Só comboios de Lisboa ao Porto e Braga fazem viagens acima de 100 km/hora
Uma análise das velocidades médias praticadas na rede ferroviária nacional permite concluir que os comboios andam devagar em Portugal. Falta de investimento explica que em mais de 30 anos a situação tenha evoluído pouco.
Carlos Cipriano 7 de Fevereiro de 2020, 6:30
A maioria dos comboios de longo curso em Portugal tem velocidades médias inferiores a 100 quilómetros por hora (Km/hora). As excepções são as ligações Lisboa – Porto e Lisboa – Braga onde a velocidade comercial dos quatro comboios mais rápidos é, respectivamente, de 118,9 Km/hora e 111,7 Km/hora.
A linha do Norte é, assim, sem surpresas, a infra-estrutura ferroviária do país que permite velocidades mais elevadas. Só 99 dos 337 quilómetros que separam Lisboa do Porto permitem velocidades de 220 Km/hora. Metade da linha continua a aguardar por uma modernização que teve início em 1997 e que ainda não está concluída.
No entanto, os troços já modernizados permitem velocidades acima dos 160 Km/hora, que se repercutem favoravelmente no destino final. É o caso de Braga, mas também de Guimarães que é alcançável, desde Lisboa, a uma velocidade média de 96,2 Km/hora. As linhas da Beira Alta e da Beira Baixa também beneficiam das velocidades alcançadas na linha do Norte, o que permite que os Intercidades cheguem à Guarda a uma velocidade média de 85,7 Km/hora e à Covilhã a 82,1 Km/hora.
Para o Algarve e Alentejo, a modernização da linha do Sul em 2004 permitiu velocidades superiores a 200 Km/hora em alguns troços que totalizam 70 quilómetros entre Lisboa e Torre Vã (concelho de Ourique), mas a travessia da serra continuou limitada a 80 Km/hora, o que faz com que o Alfa Pendular e os Intercidades não consigam um tempo médio de viagem superior a 3h06 e uma velocidade comercial de 94,9 Km/hora entre Lisboa e o Algarve.
Évora é um destino que beneficia também das boas velocidades da linha do Sul até Pinhal Novo e, igualmente, a prova de que quando a infra-estrutura ferroviária é modernizada, isso se repercute de imediato no serviço prestado. De Entrecampos àquela capital de distrito, o Intercidades faz uma velocidade média de 97,5 Km/hora, a terceira melhor dos comboios portugueses.
No entanto, a CP não tira partido desta boa performance, mantendo o serviço com apenas quatro comboios diários em cada sentido. Os próprios maquinistas e revisores viajam, a expensas da CP, nos autocarros da Rede de Expressos (que tem uma frequência de 23 ligações por dia em cada sentido) para irem entrar ao serviço e trazerem o comboio para Lisboa.
Lentidão nacional
E é tudo no que diz respeito ao patamar dos 90 Km/hora. A maioria dos comboios que liga as cidades portuguesas é bem mais lenta, apesar de algumas das linhas que as servem até terem sido alvo de investimentos.
É o caso das linhas do Minho e do Douro que, tendo sido parcialmente modernizadas, não obtiveram quaisquer ganhos de velocidade. Demora-se do Porto para Valença 1 hora e 50 minutos nos comboios mais rápidos, a uma velocidade de 70,4 Km/hora. E para a Régua é pior: a velocidade média é de 60 Km/hora.
Em Julho do ano passado, o primeiro-ministro inaugurou a electrificação dos troços Nine – Viana e Caíde – Marco, que custou 27 milhões de euros. Há mais comboios eléctricos, a segurança melhorou, mas os tempos de percurso mantiveram-se inalterados.
O mesmo se pode dizer de algumas intervenções feitas na linha do Norte e na linha da Beira Alta (também no âmbito do Ferrovia 2020), que se limitaram a substituir na infra-estrutura equipamentos que estavam em fim de vida. Não se aumentou a velocidade dos comboios. Apenas se evitou que esta ainda tivesse de baixar em virtude do mau estado dos carris e das travessas.
No fim da lista estão as linhas que aguardam há décadas por uma modernização: o Algarve e o Oeste. De Lisboa para as Caldas da Rainha o comboio viaja à vertiginosa velocidade média de 45,8 Km/hora, a mesma que se pratica na Caminho-de-Ferro de Benguela entre o Lobito e o Luau. No Algarve é idêntico: de Vila Real de Santo António a Lagos circula-se à média de 47,3 Km/hora.
Em ambos os casos é a lei de paragens que penaliza o tempo médio de percurso. A infra-estrutura não está tão má que não permita maiores velocidades e os comboios são velhos mas podem atingir os 120 Km/hora. A visão comercial da CP é que é limitada ao serviço regional com paragens em todas as estações e apeadeiros, não inovando na criação de serviços mais rápidos.
Fraca evolução em 30 anos
Há precisamente 34 anos, em 1986, sem comboio pendular nem linha do Norte modernizada, os rápidos da CP designados Douro, Tejo, Miragaia e S. Jorge, percorriam a distância entre Santa Apolónia e Vila Nova de Gaia à velocidade média de 117 Km/hora.
Nessa altura ainda não havia a ponte de S. João a ligar Gaia a Campanhã e a travessia fazia-se a 10 à hora pela velha ponte D. Maria I, perdendo aí os rápidos da CP a orgulhosa velocidade média que exibiam até à margem esquerda do Douro. Também é certo que não paravam em nenhuma estação entre Lisboa e Gaia e hoje os Alfas param em Coimbra e Aveiro. Mas, mesmo assim, esta comparação diz muito sobre o pouco que evoluiu o serviço ferroviário na principal linha portuguesa em três décadas.
Um trabalho publicado em 1986 no Bastão Piloto, a revista da Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de-Ferro (APAC), dava a conhecer que entre Lisboa e Guarda as velocidades médias dos comboios mais rápidos rondava os 70 Km/hora (numa altura em que a linha da Beira Alta ainda não era electrificada nem tinha sinalização electrónica) e que os comboios do Porto para Vigo demoravam duas horas e meia a chegar a Valença, à velocidade média de 52,7 Km/hora (hoje demoram 70,4 Km/hora).
Nesta altura não havia comboio na ponte e as ligações ferroviárias para o Algarve faziam-se a partir do Barreiro. E era nesta estação que havia um comboio rapidíssimo para a época: o Sotavento, que usava a mesma composição de velho Foguete que nos anos 50 ligava Lisboa ao Porto em quatro horas, e que agora chegava a Faro em apenas 3 horas e 20 minutos, à velocidade média de 86,4 Km/hora. Os outros comboios para o Algarve tardavam cinco horas.
Um idêntico trabalho publicado na mesma revista em 1994 dá nota de algumas situações curiosas: a distância Porto – Régua que hoje é feita à velocidade média de 59,9 Km/hora tinha na altura um comboio que demorava exactamente o mesmo tempo de percurso. Em quase 30 anos, e apesar de a electrificação já ter chegado a Marco de Canavezes (cobrindo 60% do percurso), pouco se evoluiu em termos de velocidade.
Também em 1994 demorava-se 1 hora e 48 minutos entre Lisboa e Caldas da Rainha. Hoje demora-se 2 hora e 19 minutos. E na linha do Norte os quatro comboios mais rápidos viajavam à velocidade média de 112,3 Km/hora, pouco menos que os 118,9 Km/hora de hoje.
Metodologia
Considerou-se a média das quatro ligações mais rápidas, por linha ou troço de linha homogéneo, ascendentes e em dias úteis (com excepção das relações Lisboa - Covilhã e Caldas da Rainha - Coimbra por só terem três ligações rápidas entre origem e destino). No Porto - Valença foi incluído o comboio internacional Celta (que segue viagem para Vigo) porque constitui também uma oferta nacional. Devido à tipologia de serviço (com elevado número de paragens), não foram considerados os regionais do Vouga nem serviços suburbanos de Lisboa e Porto. À partida de Lisboa, para o cálculo dos tempos de percurso, considerou-se a estação de Santa Apolónia para os destinos a norte e a de Entrecampos para as linhas do Oeste, Alentejo e Sul.
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