturas como a que alberga
hoje o Museu de Arte Popular e a própria Praça do Império.
Na preparação e no
acompanhamento deste tipo de candidaturas ao POR Lisboa, o CCB
investiu cerca de 34 mil euros. Para esta última exposição,
inicialmente planeada para o final de 2015, recebeu cerca de 74 mil
euros. Sobre ela, diz Lamas, “brevemente haverá mais novidades”.
Entretanto, o presidente do CCB avança com uma notícia: o centro
passará a ter cinema no Grande Auditório, “tal como inicialmente
previsto com a instalação de um aparelho analógico sofisticado mas
que rapidamente se tornou obsoleto” — o centro comprou em Junho
um ecrã e sistema para projecção de cinema digital, incluindo 3D,
no valor de 75 mil euros. As potencialidades deste novo equipamento
ficaram demonstradas, diz Lamas, pelo “sucesso da apresentação de
filmes em antestreia, e durante o Lisbon & Estoril Film Festival,
entre Junho e Dezembro de 2015”. Iniciativas que abrem “uma nova
área de actividades culturais”.
Outra nova área de
actividade: a gestão de parte dos serviços de restauração
albergados no interior do centro, até agora em exploração externa.
O mesmo acontece com a manutenção do próprio edifício, que a
Fundação CCB tem agora a seu cargo. Opções que implicaram também
investimentos. Por exemplo, 17 mil euros numa boca-de-fogo para a
cozinha, 18 mil em café em grão, quase dez mil em ferramentas.
“Lamentável”,
diz Soares
João Soares é
taxativo na sua reacção ao panorama que estas sucessivas realidades
configuram: diz que a não consulta da CML sobre o plano do eixo
Ajuda-Belém é “inaceitável” e que, “por si só, bastava”
para conseguir a sua “oposição”. Mas acrescenta que essa
oposição se fundamenta também em “discordâncias de natureza
substantiva”. “Sobre as alterações e os investimentos já
realizados, só posso repetir enfaticamente a minha discordância.
Eles prejudicam e são desconformes à missão e ao papel do Centro
Cultural de Belém. Aliás, esses efeitos negativos já se sentem.
Repito: é lamentável!”
Tal como Lamas, a
tutela apenas permitiu ao PÚBLICO uma ronda única de perguntas e
respostas. Ficam por esclarecer quais os efeitos negativos a que o
ministro se refere. Entre os factos que preocupam os funcionários do
CCB estão as consequências para a programação artística, que
muitos acreditam estar actualmente secundarizada, tal como temido por
críticos iniciais do plano.
A programação
artística, até hoje a principal missão do centro, continua por
apresentar para a temporada de 2016-2017, apesar de estar já em
curso desde a rentrée do pósVerão. Segundo Lamas, tanto o plano de
actividades como o orçamento para 2016 foram aprovados pelo conselho
directivo da Fundação CCB e submetidos à tutela. “Aguardam
aprovação para a usual apresentação pública.” Ainda segundo
Lamas, as actividades do primeiro trimestre, de Outubro a Dezembro,
tiveram a concordância da anterior tutela.
Questionado sobre se
já se encontrou com António Lamas ou se pretende discutir em breve
com ele o projecto CCB, João Soares respondeu afirmativamente, ainda
que não de forma absolutamente esclarecedora: “Já me encontrei,
em diversas circunstâncias, com o senhor engenheiro.”
Em Novembro, quando
se pronunciou sobre o tema numa sessão extraordinária da CML,
Fernando Medina criticou, entre outros aspectos, a “visão
mercantilista” do Plano Estratégico apresentado por Lamas ao
Governo PSD-CDS. Garantindo que a CML “não foi ouvida nem
consultada”, apesar de ter manifestado “total disponibilidade
para um trabalho em conjunto”, Medina acrescentou que a autarquia
“decidiu não integrar o conselho consultivo” criado para apoiar
a estrutura de missão coordenada pelo presidente do CCB: “Este
processo não começou bem, prosseguiu pior e esperemos que tenha um
final feliz, com a extinção da equipa e a confinação ao que são
as competências próprias de cada um.”
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