Polónia:
reaccionário Kaczynski faz política de esquerda
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 01/11/2015 / PÚBLICO
A direita
nacionalista e eurocéptica venceu as eleições polacas de domingo
com um programa económico de “esquerda”. Pela primeira vez na
Polónia democrática há uma maioria absoluta. A esquerda
desapareceu do Parlamento. Um dos primeiros efeitos será o
alargamento da “frente eurocéptica” na UE e da fractura entre o
Oeste e o Centro-Leste europeus. A polémica da imigração não foi
decisiva pois os dados estavam lançados há mais tempo.
A figura do
vencedor, Jaroslaw Kaczynski, arrasta uma pesada carga histórica. Os
gémeos Lech e Jaroslaw Kaczynski governaram a Polónia entre 2005 e
2007 e Lech foi Presidente desde 2005 até à sua morte, num desastre
de avião, em Abril de 2010. Representando a direita católica
integrista e o nacionalismo tradicional polaco, mostraram pulsões
autoritárias, tentando subordinar a Justiça e os media.
Celebrizaram-se por uma “caça às bruxas” a que chamaram a
“purificação da Polónia”, dirigida contra os pós-comunistas e
contra a elite católico-liberal e europeísta que liderou a
transição do comunismo para a democracia. Praticaram uma política
de “guerra civil permanente”. No plano externo, seguiram uma
linha atlantista, designando dois inimigos: Rússia e Alemanha.
Não basta crescer
A Plataforma Cívica
(PO), do liberal Donald Tusk, derrotou o partido dos Kaczynski, Lei e
Justiça (PiS), nas legislativas de 2007. Mas o “desgaste do poder”
da PO era patente desde 2014. Tusk cedeu a chefia do governo a Ewa
Kopacz, mas a PO continuou a descer nas sondagens e perdeu as
eleições regionais. A derrota tornou-se certa com a vitória do
candidato do PiS, Andrzej Duda, nas presidenciais de Maio passado. Os
polacos votaram na “mudança”.
Más notícias
económicas? Não, porque “a Polónia é a success story da
economia europeia”. Cresce desde a “terapia de choque” de
1990-92. Junta vários trunfos: sólida rede bancária, sistema
fiscal atractivo, forte investimento estrangeiro e um mercado de
trabalho flexível. Desde 2008, o PIB registou um crescimento
acumulado de 25%.
O crescimento fez
subir as expectativas e as exigências sociais, tal como a
sensibilidade às desigualdades. As prestações sociais do Estado —
sobretudo na saúde e nas pensões — são muito inferiores às da
Europa Ocidental. Os jovens temem mais pelo futuro. A elite liberal e
pró-europeia é acusada de “arrogância”.
Kaczynski percebeu
tudo. O seu programa é simples: chegou a altura de os polacos
tirarem proveito de quase 25 anos de crescimento económico
ininterrupto. Que promete para os próximos “100 dias”? Aumentar
as prestações familiares mensais em 120 euros por filho. Baixar a
idade da reforma de 67 anos para 65, para os homens, e 60 para as
mulheres. E ainda: um salário horário mínimo, medicamentos
gratuitos para os maiores de 75 anos, menos IRS.
O seu plano
propõe-se mobilizar 330 mil milhões de euros para o
desenvolvimento das empresas polacas, graças a novas taxas sobre as
operações bancárias e os supermercados. Quer reforçar o controlo
do Estado sobre a economia e resistirá a Bruxelas se ultrapassar os
3% do défice orçamental. Em compensação, promete estímulos
fiscais e uma política monetária liberal.
O analista
financeiro Witold Orlowski declara à AFP: “Estou convencido de que
o PiS vai cumprir as promessas mesmo se eles ultrapassarem a
capacidade da economia. Os problemas aparecerão dentro de meses.”
Mas a banca polaca aprecia a maioria absoluta do PiS como garantia de
“estabilidade política”.
Do ponto de vista
político, Kaczynski fez uma manobra inteligente. Promoveu uma nova
geração de políticos menos “rebarbativos” que os seus antigos
colaboradores, como Duda ou a primeira-ministra Beata Szydlo. Reserva
para si o papel de estratego. Quer entrar na História e afastar-se
da gestão corrente. Passou a era da “purificação da Polónia”
porque o comunismo tornou-se memória.
Morte da esquerda
Muito do que se
passa desde 1989 traduz uma luta entre “duas Polónias”, diz o
politólogo Jacques Rupnik, especialista da Europa Central e do
Leste. “De um lado, a Polónia Ocidental das grandes cidades, com
um meio urbano educado, que muito beneficiou da transformação
económica e da ancoragem europeia e era a base de apoio da
Plataforma. Depois, há a outra Polónia, mais Leste e mais rural, a
que menos ganhou com a Transição. Mas é uma clivagem mais cultural
do que económica.” A novidade foi que, pela primeira vez, o PiS
venceu nas cidades do Oeste.
Não se trata de um
combate entre esquerda e direita. Uma parte da esquerda era conotada
com os pós-comunistas, outra com o centro-esquerda moderado, liberal
e europeísta, saído da dissidência e que foi representado pela
União para Liberdade, de Bronislaw Geremek e Tadeusz Mazowiecki.
Foram eles que liberalizaram a economia. Anota Rupnik: “O PiS de
Kaczynski está à sua esquerda na política económica e social. É
uma direita nacional mais estatista e mais social. Eis o paradoxo que
explica o eclipse da esquerda”. A actual luta “é entre a direita
liberal da Plataforma e a direita conservadora do PiS.” A esquerda
foi varrida da paisagem parlamentar, “o que é algo de novo e
simbolicamente forte”.
Consequências
Que implica “o
regresso de Kaczynski”? Há dois aspectos que merecem ser
sublinhados. O primeiro, a tentação autoritária, é ainda uma
incógnita. Permanece a vontade de concentrar o poder no executivo e
de criar o “Estado forte” que os gémeos projectaram há dez
anos. A dificuldade é que o PiS tem a maioria absoluta mas está
longe dos dois-terços necessários para uma revisão constitucional.
Sob muitos pontos de vista, há uma grande analogia entre Jaroslaw
Kaczynski e o autoritarismo do húngaro Viktor Órban.
O segundo aspecto é
a viragem na política europeia de Varsóvia, até agora marcada por
uma estratégia coerente e clara. Endurecerá a posição polaca em
relação à Ucrânia e crescerá a hostilidade a Putin. Mas também
ressurgirá um soberanismo agressivo em relação à UE e à
Alemanha, e também à França. Kaczynski tentará mobilizar o Grupo
de Visegrado (Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia)
contra Bruxelas. Mas uma coisa os divide: a questão russa.
“O PiS dará
primazia ao interesse nacional em detrimento dos interesses europeus.
Quer uma União mais económica e menos política”, declara à AFP
o politólogo Kazimierz Kik. “Unir-se-á ao grupo de formações
europeias, tanto as de direita, como a Frente Nacional francesa, como
as de esquerda que querem reduzir o poder de Bruxelas.” Procurará
aliados, sobretudo em Londres, para reformar os tratados europeus e
alargar as possibilidades de op-out. A crise dos refugiados será o
primeiro tema de confronto.
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