sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Tribunal de Contas. 10% das pontes e 62% das linhas de comboio precisam de investimento urgente / Só comboios de Lisboa ao Porto e Braga fazem viagens acima de 100 km/hora

Tribunal de Contas. 10% das pontes e 62% das linhas de comboio precisam de investimento urgente

Auditoria do Tribunal de Contas traça quadro insatisfatório das infraestruturas nacionais. Na ferrovia, apenas 11,3% das linhas estão em bom estado e não vão precisar de qualquer intervenção nos próximos anos.

Diogo Ferreira Nunes
06 Fevereiro 2020 — 23:59

Pontes, viadutos, estradas e linhas de comboio precisam de investimento urgente. O aviso é deixado esta sexta-feira pelo Tribunal de Contas numa auditoria à operacionalidade de infraestruturas e transportes e à execução do plano estratégico para o setor entre 2014 e 2020 (PETI3+).

O principal problema está nas linhas de comboio. "O estado de condição de 62,2% da via ferroviária é inferior a satisfatório", assinala o tribunal a partir dos dados da IP - Infraestruturas de Portugal. "Os resultados dos indicadores evidenciam risco material de inoperacionalidade de infraestruturas de transportes", sinaliza a entidade liderada por Vítor Caldeira.

Embora "não represente risco de segurança de utilização de infraestrutura", esta situação implica que, ao mínimo risco de falha, é necessário adequar as condições de circulação na via, "através da limitação de velocidade e/ou de carga, de restrições de via". No limite, poderá ser imposta a "limitação de circulação".

O Tribunal de Contas refere mesmo que 15,1% da via ferroviária está em estado insatisfatório, ou seja, "necessita de investimento urgente". Apenas 11,3% das linhas de comboio estão em bom estado e não vão precisar de qualquer intervenção nos próximos anos.

Dentro da ferrovia, há 27,9% dos túneis que também estão abaixo do nível satisfatório; o mesmo acontece com 13,7% das pontes ferroviárias. Também é chamada a atenção para as condições da sinalização, do sistema de controlo de velocidade (Convel) e ainda dos aparelhos de via.

Apesar dos pedidos de investimento urgentes do Tribunal de Contas, vai ser preciso esperar até ao final de 2023 para ficarem concluídas as obras mais urgentes. Este é o prazo esperado para o final do Ferrovia 2020, programa de manutenção pesada para as linhas de comboio, orçado em 2,1 mil milhões de euros, e que prevê obras de norte a sul do país.

Problemas nas estradas
Embora com balanço menos negativo, o Tribunal de Contas também avaliou o estado da rede rodoviária em Portugal. Perto de um quarto do piso das estradas nacionais (22,7%) está abaixo do estado satisfatório. E há mesmo 3,5% do pavimento que precisa de investimento. No caso das pontes e viadutos, 9,2% destas infraestruturas requerem atenção da IP.

Só que nas pontes e viadutos rodoviários os dados estão dispersos por 14 concessões e pelas câmaras (estradas municipais). Ou seja, "a informação sobre o estado da rede cabe às respetivas concessionárias ou ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes (entidade pública gestora dos contratos de concessão); a informação sobre o estado de conservação das obras de arte sob gestão municipal cabe aos respetivos municípios".

Só comboios de Lisboa ao Porto e Braga fazem viagens acima de 100 km/hora

Uma análise das velocidades médias praticadas na rede ferroviária nacional permite concluir que os comboios andam devagar em Portugal. Falta de investimento explica que em mais de 30 anos a situação tenha evoluído pouco.

Carlos Cipriano 7 de Fevereiro de 2020, 6:30

A maioria dos comboios de longo curso em Portugal tem velocidades médias inferiores a 100 quilómetros por hora (Km/hora). As excepções são as ligações Lisboa – Porto e Lisboa – Braga onde a velocidade comercial dos quatro comboios mais rápidos é, respectivamente, de 118,9 Km/hora e 111,7 Km/hora.

A linha do Norte é, assim, sem surpresas, a infra-estrutura ferroviária do país que permite velocidades mais elevadas. Só 99 dos 337 quilómetros que separam Lisboa do Porto permitem velocidades de 220 Km/hora. Metade da linha continua a aguardar por uma modernização que teve início em 1997 e que ainda não está concluída.

No entanto, os troços já modernizados permitem velocidades acima dos 160 Km/hora, que se repercutem favoravelmente no destino final. É o caso de Braga, mas também de Guimarães que é alcançável, desde Lisboa, a uma velocidade média de 96,2 Km/hora. As linhas da Beira Alta e da Beira Baixa também beneficiam das velocidades alcançadas na linha do Norte, o que permite que os Intercidades cheguem à Guarda a uma velocidade média de 85,7 Km/hora e à Covilhã a 82,1 Km/hora.

Para o Algarve e Alentejo, a modernização da linha do Sul em 2004 permitiu velocidades superiores a 200 Km/hora em alguns troços que totalizam 70 quilómetros entre Lisboa e Torre Vã (concelho de Ourique), mas a travessia da serra continuou limitada a 80 Km/hora, o que faz com que o Alfa Pendular e os Intercidades não consigam um tempo médio de viagem superior a 3h06 e uma velocidade comercial de 94,9 Km/hora entre Lisboa e o Algarve.

Évora é um destino que beneficia também das boas velocidades da linha do Sul até Pinhal Novo e, igualmente, a prova de que quando a infra-estrutura ferroviária é modernizada, isso se repercute de imediato no serviço prestado. De Entrecampos àquela capital de distrito, o Intercidades faz uma velocidade média de 97,5 Km/hora, a terceira melhor dos comboios portugueses.

No entanto, a CP não tira partido desta boa performance, mantendo o serviço com apenas quatro comboios diários em cada sentido. Os próprios maquinistas e revisores viajam, a expensas da CP, nos autocarros da Rede de Expressos (que tem uma frequência de 23 ligações por dia em cada sentido) para irem entrar ao serviço e trazerem o comboio para Lisboa.

Lentidão nacional
E é tudo no que diz respeito ao patamar dos 90 Km/hora. A maioria dos comboios que liga as cidades portuguesas é bem mais lenta, apesar de algumas das linhas que as servem até terem sido alvo de investimentos.

É o caso das linhas do Minho e do Douro que, tendo sido parcialmente modernizadas, não obtiveram quaisquer ganhos de velocidade. Demora-se do Porto para Valença 1 hora e 50 minutos nos comboios mais rápidos, a uma velocidade de 70,4 Km/hora. E para a Régua é pior: a velocidade média é de 60 Km/hora.

Em Julho do ano passado, o primeiro-ministro inaugurou a electrificação dos troços Nine – Viana e Caíde – Marco, que custou 27 milhões de euros. Há mais comboios eléctricos, a segurança melhorou, mas os tempos de percurso mantiveram-se inalterados.

O mesmo se pode dizer de algumas intervenções feitas na linha do Norte e na linha da Beira Alta (também no âmbito do Ferrovia 2020), que se limitaram a substituir na infra-estrutura equipamentos que estavam em fim de vida. Não se aumentou a velocidade dos comboios. Apenas se evitou que esta ainda tivesse de baixar em virtude do mau estado dos carris e das travessas.

No fim da lista estão as linhas que aguardam há décadas por uma modernização: o Algarve e o Oeste. De Lisboa para as Caldas da Rainha o comboio viaja à vertiginosa velocidade média de 45,8 Km/hora, a mesma que se pratica na Caminho-de-Ferro de Benguela entre o Lobito e o Luau. No Algarve é idêntico: de Vila Real de Santo António a Lagos circula-se à média de 47,3 Km/hora.

Em ambos os casos é a lei de paragens que penaliza o tempo médio de percurso. A infra-estrutura não está tão má que não permita maiores velocidades e os comboios são velhos mas podem atingir os 120 Km/hora. A visão comercial da CP é que é limitada ao serviço regional com paragens em todas as estações e apeadeiros, não inovando na criação de serviços mais rápidos.

Fraca evolução em 30 anos
Há precisamente 34 anos, em 1986, sem comboio pendular nem linha do Norte modernizada, os rápidos da CP designados Douro, Tejo, Miragaia e S. Jorge, percorriam a distância entre Santa Apolónia e Vila Nova de Gaia à velocidade média de 117 Km/hora.

Nessa altura ainda não havia a ponte de S. João a ligar Gaia a Campanhã e a travessia fazia-se a 10 à hora pela velha ponte D. Maria I, perdendo aí os rápidos da CP a orgulhosa velocidade média que exibiam até à margem esquerda do Douro. Também é certo que não paravam em nenhuma estação entre Lisboa e Gaia e hoje os Alfas param em Coimbra e Aveiro. Mas, mesmo assim, esta comparação diz muito sobre o pouco que evoluiu o serviço ferroviário na principal linha portuguesa em três décadas.

Um trabalho publicado em 1986 no Bastão Piloto, a revista da Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de-Ferro (APAC), dava a conhecer que entre Lisboa e Guarda as velocidades médias dos comboios mais rápidos rondava os 70 Km/hora (numa altura em que a linha da Beira Alta ainda não era electrificada nem tinha sinalização electrónica) e que os comboios do Porto para Vigo demoravam duas horas e meia a chegar a Valença, à velocidade média de 52,7 Km/hora (hoje demoram 70,4 Km/hora).

Nesta altura não havia comboio na ponte e as ligações ferroviárias para o Algarve faziam-se a partir do Barreiro. E era nesta estação que havia um comboio rapidíssimo para a época: o Sotavento, que usava a mesma composição de velho Foguete que nos anos 50 ligava Lisboa ao Porto em quatro horas, e que agora chegava a Faro em apenas 3 horas e 20 minutos, à velocidade média de 86,4 Km/hora. Os outros comboios para o Algarve tardavam cinco horas.

Um idêntico trabalho publicado na mesma revista em 1994 dá nota de algumas situações curiosas: a distância Porto – Régua que hoje é feita à velocidade média de 59,9 Km/hora tinha na altura um comboio que demorava exactamente o mesmo tempo de percurso. Em quase 30 anos, e apesar de a electrificação já ter chegado a Marco de Canavezes (cobrindo 60% do percurso), pouco se evoluiu em termos de velocidade.

Também em 1994 demorava-se 1 hora e 48 minutos entre Lisboa e Caldas da Rainha. Hoje demora-se 2 hora e 19 minutos. E na linha do Norte os quatro comboios mais rápidos viajavam à velocidade média de 112,3 Km/hora, pouco menos que os 118,9 Km/hora de hoje.

Metodologia
Considerou-se a média das quatro ligações mais rápidas, por linha ou troço de linha homogéneo, ascendentes e em dias úteis (com excepção das relações Lisboa - Covilhã e Caldas da Rainha - Coimbra por só terem três ligações rápidas entre origem e destino). No Porto - Valença foi incluído o comboio internacional Celta (que segue viagem para Vigo) porque constitui também uma oferta nacional. Devido à tipologia de serviço (com elevado número de paragens), não foram considerados os regionais do Vouga nem serviços suburbanos de Lisboa e Porto. À partida de Lisboa, para o cálculo dos tempos de percurso, considerou-se a estação de Santa Apolónia para os destinos a norte e a de Entrecampos para as linhas do Oeste, Alentejo e Sul.

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