A
pastelaria Mexicana abriu renovada. E o atendimento, como ficou?
TIAGO PAIS /
5/1/2016, OBSERVADOR
Uma
das históricas pastelarias de Lisboa, a Mexicana, reabriu em
dezembro, totalmente renovada. Fomos ver se essa renovação também
contemplou o atendimento, conhecido pela rigidez e antipatia.
Como outras míticas
pastelarias de Lisboa, casos d’A Brasileira ou da Benard, a
Mexicana não granjeou fama na cidade apenas pelas suas
especialidades, de onde se destacavam os garibaldis ou os boleros,
pelo icónico painel de Querubim Lapa no seu interior, retratando um
“Sol Mexicano”, ou pela cabine telefónica para onde os
estudantes do vizinho Instituto Superior Técnico ligavam, com o
intuito de ouvir o seu nome anunciado nos altifalantes da casa com o
prefixo “senhor engenheiro” e assim impressionar a clientela
feminina. Não, a Mexicana também ganhou fama por ser uma das
pastelarias com o atendimento mais sisudo — rude, até — e
intransigente de Lisboa, especialmente na respetiva esplanada,
curiosamente uma das primeiras no país inteiro a ser aquecida
artificialmente, através de um sistema de infravermelhos.
Com a recente
mudança de gerência, fecho para obras de renovação e posterior
reabertura surgiu uma boa oportunidade para perceber se, no ano em
que a Mexicana celebra 70 anos de vida, essa fama continua a ser
justificada. Um lanche e dois pequenos-almoços depois, o veredicto
não é famoso: a esplanada continua ser um sítio pouco amigável,
até para o mais paciente e imperturbável dos clientes. Lá dentro,
a coisa pode melhorar, dependendo de quem atende. Mas não é
garantido.
Pastelaria Mexicana
O interior da
Mexicana, já depois das obras (foto: Nuno Pinto Fernandes / Global
Imagens)
“Bom dia, já
escolheu?”, “Ora então o que vai ser”, “Já sabe o que vai
tomar?”. Estas três pequenas frases, com uma ou outra variação,
costumam fazer parte do léxico essencial de qualquer empregado de
mesa, seja de uma pastelaria, de um restaurante ou de um bar. Mas no
que diz respeito ao responsável pela esplanada da Mexicana, nem
sinal delas. Nem dessas nem doutras, aliás. Atente-se na reprodução
possível de um diálogo real (ou tentativa de) ocorrido numa das
últimas manhãs de dezembro.
— Bom dia. Posso
sentar-me nesta mesa? [apontando para uma mesa livre]
— [encolhe os
ombros, como quem diz: “está livre, não está?”]
— [ao sentar] E
posso pedir-lhe já?
— Hum.
[aproxima-se devagar]
— Queria um sumo
de laranja natural e uma torrada, por favor.
— [olhar vazio,
inexpressivo] Hum.
— A torrada era
aparada, se faz favor.
— Hum. [vira as
costas de rompante]
De notar que a
torrada só foi pedida aparada — vivam as côdeas — para promover
a interação com o dito funcionário. Quiçá, até, testar-lhe a
paciência. Escusado seria, como escusadas foram as tentativas
seguintes.
— Olhe, se faz
favor.
— [ignora,
enquanto recolhe loiça usada de outras mesas]
— Por favor?
— [continua a
ignorar, apesar de estar a menos de dois metros]
— [tom de voz mais
elevado] Desculpe, podia vir aqui, por favor?
— [olha com ar
robótico e aproxima-se devagar] Hum?
— Podia trazer-me
um copo com gelo?
— Hein? [estica a
cabeça para a frente, quer ouvir melhor]
— O sumo de
laranja não está fresco. Queria uma ou duas pedras de gelo num
copo.
— Ah. [vira as
costas]
Lá dentro, noutra
ocasião, o cenário foi diferente, para (muito) melhor graças a uma
simpática e expedita funcionária, que, imagine-se, sorriu por
diversas ocasiões. Mais: não só sorriu como foi educada e, cúmulo,
nem sequer se poupou às expressões típicas da interação com o
cliente: “com certeza”; “é para já”; “mais alguma
coisa?”.
Perante isto é
normal que o/a leitor/a se interrogue: será que o truque para ser
bem atendido é fugir à esplanada? Não necessariamente. Mesmo no
interior da pastelaria, onde a dita renovação salta à vista, é
possível ser brindado com o espírito da velha Mexicana, a
pastelaria onde, um dia, se eliminou a corrente de ar que isolava
termicamente o salão de chá porque estragava o cabelo armado das
suas assíduas frequentadoras. Basta apanhar, como aconteceu, outro
empregado mais apostado em cumprir o vetusto manual de normas — e
só pode haver um manual de normas — da casa. Apresentar-se à mesa
com ar enfadado, check. Virar as costas ao cliente a meio do pedido,
check. Responder apenas por monossílabos, check. Ignorar
repetidamente demais solicitações, check.
Ou seja, e para
responder à pergunta do título, a renovação da Mexicana pode
ter-lhe trazido um ar mais enxuto, uma nova disposição e até
parras melhores — o novo dono é o mesmo da Carcassonne, pastelaria
de Alvalade conhecida, precisamente, pelas ótimas parras. Mas o
atendimento, esse, ficou na mesma: rude e impessoal, na maioria dos
casos. A cidade merecia melhor. Mesmo que isso implicasse as piadas
de balcão do costume: “Merecia? Já não merece?”
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