Meu
caro professor Marcelo,
Helena Matos
1/11/2015,
OBSERVADOR
Já
se lembrou que pode ganhar por esmagadora maioria entre os
portugueses telespectadores e ter um fraco resultado entre os
portugueses eleitores? Afinal não se vota com o comando da
televisão.
Onde vai esta
semana? A Pirescoxe jogar dominó com Jerónimo de Sousa? Era bonito
e dava um lindo momento televisivo. Diga-me uma coisa: acredita que
vai ser eleito pela esquerda ou acha que pode convencer a esquerda a
abster-se? Algo me diz que a última hipótese – convencer a
esquerda a ficar em casa – é aquela em que aposta.
Mas, desculpará que
lhe pergunte, já se lembrou que pode ganhar por esmagadora maioria
entre os portugueses telespectadores e ter um fraco resultado entre
os portugueses eleitores? Os portugueses eleitores são manhosos e
calados – maioria silenciosa não é? Pelo contrário os
portugueses telespectadores são peremptórios e algo espalhafatosos.
Dir-me-á o senhor
professor que os portugueses eleitores e os portugueses
telespectadores são a mesma pessoa. Ora, ora, senhor professor, este
é o país em que a divisão entre o eu e o mim tem dado alguma
filosofia, óptima poesia e pode, acredito eu, dar um resultado
eleitoral surpreendente. E que não lhe será favorável.
Talvez não tenha
percebido ainda mas não se vota com o comando da televisão. Fosse
esse o caso e o senhor professor estava para lá de eleito.
Mas para que os
votos caiam na urna cada português-eleitor tem de dizer ao
português-telespectador para se levantar do sofá ou da cadeira do
café e ir para a fila. E isso, acredite, não só não é fácil
como se rege por umas regras que escapam ao Portugal das televisões,
onde o senhor professor é sem dúvida presidente por aclamação.
Está, por exemplo, a ver o Cavaco (chamemos-lhe assim porque é
assim que os telespectadores o tratam)? O Cavaco é o eterno
derrotado do país dos telespectadores. No país dos telespectadores
não existe aliás nada mais simpático, consensual e transversal que
dizer mal do Cavaco. É assim como falar do tempo. Uma pessoa não
tem que dizer, um comentador não quer desagradar a ninguém, um
político precisa de dizer alguma coisa sem se comprometer, e pronto
têm logo ali o Cavaco a jeito. Resulta sempre.
Mas num remake
político da heteronímia de Pessoa mais de dois milhões de
portugueses telespectadores transformam-se em eleitores de Cavaco
Silva de cada vez que ele se apresenta a eleições. Algo me diz até
que enquanto vão às urnas colocar o voto no “professor Cavaco
Silva” deixam em casa o português telespectador a dizer mal do
Cavaco e a ouvir dizer mal do Cavaco. Complicado? Nem por isso.
Português? Sim.
E é aqui que
chegamos ao que lhe quero dizer: o senhor professor é o eleito
indiscutível dos portugueses telespectadores, uma espécie de
imperador das sondagens, mas arrisca-se a não conseguir que os
portugueses eleitores se mexam para lhe dar o seu voto. Ou seja corre
o risco de ser o inverso de Cavaco Silva.
Porquê? Porque a
sua coerência ideológica neste início de campanha (e, senhor
professor, não só!) é a versão política da grelha de televisão
de um canal generalista: completamente transversal, feita para
agradar a todos e sem nada que a distinga. O português telespectador
vê e aplaude. E o português eleitor? Acha-lhe graça mas perceberá
que a esquerda que também lhe dava audiências não lhe vai dar
votos. O pior é que, naquilo que aos votos respeita, o mesmo se pode
vir a passar com o centro e o centro-direita: não o rejeitam mas
ficam em casa.
Os tempos estão
feios. Os sinais do rolo compressor do frentismo já estão aí
todos. (Na verdade, se fosse um líder do PSD a adoptar a estratégia
de Costa, o mínimo que o senhor professor teria dito é que ele
estava lelé da cuca!) Não ignora certamente o que nos espera:
incidentes, desprezo pelos procedimentos, imposição de uma agenda
de causas que permita manter o povo distraído do agravamento da
situação económica e mobilizado no combate sempre a mais uma
desigualdade, mais uma discriminação, mais uma injustiça… Tenho
aliás a intuição que entre as causas fracturantes dos casamentos,
aborto e eutanásia ainda chegaremos à discussão sobre a
regionalização.
Viu, como todos
viram, que o líder do PS não foi à tomada de posse do Governo.
Viu, como todos viram, como Ferro Rodrigues se tornou presidente da
AR contra a prática até agora seguida. Viu, como todos viram, que
António Costa tornou o PS refém do PCP e do BE e o que tem para
dizer é que no seu modelo de presidência “não há bons bem maus,
preferidos e preteridos”? Como se o que estivesse em causa fosse
uma questão de gosto, tipo só vejo as novelas da TVI, e não o
trazer para o arco da governação partidos radicais que não mudaram
um parágrafo nos seus objectivos e nas suas tácticas.
Senhor professor,
somos todos excelentes pessoas mas muitas pessoas excelentes têm
ideias nada excelentes. Os radicais do BE e do PCP são disso um
claro exemplo. Tentar transformar, como fez, as reservas face a um
governo que deles dependa numa espécie de preconceito garante
audiências mas só isso.
Sei que o senhor
professor é o mais consensual dos portugueses. Mas lamento
informá-lo: não está candidato a Miss Simpatia mas sim a
Presidente da República. E ao certo, além de querer ser aplaudido,
o senhor professor quer o quêe defende o quê em Portugal, neste
final de 2015?
Sem comentários:
Enviar um comentário