“Se a aposta do
Reino Unido num reforço da relação comercial — e política — com o mundo
exterior, em detrimento da União Europeia, será um sucesso, um fracasso ou
relativamente neutral no resultado final, é algo impossível de dizer com
precisão nesta altura. Apenas é possível traçar cenários e fazer conjecturas.
Muito do que se diz ou escreve sobre este assunto acaba por ter um boa dose de
whishful thinking, derivado de um (pré)conceito a favor ou contra o “Brexit”.
Provavelmente só num período alargado, de cinco ou dez anos, perceberemos, na
sua abrangência e plenitude, as consequências da decisão de saída dos
britânicos da União Europeia. Isto vale quer para britânicos, quer para
europeus.”
JOSÉ PEDRO
TEIXEIRA FERNANDES
OPINIÃO
O Reino Unido
entre a (des)europeização e a globalização
Provavelmente, só
num período alargado, de cinco ou dez anos, perceberemos, na sua abrangência,
as consequências da saída britânica da União Europeia
JOSÉ PEDRO
TEIXEIRA FERNANDES
2 de Fevereiro de
2020, 5:05
1. Faz sentido
trocar o comércio com a União Europeia pelo comércio com o resto do mundo? No
último índice de globalização do Instituto Económico Suíço de Zurique (ETH), o
Reino Unido aparece como a quinta economia mais globalizada do mundo. O ranking
geral, que combina as dimensões económica, social e política da globalização, é
liderado pela Suíça, seguida da Holanda, da Bélgica e da Suécia. O Reino Unido
ocupa o quinto lugar. Quanto às grandes economias da União Europeia, a Alemanha
ocupa o oitavo lugar e a França o décimo. Se olharmos só para a globalização
económica — ou, mais rigorosamente, para a dimensão económica da globalização
—, Singapura ocupa o primeiro lugar, seguida da Holanda, Bélgica, Luxemburgo e
Hong Kong. Este ranking sugere a possibilidade de existir uma economia
próspera, aberta e globalizada fora da integração no espaço da União Europeia.
Mas está ao alcance do Reino Unido repetir esse sucesso, à maneira, por
exemplo, da Suíça, na Europa, ou de Singapura, na Ásia?
2. A prosperidade
que os britânicos construíram durante o seu período de integração europeia
(1973-2020) está muito ligada aos serviços em geral, e aos serviços financeiros
em particular. Nas últimas estatísticas da União Europeia (Eurostat) sobre as
regiões mais ricas e mais pobres da União, Londres Central - Oeste aparece como
a zona europeia mais rica, com um valor mais de seis vezes superior à média
europeia. A diferença é particularmente marcante, quer quanto a outras regiões
e zonas ricas da União Europeia — nos lugares seguintes aparece o Luxemburgo, o
Sul da Irlanda, Hamburgo na Alemanha e a região de Bruxelas, na Bélgica —, quer
quanto à restante parte da capital britânica (a Londres Central - Este), a qual
ocupa o décimo primeiro lugar nesse ranking (a clivagem é de 626 contra 168).
Tudo indica que o enorme impacto dos serviços financeiros localizados em
Londres, na city, é o principal responsável pelo efeito estatístico que coloca
a cidade no topo da riqueza europeia. Mais de 500 mil pessoas trabalham na área
financeira em Londres, e quase 40% dessa força de trabalho altamente
qualificada nasceu fora do Reino Unido. Será possível manter ou incrementar
essa prosperidade fora do mercado único da União Europeia?
3. Na Declaração
Política sobre o futuro quadro de relacionamento do Reino Unido com a União
Europeia há várias indicações sobre o modelo de relacionamento económico que
irá surgir. Em matéria de comércio de mercadorias o objectivo é estabelecer uma
“relação comercial ambiciosa”, tendo por base a formação de uma zona de
comércio livre (Parágrafo II, ponto 19). Quanto a impostos aduaneiros, o texto
é também claro nas intenções (ponto 22): “não existirão tarifas, taxas,
encargos ou restrições quantitativas em todos os sectores com regras de origem
apropriadas e modernas e com acordos aduaneiros ambiciosos que estejam
alinhados com os objectivos e princípios das Partes”. Em termos regulatórios
(ponto 23) deverão ser evitadas “barreiras desnecessárias ao comércio de
mercadorias”. Quanto às barreiras técnicas ao comércio e medidas sanitárias e
fitossanitárias “devem basear-se e ir além dos respectivos acordos da
Organização Mundial do Comércio.” Numa outra matéria, os serviços e
investimento (Parágrafo III, ponto 27) — os quais têm, como já evidenciado, um
grande peso na economia britânica —, está previsto que devem ser “concluídos
acordos ambiciosos, abrangentes e equilibrados sobre o comércio de serviços e o
investimento” sem prejuízo do direito regulação de cada parte. O objectivo
comum é “atingir um nível de liberalização do comércio de serviços muito além
dos compromissos da Organização Mundial do Comércio e basear-se nos recentes
acordos de livre comércio da União”.
4. Efectivamente,
na última década ou década e meia a União Europeia negociou múltiplos acordos
bilaterais de comércio, com a Coreia do Sul, Japão, Singapura, México, Canadá e
Mercosul, estando outros acordos em negociação, por exemplo com a Austrália e a
Nova Zelândia. Para esta análise, um caso de particular interesse é o acordo efectuado
com o Canadá, o Comprehensive Economic and Trade Agreement (CETA), o qual tem
sido apontado pelo Governo de Boris Johnson como o modelo mais próximo a
seguir. Todavia, quer o CETA, quer os outros acordos comerciais com economias
desenvolvidas são documentos (muito) complexos que levaram vários anos a
negociar. Frequentemente, foram ainda necessários mais alguns anos para
entrarem em vigor devido ao processo de ratificação de tratados internacionais
na actual União Europeia — o acordo CETA mostrou bem essa dificuldade. Trata-se
daquilo que legalmente se designa por acordos mistos. São acordos que abrangem
matérias negociadas pela União Europeia em nome de todos, mas que não são todas
da sua competência exclusiva. Envolvem também competência dos Estados-membros.
A consequência é que isso implica ratificações a nível nacional que podem ter
de passar também por parlamentos regionais — ou de Estados federados —, de
acordo com o dispositivo constitucional interno.
5. É irrealista a
negociação de um acordo comercial entre o Reino Unido e a União Europeia,
segundo o modelo do CETA, até final de 2020? Tudo indica que sim. Não é por
acaso que no artigo 126º do acordo de saída da União Europeia ficou previsto
que, até 1 de Julho de 2010, o Reino Unido (com o acordo da União Europeia),
possa alargar período de transição, uma única uma vez, por um período de um ou
dois anos. Todavia, no European Union (Withdrawal Agreement) Bill, aprovado
pelo Parlamento britânico, sob proposta do Governo de Boris Johnson, ficou
estabelecido na Parte IV, ponto 33 que “Um Ministro da Coroa não pode acordar
no Comité Conjunto uma extensão do período de implementação” do período
transitório que actualmente decorre (e termina a 31 de Dezembro de 2020). Mas a
conclusão não é necessariamente, como se tem dito, que não poderá, em qualquer
caso, existir um prolongamento do prazo. O alargamento poderá mostra-se
inevitável em termos políticos — e, desde logo, ser a melhor opção no próprio
interesse britânico. Todavia, a existir, implicará uma alteração/emenda da lei.
Mas quem teve uma ampla maioria parlamentar para a fazer, também terá, por
princípio, uma maioria para a alterar. Claro que a questão é politicamente
delicada e pode causar dissabores ao Governo de Boris Johnson. Implica a
continuação da contribuição financeira do Reino Unido para o orçamento europeu
durante esse período (o que é um outro ponto crítico). E a vinculação às regras
do mercado único já existentes, ou que venham a entrar em vigor, sem que os
britânicos tenham qualquer palavra nelas. A isto acresce o prolongamento no
tempo da jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre essas
matérias.
6. Se a aposta do
Reino Unido num reforço da relação comercial — e política — com o mundo
exterior, em detrimento da União Europeia, será um sucesso, um fracasso ou
relativamente neutral no resultado final, é algo impossível de dizer com
precisão nesta altura. Apenas é possível traçar cenários e fazer conjecturas.
Muito do que se diz ou escreve sobre este assunto acaba por ter um boa dose de
whishful thinking, derivado de um (pré)conceito a favor ou contra o “Brexit”.
Provavelmente só num período alargado, de cinco ou dez anos, perceberemos, na
sua abrangência e plenitude, as consequências da decisão de saída dos
britânicos da União Europeia. Isto vale quer para britânicos, quer para
europeus. Fora da União Europeia a partir de 1 de Fevereiro de 2020, a
estratégia britânica é a de tentar compensar as previsíveis limitações futuras
de acesso do mercado da União Europeia com acordos comerciais mais favoráveis
do que aqueles que a União Europeia tem com o mundo exterior. Essa desvantagem,
provavelmente será também compensada pelo Reino Unido através uma descida sobre
os impostos das empresas e/ou de uma regulação mais flexível, ou seja, que na
prática implique menores custos empresariais. Aspecto importante é que,
simultaneamente com a negociação da futura relação comercial com a União
Europeia, irá decorrer uma negociação comercial com outros Estados, desde logo
os EUA. Será que essa estratégia irá permitir ao Governo de Boris Johnson
alavancar a sua posição negocial com a União Europeia, ou irá prejudicá-la? Não
sabemos. Mais certo é que será na triangulação Reino Unido/UE/EUA — e na
relação paralela com a China — que se irá jogar muito do futuro britânico,
europeu e ocidental, seja ele qual for.
UK will
refuse close alignment with EU rules, Johnson to say
Prime
minister’s vision on future trading relationship will clash with that of EU
leaders
Rajeev
Syal, Jennifer Rankin and Daniel Boffey
Sun 2 Feb
2020 19.48 GMTLast modified on Mon 3 Feb 2020 03.16 GMT
Boris
Johnson will issue a direct warning on Monday that the UK will refuse close
alignment of rules and reject the jurisdiction of the European courts in any
trade deal as EU leaders prepare to give his plans a frosty reception.
In a
bullish speech setting out the government’s negotiating position, the prime
minister will set out his vision for future relations with the trading bloc and
reject accepting similar rules over competition, welfare spending and
environmental standards.
“There is
no need for a free trade agreement to involve accepting EU rules on competition
policy, subsidies, social protection, the environment, or anything similar any
more than the EU should be obliged to accept UK rules,” he will say.
His vision
clashes with the mandate of EU leaders, which is due to be set out on the same
day and is expected to aim at maintaining a level playing field.
Labour has
accused the government of indulging in “sabre-rattling” as both sides set out
their initial negotiating positions and embark upon 11 months of intense talks.
In the
speech, to be delivered to ambassadors and businesspeople on Monday morning,
Johnson will argue in favour of either a Canada-style or Australia-style
agreement that will respect the autonomy of the UK courts.
“The choice
is emphatically not ‘deal or no deal’. The question is whether we agree a
trading relationship with the EU comparable to Canada’s – or more like
Australia’s. In either case, I have no doubt that Britain will prosper. And of
course our new relationship with our closest neighbours will range far beyond
trade.
“We will seek a pragmatic agreement on
security, protecting our citizens without trespassing on the autonomy of our
respective legal systems,” he will say.
Senior
government sources concede that the stakes are high if they fail. If there is
no deal by 31 December, the UK will face a “cliff-edge” no-deal Brexit.
References
by Johnson’s government to “the Australian model” in briefings to journalists
have bemused EU officials because no deal has yet been agreed with the Canberra
government.
An EU
source said the government appeared to have decided that Australia “sounds much
more popular than the WTO”, but “there is no such thing as an Australia-style
agreement”.
Earlier,
Dominic Raab, the foreign secretary, had said that following EU rules after
2021 “just ain’t happening” and insisted that it was wrong for the EU’s senior
negotiator to claim that goods entering Northern Ireland and Great Britain
would be subject to extra paperwork once Britain leaves the post-Brexit
transition period.
Asked on
Sky News on Sunday whether Michel Barnier was wrong to say there would be
border checks on goods moving between the EU and the UK, the foreign secretary
said this was up to the EU.
“Yes, he is
wrong if the EU lives up to its commitments on its side both in the withdrawal
agreement and the political declaration.
“We are entering
into these negotiations with a spirit of goodwill. But we are just not doing
that other stuff. The legislative alignment, it just ain’t happening,” he said.
John
McDonnell, the shadow chancellor, said Raab’s words were part of a showy and
childish attempt to set out the government’s position in the trade
negotiations. “It is ‘sabre-rattling’ … It is a bit puerile,” he told the
Andrew Marr Show.
EU figures
have expressed concern at the position of the Johnson government.
Dacian
Cioloș, a former prime minister of Romania who leads the Renew group in the
European parliament which includes Emmanuel Macron’s party, warned against an
outbreak of aggressive posturing ahead of the negotiation.
“We are now
at a low moment in this relationship and, unfortunately, Brexit puts barriers
between us.
“The extent
to which the EU can be open and make concessions will depend strongly on the
extent to which the British government will be willing to cooperate. But,
obviously, a deal can never be as good as EU membership,” he said.
The Irish
prime minister, Leo Varadkar, said the EU could reach a sector by sector deal
with the UK if a comprehensive Brexit agreement was not reached by Johnson’s
December deadline.
But he told
the BBC it would be a “second-class outcome” and mean that negotiations could
drag on for years.
“If it
isn’t possible to have a comprehensive deal then the back-up plan would be
sectoral agreement or some temporary agreements that would buy us more time
while we negotiate the comprehensive agreement, but that to me is an inferior
outcome,” he told Marr. “And imposition of bureaucracy, checks, tariffs and
quotas, that is not good for anyone.”
EU
officials are expected to insist on protecting their companies from a race to
the bottom on workers’ rights and environmental standards. “The EU understands
the UK is not wanting to be a rule taker. But that works both ways, we also
have a demanding public,” an EU source said.
Brussels
has asked the UK to sign up to EU standards on workers’ rights, environmental
protection and state aid in order to get zero-tariffs, zero-quotas on trade in
goods.
Last
October, Johnson agreed that the future relationship with the EU “must ensure
open and fair competition, encompassing robust commitments to ensure a level
playing field”.
In a
further development, Northern Ireland’s first minister, Arlene Foster,
expressed concern that a refusal to consider alignment could cause a border
down the Irish Sea.
As part of
the withdrawal agreement, Johnson agreed that the six counties would continue
to follow single market rules to avoid border checks along the border with
Ireland.
It means,
if Britain has rules that differ from Brussels post-2021, then cargo travelling
into Northern Ireland from Great Britain could face inspections.
In comments
made to Sky News’s Sophy Ridge On Sunday programme, the DUP leader Foster said
it was “difficult to see” how checks could be avoided since ministers intended
to “diverge away from single market regulations, whilst Northern Ireland
remains within the single market”.
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