A
fortuna escondida do Opus Dei em Portugal
03 Novembro 2015 •
António José Vilela e Pedro Jorge Castro
Revista Sábado
Em 1984, o presente
de Natal chegou ao Opus Dei com dois dias de atraso. Foi a 27 de
Dezembro que Maria Antónia Barreiro, uma milionária divorciada,
infeliz e solitária, entrou no escritório do advogado que era há
dois meses o administrador da sua fortuna e disse que queria alterar
o testamento.
A única coisa de
que tinha a certeza era que já não queria deixar tudo à amiga que
indicara como principal herdeira dois meses antes, na altura em que
modificou o testamento pela nona vez. "A sua amiga é rica ou
pobre?", perguntou-lhe o advogado. "É muito rica",
respondeu a cliente milionária. "Se é rica, já não estou com
pena", admitiu José Afonso Gil, um dos mais antigos e
influentes supranumerários (membros casados) do Opus Dei em
Portugal. Sentado num cadeirão no seu escritório da Rua Castilho,
em Lisboa, o advogado contou à SÁBADO que sugeriu a Maria Antónia
Barreiro que deixasse tudo à Misericórdia ou à sua paróquia.
Perante a recusa da
cliente, propôs-lhe então a criação de uma fundação com o seu
nome "para fazer coisas muito boas". E acrescentou: "Não
é para enriquecer." Nem seria necessário – a fortuna já era
enorme: juntava a herança do pai, Acácio Domingos Barreiro, sócio
do Banco Português do Atlântico (comprado em 1995 pelo BCP de
Jardim Gonçalves), e a do avô, José Domingos Barreiro, antigo
armazenista de vinhos em Marvila.
Maria Antónia
Barreiro aceitou e José Afonso Gil [na foto acima, a posar perante
um retrato da ex-cliente] isolou-se na sua casa de Galamares, em
Sintra, para redigir o novo testamento, incluindo três desejos da
cliente que teriam de ser respeitados após a sua morte: primeiro, a
fundação teria de pagar 50 contos por mês (o equivalente a 865
euros a preços actuais) ao seu motorista, a título vitalício,
desde que ele continuasse a ser "prestável e digno";
segundo, ficaria assegurada a limpeza do jazigo da família; e, por
fim, a fundação mandaria rezar durante cinco anos uma missa mensal
em sua memória, bem como dos seus pais e do seu irmão.
Quanto ao
património, constituído por dezenas de prédios, armazéns e
terrenos, deveria beneficiar "os estabelecimentos de formação
cultural então existentes na cidade de Lisboa". Mas caberia aos
dois testamenteiros, José Afonso Gil e José Alves Mendes (outro
advogado membro da Obra), escolher as instituições a apoiar
financeiramente. Ambos são membros vitalícios do conselho de
administração da fundação. José Afonso Gil é há 27 anos o
presidente.
Um terceiro
administrador, também a título vitalício, seria indicado pela
Sociedade Lusitana de Cultura, uma das mais antigas entidades
fundadas em Portugal por numerários (membros que vivem em celibato,
em centros do Opus Dei). O representante actual é o espanhol Jon
Velasco, que é simultaneamente o número dois na hierarquia
portuguesa da prelatura (estatuto jurídico atribuído à
organização).
Depois, o Conselho
Geral da Fundação integra dois dos mais destacados membros do Opus
Dei: Francisco Oliveira Dias, ex-presidente da Assembleia da
República, e Carlos Câmara Pestana, vice-presidente do BPI e
presidente do Itaú, que frequentava semanalmente o mesmo centro da
Obra que o advogado José Afonso Gil e os banqueiros Jardim Gonçalves
e Paulo Teixeira Pinto (até à sua saída do Opus Dei, em 2008).
Prédios, jóias,
depósitos...
Maria Antónia
Barreiro era proprietária de 50% do quarteirão da pastelaria Suíça,
na zona mais central de Lisboa, e que foi logo vendido. Possuía
também uma quinta no Cartaxo, que foi dividida em parcelas e também
comercializada – um ex-numerário disse à SÁBADO que o negócio
foi feito por 700 mil contos (cerca de 10 milhões de euros a preços
actuais), mas José Afonso Gil diz que não se recorda. A herança
incluía mais 18 prédios espalhados por Lisboa, 25 jóias no cofre
da residência, 21 depósitos a prazo em cinco bancos e ainda títulos
do tesouro que a deviam compensar pela nacionalização do BPA, de
que era accionista.
Maria Antónia
Barreiro era crente, mas desconfiava do Opus Dei, muito por culpa de
Gregorio Ortega Pardo, um numerário espanhol que nos anos 60 fugiu
de Portugal com uma fortuna da organização. José Afonso Gil diz à
SÁBADO que explicou à sua cliente que o seu património serviria
para ajudar a formar pessoas numa perspectiva cristã. "Deus
gostará do seu gesto", disse-lhe. Mas admite que nunca lhe
falou em concreto da ideia de usar tudo em obras do Opus Dei, como
tem vindo a suceder.
Esta doação é uma
das maiores alguma vez recebidas em todo o mundo pela instituição
fundada em 1928 por S. Josemaría Escrivá. É mesmo comparável com
o maior donativo de sempre, de 66 milhões de dólares (valores de
1999), que permitiu financiar a construção da sede em Nova Iorque.
A contabilidade da
Fundação regista actualmente, entre património e activos
financeiros, uma riqueza global de 41,8 milhões de euros. Contudo,
este valor baseia-se em avaliações de imóveis feitas a partir do
valor patrimonial declarado nas Finanças – e que é bastante
inferior aos preços de mercado. Em nome da Fundação, há pelo
menos 83 imóveis, espalhados pelas freguesias de S. Sebastião da
Pedreira, Penha de França, Olivais, S. Domingos de Benfica e Campo
Grande. Um destes é o apartamento onde a herdeira milionária viveu
nos seus últimos anos de vida, um quinto andar na Avenida Miguel
Bombarda, e que é hoje uma residência usada por padres do Opus Dei
para dar formação a outros sacerdotes.
"Não cometamos
esse erro"
Este imóvel é
usado pela Obra, mas formalmente não lhe pertence. Apesar das
ligações evidentes a vários dos edifícios que usa, a organização
rejeita que lhe pertençam por não estarem em seu nome. "A
propriedade e gestão das coisas móveis e imóveis onde funcionam
centros e casas de retiro são de instituições autónomas não
lucrativas, cujos responsáveis mantêm uma relação de coordenação
com a prelatura", explica à SÁBADO Pedro Gil, assessor de
imprensa da organização.
Os únicos imóveis
detidos formalmente pelo Opus Dei são três jazigos. O resto está
em nome de uma série de cooperativas, fundações, associações e
empresas controladas pelo Opus Dei através da presença nos órgãos
sociais de numerários com cargos de responsabilidade ou peso
histórico na organização.
"Os jesuítas
perderam muitas coisas porque era fácil localizá-las. Não
cometamos esse erro", terá dito Josemaría Escrivá (na foto em
cima), citado pelo jornalista Santiago Aroca numa investigação na
revista Tiempo e na edição espanhola do livro Opus Dei de Michael
Walsh. Pedro Gil diz que a atribuição da frase ao fundador da Obra
é "espúria" e rejeita que este sistema de organização
económica tenha sido escolhido para proteger o património. Segundo
o assessor de imprensa, o objectivo é que o Opus Dei se concentre na
sua missão espiritual, deixando as tarefas de gestão entregues a
outras entidades. No entanto, recusou-se a indicar à SÁBADO quais
são as instituições que gerem os bens da prelatura em Portugal.
Mesmo depois de confrontado com uma lista de 17 instituições,
admitiu que continha informações "sobretudo correctas",
mas disse que não estava completa e recusou-se a ser mais claro, por
entender que se trata de um assunto da esfera privada da organização.
Também não quis
comentar o facto de, nos anos 90, terem sido criadas várias empresas
controladas por membros da Obra com a função essencial de servir as
necessidades dos centros do Opus Dei. Surgiu assim o ateliê de
arquitectura que projectou o oratório S. Josemaría, uma empresa de
contabilidade, uma de abastecimento alimentar aos centros e ainda
outra, controlada pela secção feminina, que se ocupava
essencialmente da decoração dos espaços da organização, como
contou à SÁBADO Paulo Andrade, que foi numerário até 1993 e
chegou a ser subdirector de um centro.
O Opus Dei tornou-se
polémico depois de ter sido implicado em vários escândalos
financeiros e, mais recentemente, por os seus membros terem sido
retratados como conspiradores no livro O Código Da Vinci. Os fiéis
seguidores de Josemaría Escrivá procuram ser santos, atingindo a
perfeição em tudo o que fazem. Os numerários também se mortificam
regularmente, atingindo as costas com uma espécie de corda de
algodão (a que chamam disciplinas) e usando um arame (cilício) na
perna.
Os testamentos dos
membros do Opus Dei
O dinheiro não é
um detalhe na relação individual de cada membro com o Opus Dei. Os
seguidores de Escrivá que são casados (os supranumerários) devem
doar mensalmente uma verba equivalente ao que gastam com um filho. Já
os numerários, a elite constituída por membros que vivem em
celibato em centros da Obra, têm de observar regras mais rígidas na
relação com o dinheiro e com os bens materiais. Por exemplo, não
podem aceitar ofertas que não entreguem ao centro onde vivem nem
guardar dinheiro do salário sem autorização do director do centro
– entregam tudo o que ganham e vivem com uma pequena mesada
calculada em função das suas despesas fixas.
Os numerários têm
de registar um testamento ao fim de seis anos e meio de ligação à
instituição, quando fazem a chamada "fidelidade", para o
vínculo se tornar definitivo. O objectivo, segundo Pedro Gil,
assessor de imprensa do Opus Dei, é "suavizar essa preocupação
sobre o futuro" e permitir ao numerário "ter o coração
mais liberto para a sua missão". São livres de deixar os seus
bens a quem entenderem, mas a esmagadora maioria acaba por dizer que
pretende que fique tudo para a Obra.
O ex-numerário
Paulo Andrade (na foto acima) recorda que recebeu a indicação da
cúpula da organização sobre as duas instituições do Opus Dei que
devia indicar como beneficiárias, bem como os dois numerários que
seriam os testamenteiros. Quando saiu da Obra, pediu que lhe
devolvessem o testamento, mas não conseguiu: "Disseram-me que o
iam destruir. Passou-se o mesmo com outras pessoas. Mas acho que, se
me acontecesse alguma coisa, seriam os primeiros a apresentar-se com
o documento."
As heranças são
assim, naturalmente, uma grande fonte de património para o Opus Dei.
A Cooperativa de Fomento de Iniciativas Culturais (Cofic), entidade
que financia o governo da Obra (em 2008, por exemplo, o seu orçamento
ascendeu a 500 mil euros), dispõe de quatro imóveis localizados em
Viseu que foram recebidos em 2007 pelo testamento de Nuno Girão, um
numerário histórico, que dirigiu o Opus durante o Estado Novo. São
três edifícios na Rua Direita e uma residência para membros, que
teriam um valor comercial de cerca de 1,1 milhões de euros, segundo
uma estimativa feita no local a pedido da SÁBADO pelo avaliador
Artur Augusto Rodrigues. Pela herança de outra numerária, a Cofic
recebeu duas casas, com mais de 3.800 metros quadrados de área
total, e um terreno com 5.250 metros quadrados no distrito de
Coimbra.
Um palacete comprado
à família Espírito Santo
Todos os membros da
direcção e do conselho fiscal da Cofic são numerários e vivem em
casas do Opus Dei. Entre os 18 imóveis da cooperativa, sobressai uma
quinta no Paço do Lumiar [na foto em baixo], com uma área superior
a 10 mil metros quadrados. É lá que está instalada a própria sede
do Opus em Portugal e onde vive o líder máximo (vigário regional),
o padre José Rafael Espírito Santo. Não tem qualquer relação de
parentesco com a família dos banqueiros Espírito Santo, que foi a
proprietária do imóvel, ocupado a seguir ao 25 de Abril de 1974 por
elementos do PCP. Em 1978, 11 filhos de Manuel Espírito Santo
(presidente do BES entre 1955 e 1973) venderam a propriedade à
Cofic, que teve de contrair junto da Caixa Geral de Depósitos um
empréstimo no valor de 7.500 contos (meio milhão de euros a preços
actuais), entretanto já amortizado. Não se sabe o preço negociado
na altura, mas um perito imobiliário da Remax, que não viu o
interior do palacete, estima que valha actualmente 19,6 milhões de
euros no mercado.
Outro grande imóvel
da Cofic, com 1.925 metros quadrados, fica no número 193 do Campo
Grande, onde funciona o Clube Xénon, vocacionado para organizar
actividades para rapazes e um dos principais pontos de captação de
novas vocações, segundo o ex-numerário Paulo Andrade. Esta
propriedade foi doada em 2006 pela ISCAL, Sociedade Imobiliária
Civil, uma instituição administrada por três numerárias do Opus
Dei, com sede numa quinta de Vila Nova de Gaia – trata-se da Quinta
de Enxomil, onde a prelatura construiu um enorme edifício com
dezenas de quartos para acolher os participantes nos seus retiros. Um
centro semelhante, com essa mesma finalidade, foi erguido em
Almançor, no Alentejo, em terrenos doados por Alfredo Cunhal (tio do
líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal) e fundador do Banco da
Agricultura, onde Jardim Gonçalves e José Afonso Gil se conheceram.
"Começa-se
pelas cabeças"
Assim que instituiu
a fundação com o nome da antiga cliente, José Afonso Gil combinou
com os dirigentes do Opus Dei que iria criar uma residência para
estudantes universitários. "Começa-se pelas cabeças",
justifica à SÁBADO. Comprou então, por 550 mil contos (que
correspondem hoje a cerca de 5,7 milhões de euros), um terreno junto
à Universidade Católica e ainda conseguiu ficar com um espaço
maior depois de negociar uma permuta com o então presidente da
Câmara de Lisboa, Jorge Sampaio.
Foi aí que mandou
construir a residência universitária de Montes Claros (com piscina,
campo de futebol e pavilhão de squash) e o Oratório S. Josemaría
Escrivá, inaugurado em 1998. Quem frequenta as missas do Opus Dei
pode estacionar numa garagem com três pisos subterrâneos, que
também pertence à Fundação. E ao lado está a AESE, Associação
de Estudos Superiores de Empresas, igualmente controlada pela Obra.
José Afonso Gil decidiu também adquirir uma moradia de 600 metros
quadrados onde funciona o Clube Darca, um centro de actividades para
raparigas, junto à Biblioteca Nacional.
Mas a maioria dos
imóveis da Fundação Maria Antónia Barreiro concentra-se em
Marvila, onde ficavam os armazéns de vinho de José Domingos
Barreiro, o avô da benemérita. Aí, a Fundação tem 10 prédios,
nove lojas e nove armazéns – um deles está arrendado há 22 anos
a uma metalúrgica, que paga 2.398 euros mensais. Só este espaço,
que tem quase 2.400 metros quadrados, valerá mais de meio milhão de
euros. Ainda na zona oriental de Lisboa, a Fundação é proprietária
de mais de metade da Rua Fernando Palha, onde vários edifícios são
ocupados por espaços comerciais no rés-do-chão.
"Cá está a
massa para safar isto"
Em 1993, José
Afonso Gil, que era também advogado do BCP, vendeu os títulos do
tesouro que a Fundação tinha herdado e recebeu 1,5 milhões de
contos (cerca de 11,7 milhões de euros a preços actuais). Metade
dessa verba foi logo investida na Fomento, cooperativa fundada em
1978 por um grupo de pais para administrar quatro colégios (onde a
orientação espiritual está a cargo da prelatura) e que se
encontrava numa situação financeira apertada. Jardim Gonçalves, um
dos fundadores da cooperativa que manteve responsabilidades na sua
gestão, conseguia que o BCP continuasse a dar crédito à Fomento,
mas era cada vez mais difícil pagar as dívidas.
"Entreguei ao
Jorge Jardim 700 e tal mil contos [mais de 5,4 milhões de euros a
preços de hoje]. Ele até telefonou à mulher à minha frente e
disse qualquer coisa como isto: ‘Olhe, cá está a massa para safar
isto’", recorda José Afonso Gil. O encontro entre os dois
amigos deu-se no gabinete do então presidente do BCP na Rua Augusta.
A Fundação Maria Antónia Barreiro ficou desde então credora dos
colégios em 4 milhões de euros.
Dois dos actuais
administradores da Fomento dirigem também uma outra cooperativa, a
Socei, criada para gerir os valiosos imóveis onde estão instalados
os colégios Planalto, em Telheiras, e Mira Rio, no Restelo. Um
avaliador da Remax, a pedido da SÁBADO, estima que as duas moradias
que constituem o Colégio Mira Rio possam valer 6,9 milhões de
euros.
No Porto, o Colégio
Cedros, que ocupa cerca de 15 mil metros quadrados em S. Pedro da
Afurada, foi avaliado em 2,7 milhões de euros por João Saraiva,
também da Remax. Junto a este colégio, a cooperativa possui dois
terrenos com cinco mil metros quadrados com um valor comercial
estimado em 640 mil euros.
A intervenção de
Jardim Gonçalves
Jardim Gonçalves,
que foi talvez o mais proeminente membro da Obra no mundo dos
negócios, não participou apenas na gestão inicial dos colégios do
Opus Dei. Ajudou também a fundar o Centro de Orientação Familiar,
que promove acções de formação para casais e tem sede num
terceiro andar da Travessa do Possolo, ao lado da residência de
Cavaco Silva, em mais um imóvel da Fundação Maria Antónia
Barreiro.
O banqueiro (na foto
acima) pertenceu ainda ao núcleo de fundadores da AESE, Associação
de Estudos Superiores de Empresas, uma instituição criada em 1980
para dar formação em gestão de empresas "segundo uma
perspectiva cristã do homem e da sociedade". Pelo menos 18 dos
23 fundadores eram membros da Obra fundada por S. Josemaría Escrivá.
Entre eles, além de José Afonso Gil estão também Osvaldo Aguiar,
anterior administrador financeiro do governo do Opus Dei, Carvalho
Cardoso, ex-presidente do Belenenses que colaborou com António
Champalimaud e geriu a Mundial Confiança, e Silvério Martins,
fundador do CDS e ex-administrador da Rádio Renascença e do Banco
Pinto de Magalhães.
Uma figura-chave nos
corpos sociais da AESE até há pouco tempo foi José Fonseca Pires,
um médico de 45 anos que pertence ao governo do Opus Dei em
Portugal, onde desempenha o cargo de vogal de São Gabriel, ou seja,
é o responsável pelas actividades dos supranumerários, os membros
que vivem com as respectivas famílias. É também o presidente da
Sociedade Lusitana de Cultura.
Quem normalmente dá
a cara pela instituição de ensino é o seu vice-presidente e
director-geral, José Ramalho Fontes, que tem morada registada numa
vivenda com piscina e campo de ténis, que partilha com outros
membros do Opus Dei em Linda-a-Velha. Este imóvel tem um valor
comercial estimado por um avaliador da Remax, a pedido da SÁBADO, em
3,2 milhões de euros e está registado em nome da Cofic, a
cooperativa que financia o governo da Obra.
Capital de risco
Em Junho de 2007, a
AESE diversificou investimentos e ajudou a fundar uma sociedade de
capital de risco chamada Naves, entrando com 11,76% (132.888 euros)
dos 1,13 milhões de euros de capital social, transformando-se na sua
maior accionista. O domicílio fiscal da Naves é também o da escola
superior, na Calçada da Palma de Baixo. Os lucros líquidos desta
sociedade de capital de risco mais do que quadruplicaram entre 2008 e
2010 (de 45.928,61 para 191.042,23 euros) e o total do activo também
não parou de subir (de 903.693,38 euros em 2007 para 1.255.203,98 em
2010).
A Naves tem, por sua
vez, participações em duas sociedades: uma imobiliária de Gaia
(chamada In Time) e a Várzea da Rainha Impressores, empresa
presidida por Zita Seabra, que também dirige a Alethêia,
precisamente a editora que em 2011 republicou a biografia de
Josemaría Escrivá escrita por um dos mais antigos padres da
prelatura, Hugo de Azevedo, e que foi apresentada no auditório da
AESE a 9 de Janeiro de 2012 (dia em que o santo faria 110 anos).
A AESE serve também
para cimentar a ligação entre o Opus Dei e o mundo empresarial,
conta Paulo Andrade, que ajudou a fundar a Escola Profissional Val do
Rio, em Oeiras, com outros membros do Opus Dei, em 1989. Para obter
financiamento, recebeu indicações de Raul Diniz e Eugénio Viassa
Monteiro, dois numerários que foram directores-gerais da AESE.
Aconselharam-no a marcar uma reunião com um grupo de empresários,
dizendo que ia da parte deles, para lhes solicitar apoio financeiro.
Vasco Pessanha, presidente da Inapa, e Abel Pinheiro, do grupo
Grão-Pará, não são membros do Opus Dei mas aceitaram contribuir
com um donativo para a criação da escola.
Uma outra
instituição ligada ao Opus Dei é o Centro de Actividades Culturais
do Campo Grande: é proprietária do número 72 da Alameda das Linhas
de Torres e do edifício número 300 do Campo Grande – este foi
comprado a seguir à revolução de 1974 por 7 mil contos (o
equivalente actual a 1 milhão de euros). Possui também a sede
histórica do Opus Dei no Porto, onde funcionam o Colégio
Universitário da Boavista e o Clube Vega. O Centro de Actividades
Culturais do Campo Grande é dirigido por dois membros do governo da
Obra em Portugal: José Reis, um ortopedista encarregado das
actividades para jovens a nível nacional, e o padre Isaac Fernandez,
que ocupa o cargo de delegado de estudos.
O Hotel 3
Pastorinhos
O membro do governo
que lida mais de perto com questões financeiras é o que ocupa o
cargo de administrador. Trata-se do numerário Joaquim Claro, que é
o presidente do Hotel 3 Pastorinhos, em Fátima. Os outros dois
membros do conselho de administração também são numerários:
Vítor Cunha, engenheiro do Porto, e Pedro Gil, que é assessor de
imprensa do Opus Dei e filho de José Afonso Gil, presidente da
Fundação Maria Antónia Barreiro – entidade que possui quase todo
o capital social do hotel.
Há 21 anos, a
Fundação tinha como sócia a EATIS, Empresa de Actividades
Turísticas Internacionais, uma sociedade anónima que dividiu o
capital social em partes iguais por quatro numerários: Osvaldo
Aguiar, Raul Diniz, Luís Rebelo Pereira e Pedro Gil.
O hotel de três
estrelas fica a 50 metros do Santuário, mas, segundo os Relatórios
e Contas, em 2010 teve apenas 1.426 euros de resultado líquido,
valor substancialmente inferior aos 76 mil euros verificados em 2009.
As receitas atingem praticamente 1 milhão de euros por ano, só que
esse valor fica ligeiramente aquém das necessidades de
financiamento. O hotel, que está avaliado pelas Finanças em 4,5
milhões de euros, não parece um grande negócio, mas tem uma
importância estratégica para a Obra, por permitir a realização de
retiros na capital religiosa do País, com autonomia, sem ter de
recorrer, por exemplo, a casas de religiosas, diz um ex-membro da
prelatura.
Uma mulher
caprichosa e esbanjadora
Maria Antónia
Barreiro pediu frequentemente ao seu motorista que a levasse a Fátima
nos últimos meses de vida e ia à missa quase todas as semanas. Mas
o dinheiro era a base de todas as suas relações: dava mesadas e
roupa às amigas – e a uma delas ofereceu mesmo um apartamento no
Algarve; casou-se apenas uma vez, com o filho de um industrial, mas
divorciou-se ao fim de cinco anos, o que implicou a perda de uma
grande parte do seu património.
Era uma mulher
caprichosa e uma autêntica esbanjadora. Ia à Loja das Meias e
comprava dois casacos iguais, prevendo logo a hipótese de alguém
lhe roubar um. Comprou, de uma só vez, 32 lenços da Cartier numa
loja da Rua Castilho. Pagou 1.500 contos (mais de 26 mil euros a
preços actuais) por um relógio em ouro branco, só para fazer
pirraça a uma amiga, mas irritou-se por a peça amarrotar as suas
camisolas no pulso e foi devolvê-la à ourivesaria uma semana
depois, pedindo apenas 250 contos, um sexto do preço inicial. E
incitava o motorista a andar mais depressa, no seu Jaguar ou no BMW
635, que passou a ser utilizado pelo presidente da Fundação após a
sua morte. Morreu com um problema cardíaco no Hospital da Cruz
Vermelha, a 11 de Janeiro de 1986, menos de um ano depois de assinar
a última versão do testamento.
No velório de Maria
Antónia Barreiro, apareceu a amiga indicada no penúltimo
testamento. Só quando se preparava para combinar com o advogado um
encontro para receber os bens é que descobriu que afinal havia um
testamento mais recente, que tinha anulado o outro documento.
O próximo grande
investimento do Opus Dei, através da Fundação Maria Antónia
Barreiro, é a construção da nova residência universitária
feminina (Colégio Universitário dos Álamos) prevista para o n.º
189 do Campo Grande, um edifício degradado onde funcionou o
histórico restaurante Quebra Bilhas e que pertencia, desde 1939, à
Sociedade de Perfumarias Nally. O imóvel foi comprado em 2008 por 2
milhões de euros. Para financiar o negócio, a Fundação decidiu
vender vários edifícios, incluindo 10 fracções de um prédio na
Rua dos Correeiros, em Lisboa, que permitiram um encaixe de 770 mil
euros.
José Afonso Gil tem
já disponível todo o dinheiro de que precisa para construir a
residência feminina, assim que a Câmara autorizar: são 4,5 milhões
de euros. E admite que tem planos para o próximo grande
investimento: um centro para tratar doentes que precisam de cuidados
paliativos. Mas só avança depois de ouvir a opinião dos líderes
do Opus Dei.
*Com Manuel Almeida
e Raquel Lito
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