domingo, 10 de janeiro de 2016

O meu pé é maior que o teu / EDITORIAL / PÚBLICO


EDITORIAL / PÚBLICO
O meu pé é maior que o teu

DIRECÇÃO EDITORIAL 10/01/2016

A campanha para as presidenciais arrancou hoje e termina a 22 de Janeiro. Se a campanha for uma réplica da pré-campanha, preparemo-nos para mais duas semanas políticas aborrecidas e desinteressantes. A única diferença provavelmente serão os decibéis que tenderão a aumentar para dar voz a discursos que muitas vezes pouco ou nada têm para dizer ao país. E vamos continuar a ouvir frases ocas como “o meu principal adversário são os problemas dos portugueses”.

Os mais de vinte debates a que assistimos nos últimos dias, à excepção de dois ou três, foram um deserto de ideias e de capacidade de mobilização e de gerar entusiasmo. Como diz e bem o jornalista Nuno Ribeiro, a política nacional talvez tenha chegado ao grau zero quando um debate entre Marcelo Rebelo de Sousa e Vitorino da Silva (Tino de Rans) termina com uma amena cavaqueira sobre o tamanho dos pés e a altura de cada um dos candidatos.

Uma pré-campanha em que se consumiu tempo não só a discutir o tamanho dos sapatos como também a medir o tamanho dos currículos dos vários candidatos, um sintoma próprio de umas eleições em que muitos dos candidatos pouco ou nada têm que ver com o cargo para o qual concorrem. É um sufrágio presidencial que terá o boletim de voto mais longo de sempre em democracia, com dez candidatos, mas a proliferação de candidatos só ajudou a consolidar a ideia e a tese que o investigador Carlos Gaspar apelida de “desvalorização da função presidencial”.

A “desvalorização da função presidencial” não tem apenas que ver com a qualidade dos candidatos que se apresentam às eleições e com a indisponibilidade manifestada por nomes de peso como Guterres, Gama, Barroso ou Vitorino (o António, e não o Tino). A “desvalorização” terá também que ver com uma certa fadiga e cansaço da política (talvez devido à quase sobreposição no calendário das legislativas, e que legislativas, e das presidenciais) e ainda com o facto de Belém estar cada vez mais longe dos grandes centros de decisão.


Mas a “desvalorização da função presidencial” não é uma fatalidade e tem muito que ver com a forma como o cargo é exercido. O facto de o ainda inquilino de Belém ter sido incapaz de conseguir consensos e de condicionar a governação, e o facto de ter ficado a falar sozinho quando o Parlamento ensaiou uma solução de governo diferente da que ele desejava, ajudou a tornar ainda mais "semi" um regime semipresidencialista. E fragilizou o cargo. Cabe ao próximo resgatar a função presidencial, e isso começa por se tentar reverter a abstenção que em 2011, precisamente na reeleição de Cavaco, bateu recordes. E não basta ganhar por muitos, numas eleições onde poucos votam. É necessário que muitos votem, e isso consegue-se com um discurso mobilizador, agregador, inspirador e, se não for pedir muito, com conteúdo.

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