quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A fortuna escondida do Opus Dei em Portugal



A fortuna escondida do Opus Dei em Portugal
03 Novembro 2015 • António José Vilela e Pedro Jorge Castro
Revista Sábado

Em 1984, o presente de Natal chegou ao Opus Dei com dois dias de atraso. Foi a 27 de Dezembro que Maria Antónia Barreiro, uma milionária divorciada, infeliz e solitária, entrou no escritório do advogado que era há dois meses o administrador da sua fortuna e disse que queria alterar o testamento.
A única coisa de que tinha a certeza era que já não queria deixar tudo à amiga que indicara como principal herdeira dois meses antes, na altura em que modificou o testamento pela nona vez. "A sua amiga é rica ou pobre?", perguntou-lhe o advogado. "É muito rica", respondeu a cliente milionária. "Se é rica, já não estou com pena", admitiu José Afonso Gil, um dos mais antigos e influentes supranumerários (membros casados) do Opus Dei em Portugal. Sentado num cadeirão no seu escritório da Rua Castilho, em Lisboa, o advogado contou à SÁBADO que sugeriu a Maria Antónia Barreiro que deixasse tudo à Misericórdia ou à sua paróquia.
Perante a recusa da cliente, propôs-lhe então a criação de uma fundação com o seu nome "para fazer coisas muito boas". E acrescentou: "Não é para enriquecer." Nem seria necessário – a fortuna já era enorme: juntava a herança do pai, Acácio Domingos Barreiro, sócio do Banco Português do Atlântico (comprado em 1995 pelo BCP de Jardim Gonçalves), e a do avô, José Domingos Barreiro, antigo armazenista de vinhos em Marvila.
Maria Antónia Barreiro aceitou e José Afonso Gil [na foto acima, a posar perante um retrato da ex-cliente] isolou-se na sua casa de Galamares, em Sintra, para redigir o novo testamento, incluindo três desejos da cliente que teriam de ser respeitados após a sua morte: primeiro, a fundação teria de pagar 50 contos por mês (o equivalente a 865 euros a preços actuais) ao seu motorista, a título vitalício, desde que ele continuasse a ser "prestável e digno"; segundo, ficaria assegurada a limpeza do jazigo da família; e, por fim, a fundação mandaria rezar durante cinco anos uma missa mensal em sua memória, bem como dos seus pais e do seu irmão.
Quanto ao património, constituído por dezenas de prédios, armazéns e terrenos, deveria beneficiar "os estabelecimentos de formação cultural então existentes na cidade de Lisboa". Mas caberia aos dois testamenteiros, José Afonso Gil e José Alves Mendes (outro advogado membro da Obra), escolher as instituições a apoiar financeiramente. Ambos são membros vitalícios do conselho de administração da fundação. José Afonso Gil é há 27 anos o presidente.
Um terceiro administrador, também a título vitalício, seria indicado pela Sociedade Lusitana de Cultura, uma das mais antigas entidades fundadas em Portugal por numerários (membros que vivem em celibato, em centros do Opus Dei). O representante actual é o espanhol Jon Velasco, que é simultaneamente o número dois na hierarquia portuguesa da prelatura (estatuto jurídico atribuído à organização).
Depois, o Conselho Geral da Fundação integra dois dos mais destacados membros do Opus Dei: Francisco Oliveira Dias, ex-presidente da Assembleia da República, e Carlos Câmara Pestana, vice-presidente do BPI e presidente do Itaú, que frequentava semanalmente o mesmo centro da Obra que o advogado José Afonso Gil e os banqueiros Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto (até à sua saída do Opus Dei, em 2008).

Prédios, jóias, depósitos...
Maria Antónia Barreiro era proprietária de 50% do quarteirão da pastelaria Suíça, na zona mais central de Lisboa, e que foi logo vendido. Possuía também uma quinta no Cartaxo, que foi dividida em parcelas e também comercializada – um ex-numerário disse à SÁBADO que o negócio foi feito por 700 mil contos (cerca de 10 milhões de euros a preços actuais), mas José Afonso Gil diz que não se recorda. A herança incluía mais 18 prédios espalhados por Lisboa, 25 jóias no cofre da residência, 21 depósitos a prazo em cinco bancos e ainda títulos do tesouro que a deviam compensar pela nacionalização do BPA, de que era accionista.
Maria Antónia Barreiro era crente, mas desconfiava do Opus Dei, muito por culpa de Gregorio Ortega Pardo, um numerário espanhol que nos anos 60 fugiu de Portugal com uma fortuna da organização. José Afonso Gil diz à SÁBADO que explicou à sua cliente que o seu património serviria para ajudar a formar pessoas numa perspectiva cristã. "Deus gostará do seu gesto", disse-lhe. Mas admite que nunca lhe falou em concreto da ideia de usar tudo em obras do Opus Dei, como tem vindo a suceder.
Esta doação é uma das maiores alguma vez recebidas em todo o mundo pela instituição fundada em 1928 por S. Josemaría Escrivá. É mesmo comparável com o maior donativo de sempre, de 66 milhões de dólares (valores de 1999), que permitiu financiar a construção da sede em Nova Iorque.
A contabilidade da Fundação regista actualmente, entre património e activos financeiros, uma riqueza global de 41,8 milhões de euros. Contudo, este valor baseia-se em avaliações de imóveis feitas a partir do valor patrimonial declarado nas Finanças – e que é bastante inferior aos preços de mercado. Em nome da Fundação, há pelo menos 83 imóveis, espalhados pelas freguesias de S. Sebastião da Pedreira, Penha de França, Olivais, S. Domingos de Benfica e Campo Grande. Um destes é o apartamento onde a herdeira milionária viveu nos seus últimos anos de vida, um quinto andar na Avenida Miguel Bombarda, e que é hoje uma residência usada por padres do Opus Dei para dar formação a outros sacerdotes.

"Não cometamos esse erro"
Este imóvel é usado pela Obra, mas formalmente não lhe pertence. Apesar das ligações evidentes a vários dos edifícios que usa, a organização rejeita que lhe pertençam por não estarem em seu nome. "A propriedade e gestão das coisas móveis e imóveis onde funcionam centros e casas de retiro são de instituições autónomas não lucrativas, cujos responsáveis mantêm uma relação de coordenação com a prelatura", explica à SÁBADO Pedro Gil, assessor de imprensa da organização.
Os únicos imóveis detidos formalmente pelo Opus Dei são três jazigos. O resto está em nome de uma série de cooperativas, fundações, associações e empresas controladas pelo Opus Dei através da presença nos órgãos sociais de numerários com cargos de responsabilidade ou peso histórico na organização.
"Os jesuítas perderam muitas coisas porque era fácil localizá-las. Não cometamos esse erro", terá dito Josemaría Escrivá (na foto em cima), citado pelo jornalista Santiago Aroca numa investigação na revista Tiempo e na edição espanhola do livro Opus Dei de Michael Walsh. Pedro Gil diz que a atribuição da frase ao fundador da Obra é "espúria" e rejeita que este sistema de organização económica tenha sido escolhido para proteger o património. Segundo o assessor de imprensa, o objectivo é que o Opus Dei se concentre na sua missão espiritual, deixando as tarefas de gestão entregues a outras entidades. No entanto, recusou-se a indicar à SÁBADO quais são as instituições que gerem os bens da prelatura em Portugal. Mesmo depois de confrontado com uma lista de 17 instituições, admitiu que continha informações "sobretudo correctas", mas disse que não estava completa e recusou-se a ser mais claro, por entender que se trata de um assunto da esfera privada da organização.
Também não quis comentar o facto de, nos anos 90, terem sido criadas várias empresas controladas por membros da Obra com a função essencial de servir as necessidades dos centros do Opus Dei. Surgiu assim o ateliê de arquitectura que projectou o oratório S. Josemaría, uma empresa de contabilidade, uma de abastecimento alimentar aos centros e ainda outra, controlada pela secção feminina, que se ocupava essencialmente da decoração dos espaços da organização, como contou à SÁBADO Paulo Andrade, que foi numerário até 1993 e chegou a ser subdirector de um centro.
O Opus Dei tornou-se polémico depois de ter sido implicado em vários escândalos financeiros e, mais recentemente, por os seus membros terem sido retratados como conspiradores no livro O Código Da Vinci. Os fiéis seguidores de Josemaría Escrivá procuram ser santos, atingindo a perfeição em tudo o que fazem. Os numerários também se mortificam regularmente, atingindo as costas com uma espécie de corda de algodão (a que chamam disciplinas) e usando um arame (cilício) na perna.

Os testamentos dos membros do Opus Dei
O dinheiro não é um detalhe na relação individual de cada membro com o Opus Dei. Os seguidores de Escrivá que são casados (os supranumerários) devem doar mensalmente uma verba equivalente ao que gastam com um filho. Já os numerários, a elite constituída por membros que vivem em celibato em centros da Obra, têm de observar regras mais rígidas na relação com o dinheiro e com os bens materiais. Por exemplo, não podem aceitar ofertas que não entreguem ao centro onde vivem nem guardar dinheiro do salário sem autorização do director do centro – entregam tudo o que ganham e vivem com uma pequena mesada calculada em função das suas despesas fixas.
Os numerários têm de registar um testamento ao fim de seis anos e meio de ligação à instituição, quando fazem a chamada "fidelidade", para o vínculo se tornar definitivo. O objectivo, segundo Pedro Gil, assessor de imprensa do Opus Dei, é "suavizar essa preocupação sobre o futuro" e permitir ao numerário "ter o coração mais liberto para a sua missão". São livres de deixar os seus bens a quem entenderem, mas a esmagadora maioria acaba por dizer que pretende que fique tudo para a Obra.
O ex-numerário Paulo Andrade (na foto acima) recorda que recebeu a indicação da cúpula da organização sobre as duas instituições do Opus Dei que devia indicar como beneficiárias, bem como os dois numerários que seriam os testamenteiros. Quando saiu da Obra, pediu que lhe devolvessem o testamento, mas não conseguiu: "Disseram-me que o iam destruir. Passou-se o mesmo com outras pessoas. Mas acho que, se me acontecesse alguma coisa, seriam os primeiros a apresentar-se com o documento."
As heranças são assim, naturalmente, uma grande fonte de património para o Opus Dei. A Cooperativa de Fomento de Iniciativas Culturais (Cofic), entidade que financia o governo da Obra (em 2008, por exemplo, o seu orçamento ascendeu a 500 mil euros), dispõe de quatro imóveis localizados em Viseu que foram recebidos em 2007 pelo testamento de Nuno Girão, um numerário histórico, que dirigiu o Opus durante o Estado Novo. São três edifícios na Rua Direita e uma residência para membros, que teriam um valor comercial de cerca de 1,1 milhões de euros, segundo uma estimativa feita no local a pedido da SÁBADO pelo avaliador Artur Augusto Rodrigues. Pela herança de outra numerária, a Cofic recebeu duas casas, com mais de 3.800 metros quadrados de área total, e um terreno com 5.250 metros quadrados no distrito de Coimbra.

Um palacete comprado à família Espírito Santo
Todos os membros da direcção e do conselho fiscal da Cofic são numerários e vivem em casas do Opus Dei. Entre os 18 imóveis da cooperativa, sobressai uma quinta no Paço do Lumiar [na foto em baixo], com uma área superior a 10 mil metros quadrados. É lá que está instalada a própria sede do Opus em Portugal e onde vive o líder máximo (vigário regional), o padre José Rafael Espírito Santo. Não tem qualquer relação de parentesco com a família dos banqueiros Espírito Santo, que foi a proprietária do imóvel, ocupado a seguir ao 25 de Abril de 1974 por elementos do PCP. Em 1978, 11 filhos de Manuel Espírito Santo (presidente do BES entre 1955 e 1973) venderam a propriedade à Cofic, que teve de contrair junto da Caixa Geral de Depósitos um empréstimo no valor de 7.500 contos (meio milhão de euros a preços actuais), entretanto já amortizado. Não se sabe o preço negociado na altura, mas um perito imobiliário da Remax, que não viu o interior do palacete, estima que valha actualmente 19,6 milhões de euros no mercado.
Outro grande imóvel da Cofic, com 1.925 metros quadrados, fica no número 193 do Campo Grande, onde funciona o Clube Xénon, vocacionado para organizar actividades para rapazes e um dos principais pontos de captação de novas vocações, segundo o ex-numerário Paulo Andrade. Esta propriedade foi doada em 2006 pela ISCAL, Sociedade Imobiliária Civil, uma instituição administrada por três numerárias do Opus Dei, com sede numa quinta de Vila Nova de Gaia – trata-se da Quinta de Enxomil, onde a prelatura construiu um enorme edifício com dezenas de quartos para acolher os participantes nos seus retiros. Um centro semelhante, com essa mesma finalidade, foi erguido em Almançor, no Alentejo, em terrenos doados por Alfredo Cunhal (tio do líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal) e fundador do Banco da Agricultura, onde Jardim Gonçalves e José Afonso Gil se conheceram.

"Começa-se pelas cabeças"
Assim que instituiu a fundação com o nome da antiga cliente, José Afonso Gil combinou com os dirigentes do Opus Dei que iria criar uma residência para estudantes universitários. "Começa-se pelas cabeças", justifica à SÁBADO. Comprou então, por 550 mil contos (que correspondem hoje a cerca de 5,7 milhões de euros), um terreno junto à Universidade Católica e ainda conseguiu ficar com um espaço maior depois de negociar uma permuta com o então presidente da Câmara de Lisboa, Jorge Sampaio.
Foi aí que mandou construir a residência universitária de Montes Claros (com piscina, campo de futebol e pavilhão de squash) e o Oratório S. Josemaría Escrivá, inaugurado em 1998. Quem frequenta as missas do Opus Dei pode estacionar numa garagem com três pisos subterrâneos, que também pertence à Fundação. E ao lado está a AESE, Associação de Estudos Superiores de Empresas, igualmente controlada pela Obra. José Afonso Gil decidiu também adquirir uma moradia de 600 metros quadrados onde funciona o Clube Darca, um centro de actividades para raparigas, junto à Biblioteca Nacional.
Mas a maioria dos imóveis da Fundação Maria Antónia Barreiro concentra-se em Marvila, onde ficavam os armazéns de vinho de José Domingos Barreiro, o avô da benemérita. Aí, a Fundação tem 10 prédios, nove lojas e nove armazéns – um deles está arrendado há 22 anos a uma metalúrgica, que paga 2.398 euros mensais. Só este espaço, que tem quase 2.400 metros quadrados, valerá mais de meio milhão de euros. Ainda na zona oriental de Lisboa, a Fundação é proprietária de mais de metade da Rua Fernando Palha, onde vários edifícios são ocupados por espaços comerciais no rés-do-chão.

"Cá está a massa para safar isto"
Em 1993, José Afonso Gil, que era também advogado do BCP, vendeu os títulos do tesouro que a Fundação tinha herdado e recebeu 1,5 milhões de contos (cerca de 11,7 milhões de euros a preços actuais). Metade dessa verba foi logo investida na Fomento, cooperativa fundada em 1978 por um grupo de pais para administrar quatro colégios (onde a orientação espiritual está a cargo da prelatura) e que se encontrava numa situação financeira apertada. Jardim Gonçalves, um dos fundadores da cooperativa que manteve responsabilidades na sua gestão, conseguia que o BCP continuasse a dar crédito à Fomento, mas era cada vez mais difícil pagar as dívidas.
"Entreguei ao Jorge Jardim 700 e tal mil contos [mais de 5,4 milhões de euros a preços de hoje]. Ele até telefonou à mulher à minha frente e disse qualquer coisa como isto: ‘Olhe, cá está a massa para safar isto’", recorda José Afonso Gil. O encontro entre os dois amigos deu-se no gabinete do então presidente do BCP na Rua Augusta. A Fundação Maria Antónia Barreiro ficou desde então credora dos colégios em 4 milhões de euros.
Dois dos actuais administradores da Fomento dirigem também uma outra cooperativa, a Socei, criada para gerir os valiosos imóveis onde estão instalados os colégios Planalto, em Telheiras, e Mira Rio, no Restelo. Um avaliador da Remax, a pedido da SÁBADO, estima que as duas moradias que constituem o Colégio Mira Rio possam valer 6,9 milhões de euros.
No Porto, o Colégio Cedros, que ocupa cerca de 15 mil metros quadrados em S. Pedro da Afurada, foi avaliado em 2,7 milhões de euros por João Saraiva, também da Remax. Junto a este colégio, a cooperativa possui dois terrenos com cinco mil metros quadrados com um valor comercial estimado em 640 mil euros.

A intervenção de Jardim Gonçalves
Jardim Gonçalves, que foi talvez o mais proeminente membro da Obra no mundo dos negócios, não participou apenas na gestão inicial dos colégios do Opus Dei. Ajudou também a fundar o Centro de Orientação Familiar, que promove acções de formação para casais e tem sede num terceiro andar da Travessa do Possolo, ao lado da residência de Cavaco Silva, em mais um imóvel da Fundação Maria Antónia Barreiro.
O banqueiro (na foto acima) pertenceu ainda ao núcleo de fundadores da AESE, Associação de Estudos Superiores de Empresas, uma instituição criada em 1980 para dar formação em gestão de empresas "segundo uma perspectiva cristã do homem e da sociedade". Pelo menos 18 dos 23 fundadores eram membros da Obra fundada por S. Josemaría Escrivá. Entre eles, além de José Afonso Gil estão também Osvaldo Aguiar, anterior administrador financeiro do governo do Opus Dei, Carvalho Cardoso, ex-presidente do Belenenses que colaborou com António Champalimaud e geriu a Mundial Confiança, e Silvério Martins, fundador do CDS e ex-administrador da Rádio Renascença e do Banco Pinto de Magalhães.
Uma figura-chave nos corpos sociais da AESE até há pouco tempo foi José Fonseca Pires, um médico de 45 anos que pertence ao governo do Opus Dei em Portugal, onde desempenha o cargo de vogal de São Gabriel, ou seja, é o responsável pelas actividades dos supranumerários, os membros que vivem com as respectivas famílias. É também o presidente da Sociedade Lusitana de Cultura.
Quem normalmente dá a cara pela instituição de ensino é o seu vice-presidente e director-geral, José Ramalho Fontes, que tem morada registada numa vivenda com piscina e campo de ténis, que partilha com outros membros do Opus Dei em Linda-a-Velha. Este imóvel tem um valor comercial estimado por um avaliador da Remax, a pedido da SÁBADO, em 3,2 milhões de euros e está registado em nome da Cofic, a cooperativa que financia o governo da Obra.

Capital de risco
Em Junho de 2007, a AESE diversificou investimentos e ajudou a fundar uma sociedade de capital de risco chamada Naves, entrando com 11,76% (132.888 euros) dos 1,13 milhões de euros de capital social, transformando-se na sua maior accionista. O domicílio fiscal da Naves é também o da escola superior, na Calçada da Palma de Baixo. Os lucros líquidos desta sociedade de capital de risco mais do que quadruplicaram entre 2008 e 2010 (de 45.928,61 para 191.042,23 euros) e o total do activo também não parou de subir (de 903.693,38 euros em 2007 para 1.255.203,98 em 2010).
A Naves tem, por sua vez, participações em duas sociedades: uma imobiliária de Gaia (chamada In Time) e a Várzea da Rainha Impressores, empresa presidida por Zita Seabra, que também dirige a Alethêia, precisamente a editora que em 2011 republicou a biografia de Josemaría Escrivá escrita por um dos mais antigos padres da prelatura, Hugo de Azevedo, e que foi apresentada no auditório da AESE a 9 de Janeiro de 2012 (dia em que o santo faria 110 anos).
A AESE serve também para cimentar a ligação entre o Opus Dei e o mundo empresarial, conta Paulo Andrade, que ajudou a fundar a Escola Profissional Val do Rio, em Oeiras, com outros membros do Opus Dei, em 1989. Para obter financiamento, recebeu indicações de Raul Diniz e Eugénio Viassa Monteiro, dois numerários que foram directores-gerais da AESE. Aconselharam-no a marcar uma reunião com um grupo de empresários, dizendo que ia da parte deles, para lhes solicitar apoio financeiro. Vasco Pessanha, presidente da Inapa, e Abel Pinheiro, do grupo Grão-Pará, não são membros do Opus Dei mas aceitaram contribuir com um donativo para a criação da escola.
Uma outra instituição ligada ao Opus Dei é o Centro de Actividades Culturais do Campo Grande: é proprietária do número 72 da Alameda das Linhas de Torres e do edifício número 300 do Campo Grande – este foi comprado a seguir à revolução de 1974 por 7 mil contos (o equivalente actual a 1 milhão de euros). Possui também a sede histórica do Opus Dei no Porto, onde funcionam o Colégio Universitário da Boavista e o Clube Vega. O Centro de Actividades Culturais do Campo Grande é dirigido por dois membros do governo da Obra em Portugal: José Reis, um ortopedista encarregado das actividades para jovens a nível nacional, e o padre Isaac Fernandez, que ocupa o cargo de delegado de estudos.

O Hotel 3 Pastorinhos
O membro do governo que lida mais de perto com questões financeiras é o que ocupa o cargo de administrador. Trata-se do numerário Joaquim Claro, que é o presidente do Hotel 3 Pastorinhos, em Fátima. Os outros dois membros do conselho de administração também são numerários: Vítor Cunha, engenheiro do Porto, e Pedro Gil, que é assessor de imprensa do Opus Dei e filho de José Afonso Gil, presidente da Fundação Maria Antónia Barreiro – entidade que possui quase todo o capital social do hotel.
Há 21 anos, a Fundação tinha como sócia a EATIS, Empresa de Actividades Turísticas Internacionais, uma sociedade anónima que dividiu o capital social em partes iguais por quatro numerários: Osvaldo Aguiar, Raul Diniz, Luís Rebelo Pereira e Pedro Gil.
O hotel de três estrelas fica a 50 metros do Santuário, mas, segundo os Relatórios e Contas, em 2010 teve apenas 1.426 euros de resultado líquido, valor substancialmente inferior aos 76 mil euros verificados em 2009. As receitas atingem praticamente 1 milhão de euros por ano, só que esse valor fica ligeiramente aquém das necessidades de financiamento. O hotel, que está avaliado pelas Finanças em 4,5 milhões de euros, não parece um grande negócio, mas tem uma importância estratégica para a Obra, por permitir a realização de retiros na capital religiosa do País, com autonomia, sem ter de recorrer, por exemplo, a casas de religiosas, diz um ex-membro da prelatura.

Uma mulher caprichosa e esbanjadora
Maria Antónia Barreiro pediu frequentemente ao seu motorista que a levasse a Fátima nos últimos meses de vida e ia à missa quase todas as semanas. Mas o dinheiro era a base de todas as suas relações: dava mesadas e roupa às amigas – e a uma delas ofereceu mesmo um apartamento no Algarve; casou-se apenas uma vez, com o filho de um industrial, mas divorciou-se ao fim de cinco anos, o que implicou a perda de uma grande parte do seu património.
Era uma mulher caprichosa e uma autêntica esbanjadora. Ia à Loja das Meias e comprava dois casacos iguais, prevendo logo a hipótese de alguém lhe roubar um. Comprou, de uma só vez, 32 lenços da Cartier numa loja da Rua Castilho. Pagou 1.500 contos (mais de 26 mil euros a preços actuais) por um relógio em ouro branco, só para fazer pirraça a uma amiga, mas irritou-se por a peça amarrotar as suas camisolas no pulso e foi devolvê-la à ourivesaria uma semana depois, pedindo apenas 250 contos, um sexto do preço inicial. E incitava o motorista a andar mais depressa, no seu Jaguar ou no BMW 635, que passou a ser utilizado pelo presidente da Fundação após a sua morte. Morreu com um problema cardíaco no Hospital da Cruz Vermelha, a 11 de Janeiro de 1986, menos de um ano depois de assinar a última versão do testamento.
No velório de Maria Antónia Barreiro, apareceu a amiga indicada no penúltimo testamento. Só quando se preparava para combinar com o advogado um encontro para receber os bens é que descobriu que afinal havia um testamento mais recente, que tinha anulado o outro documento.
O próximo grande investimento do Opus Dei, através da Fundação Maria Antónia Barreiro, é a construção da nova residência universitária feminina (Colégio Universitário dos Álamos) prevista para o n.º 189 do Campo Grande, um edifício degradado onde funcionou o histórico restaurante Quebra Bilhas e que pertencia, desde 1939, à Sociedade de Perfumarias Nally. O imóvel foi comprado em 2008 por 2 milhões de euros. Para financiar o negócio, a Fundação decidiu vender vários edifícios, incluindo 10 fracções de um prédio na Rua dos Correeiros, em Lisboa, que permitiram um encaixe de 770 mil euros.
José Afonso Gil tem já disponível todo o dinheiro de que precisa para construir a residência feminina, assim que a Câmara autorizar: são 4,5 milhões de euros. E admite que tem planos para o próximo grande investimento: um centro para tratar doentes que precisam de cuidados paliativos. Mas só avança depois de ouvir a opinião dos líderes do Opus Dei.

*Com Manuel Almeida e Raquel Lito

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