Subvenções
vitalícias, o jackpot dos políticos
PEDRO SOUSA CARVALHO
21/01/2016 - PÚBLICO
A
linguagem repolhuda e farfalhuda, como diria Camilo Castelo Branco,
não esconde a fragilidade dos argumentos do TC
Há leis que
deveriam ser afixadas à porta do Parlamento para que sempre que os
deputados entrassem na Assembleia baixassem a cabeça, não por
reverência, mas por vergonha. Uma delas é a que permitiu a Assunção
Esteves reformar-se aos 42 anos, recebendo 7255 euros de pensão por
dez anos de trabalho como juíza do Tribunal Constitucional (TC). Há
outra que contava a dobrar o tempo para efeitos de reforma e que
possibilitou a autarcas, como uma de Palmela, reformar-se aos 47
anos. Há outra ainda, de 1985, que permitia a ex-titulares de cargos
políticos trabalhar apenas oito anos (12 anos, a partir de 1995) e
receber uma subvenção para o resto da vida.
Esta última lei,
cozinhada pelo Bloco Central, pretendia compensar os gestores,
advogados, economistas, médicos, engenheiros, etc… por abdicarem
da sua actividade profissional e dedicarem-se à coisa pública. Na
altura, a lei gerou polémica e muitos votos contra, mas acabou por
passar.
É difícil, e se
calhar até injusto, julgar a bondade de uma lei de há 30 anos aos
olhos de hoje. Mas convenhamos que com o passar do tempo o legislador
foi percebendo, e bem, que o dinheiro não cai do céu e que tal
benesse era desproporcional face àquilo de que abdicavam os
titulares de cargos políticos. Este jackpot político foi deixando
de fazer sentido sobretudo no caso dos deputados, já que muitos
optam pelo regime de não exclusividade.
Justiça (no sentido
figurado) seja feita a José Sócrates, que em 2005 teve o bom senso
de acabar com esta lei, mas quem na altura já reunisse condições
para ter a dita subvenção manteve o direito. Depois, Passos Coelho,
para ajudar a moralizar a austeridade, cortou o valor dessas
subvenções vitalícias, impondo a chamada “condição de
recurso”, o que na prática suspendia o pagamento dessas subvenções
a ex-titulares de cargos políticos cujo rendimento do agregado
familiar fosse superior a 2 mil euros. Se fosse menor, atribuía-se a
tal subvenção, até o rendimento perfazer os 2 mil euros/mês.
Esta semana, o TC
decidiu chumbar esse corte, com o argumento de que essa alteração à
lei viola o “princípio da protecção da confiança”. A polémica
foi tal que Joaquim de Sousa Ribeiro sentiu necessidade de vir dar a
cara pela decisão. Diz o presidente do TC que “o que esteve aqui
em causa do ponto de vista constitucional era uma questão típica da
tutela da confiança e a tutela da confiança para ajuizar este tipo
de questões não pode olhar só para o presente, temos de olhar para
o passado e apreciar as implicações condicionantes”. E depois
remete para o acórdão que nos elucida que “deverá ser igualmente
tido em conta o indispensável contrapólo valorativo, que, no caso
das normas questionadas, se consubstancia no interesse público que
as fundamenta”. Percebeu? Eu também não.
A linguagem
repolhuda e farfalhuda, como diria Camilo Castelo Branco, de Joaquim
de Sousa Ribeiro não esconde a fragilidade dos argumentos do TC para
perpetuar uma benesse injustificada. Faz lembrar aquele famoso
diálogo entre o Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda e o
seu colega deputado Libório de Meireles no romance satírico A Queda
Dum Anjo. A páginas tantas, Benevides de Barbuda vira-se para o
presidente da Assembleia e diz: “A suprema verdade, Sr. presidente,
a verdade que os arrebiques da retórica não sofismam, é que, à
medida que os impérios antigos se locupletavam, […] os cimentos
das nações estremeceram.”
As pessoas não
entendem e não aceitam que numa nação que está longe de se
locupletar, haja deputados a receber uma subvenção vitalícia por
terem estado apenas oito ou 12 anos no Parlamento. E os três
principais argumentos do TC para chumbar o corte das subvenções são
relativamente fáceis de desmontar.
Dizem os juízes que
a imposição da condição de recurso transformaria uma prestação
que serve para recompensar o empenho na coisa pública numa
“prestação de cariz assistencial, simplesmente destinadas a fazer
face a situações de carência”. Então 2 mil euros/mês num país
como Portugal só permite satisfazer situações de carência? Em que
país vivem estes senhores? Um dos juízes que votaram vencidos
argumenta, e bem, na declaração de voto, que o corte, “à luz do
contexto económico-social português, não é incompatível com a
autonomia patrimonial ou um nível de vida satisfatório”.
Sem comentários:
Enviar um comentário