sábado, 9 de janeiro de 2016

A pastelaria Mexicana abriu renovada. E o atendimento, como ficou?


A pastelaria Mexicana abriu renovada. E o atendimento, como ficou?
TIAGO PAIS / 5/1/2016, OBSERVADOR

Uma das históricas pastelarias de Lisboa, a Mexicana, reabriu em dezembro, totalmente renovada. Fomos ver se essa renovação também contemplou o atendimento, conhecido pela rigidez e antipatia.

Como outras míticas pastelarias de Lisboa, casos d’A Brasileira ou da Benard, a Mexicana não granjeou fama na cidade apenas pelas suas especialidades, de onde se destacavam os garibaldis ou os boleros, pelo icónico painel de Querubim Lapa no seu interior, retratando um “Sol Mexicano”, ou pela cabine telefónica para onde os estudantes do vizinho Instituto Superior Técnico ligavam, com o intuito de ouvir o seu nome anunciado nos altifalantes da casa com o prefixo “senhor engenheiro” e assim impressionar a clientela feminina. Não, a Mexicana também ganhou fama por ser uma das pastelarias com o atendimento mais sisudo — rude, até — e intransigente de Lisboa, especialmente na respetiva esplanada, curiosamente uma das primeiras no país inteiro a ser aquecida artificialmente, através de um sistema de infravermelhos.

Com a recente mudança de gerência, fecho para obras de renovação e posterior reabertura surgiu uma boa oportunidade para perceber se, no ano em que a Mexicana celebra 70 anos de vida, essa fama continua a ser justificada. Um lanche e dois pequenos-almoços depois, o veredicto não é famoso: a esplanada continua ser um sítio pouco amigável, até para o mais paciente e imperturbável dos clientes. Lá dentro, a coisa pode melhorar, dependendo de quem atende. Mas não é garantido.

Pastelaria Mexicana
O interior da Mexicana, já depois das obras (foto: Nuno Pinto Fernandes / Global Imagens)

“Bom dia, já escolheu?”, “Ora então o que vai ser”, “Já sabe o que vai tomar?”. Estas três pequenas frases, com uma ou outra variação, costumam fazer parte do léxico essencial de qualquer empregado de mesa, seja de uma pastelaria, de um restaurante ou de um bar. Mas no que diz respeito ao responsável pela esplanada da Mexicana, nem sinal delas. Nem dessas nem doutras, aliás. Atente-se na reprodução possível de um diálogo real (ou tentativa de) ocorrido numa das últimas manhãs de dezembro.

— Bom dia. Posso sentar-me nesta mesa? [apontando para uma mesa livre]
— [encolhe os ombros, como quem diz: “está livre, não está?”]
— [ao sentar] E posso pedir-lhe já?
— Hum. [aproxima-se devagar]
— Queria um sumo de laranja natural e uma torrada, por favor.
— [olhar vazio, inexpressivo] Hum.
— A torrada era aparada, se faz favor.
— Hum. [vira as costas de rompante]
De notar que a torrada só foi pedida aparada — vivam as côdeas — para promover a interação com o dito funcionário. Quiçá, até, testar-lhe a paciência. Escusado seria, como escusadas foram as tentativas seguintes.

— Olhe, se faz favor.
— [ignora, enquanto recolhe loiça usada de outras mesas]
— Por favor?
— [continua a ignorar, apesar de estar a menos de dois metros]
— [tom de voz mais elevado] Desculpe, podia vir aqui, por favor?
— [olha com ar robótico e aproxima-se devagar] Hum?
— Podia trazer-me um copo com gelo?
— Hein? [estica a cabeça para a frente, quer ouvir melhor]
— O sumo de laranja não está fresco. Queria uma ou duas pedras de gelo num copo.
— Ah. [vira as costas]
Lá dentro, noutra ocasião, o cenário foi diferente, para (muito) melhor graças a uma simpática e expedita funcionária, que, imagine-se, sorriu por diversas ocasiões. Mais: não só sorriu como foi educada e, cúmulo, nem sequer se poupou às expressões típicas da interação com o cliente: “com certeza”; “é para já”; “mais alguma coisa?”.

Perante isto é normal que o/a leitor/a se interrogue: será que o truque para ser bem atendido é fugir à esplanada? Não necessariamente. Mesmo no interior da pastelaria, onde a dita renovação salta à vista, é possível ser brindado com o espírito da velha Mexicana, a pastelaria onde, um dia, se eliminou a corrente de ar que isolava termicamente o salão de chá porque estragava o cabelo armado das suas assíduas frequentadoras. Basta apanhar, como aconteceu, outro empregado mais apostado em cumprir o vetusto manual de normas — e só pode haver um manual de normas — da casa. Apresentar-se à mesa com ar enfadado, check. Virar as costas ao cliente a meio do pedido, check. Responder apenas por monossílabos, check. Ignorar repetidamente demais solicitações, check.


Ou seja, e para responder à pergunta do título, a renovação da Mexicana pode ter-lhe trazido um ar mais enxuto, uma nova disposição e até parras melhores — o novo dono é o mesmo da Carcassonne, pastelaria de Alvalade conhecida, precisamente, pelas ótimas parras. Mas o atendimento, esse, ficou na mesma: rude e impessoal, na maioria dos casos. A cidade merecia melhor. Mesmo que isso implicasse as piadas de balcão do costume: “Merecia? Já não merece?”

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