“Proibir Alojamento Local em certas zonas de Lisboa não é
solução”, diz presidente da associação do sector
(…) “O problema na habitação não é culpa do turismo”.
Correram a afirmar sucessivamente Costa, Medina e Marcelo. Isto imediatamente
confirmado pela ALEP e pelo poderoso lobby do Alojamento Local.
Tanto mais que a colaboração entre a ALEP, a AIRBNB e afins
está assegurada, pois eles ‘ajudam’ no registo e controle do fenómeno. Desde o
início, Medina elegeu-os como cúmplices e colaboradores com a mesma
tranquilidade e naturalidade como se elege a raposa como principal guardiã da
capoeira (…)
António Sérgio Rosa de Carvalho / Público / 13-10-2018
“Aprés nous le Déluge”
“Proibir Alojamento Local em certas zonas de Lisboa não é
solução”, diz presidente da associação do sector
Samuel Alemão
Texto
19 Outubro, 2018
https://ocorvo.pt/proibir-alojamento-local-em-certas-zonas-de-lisboa-nao-e-solucao-diz-presidente-da-associacao-do-sector/#comment-11542
Nas vésperas de entrar em vigor a suspensão temporária de
novos alojamentos locais em cinco bairro da capital (Castelo, Mouraria, Alfama,
Bairro Alto e Madragoa), decorrente da nova lei, o sector aguarda com ansiedade
pelo regulamento a criar pela Câmara de Lisboa. “Poderemos encontrar o tal
equilíbrio de que todos falam”, diz Eduardo Miranda, presidente da Associação
do Alojamento Local em Portugal (ALEP), para quem o discurso dominante sobre o
fenómeno “é demasiado radicalizado”. Algo acentuado pelas últimas eleições
autárquicas. “Na simplificação que feita, fomos um dos alvos, um inimigo
fácil”, afirma, em entrevista a O Corvo. O dirigente defende que, mais que a
proibição, o importante é “saber gerir o crescimento do Alojamento Local,
amenizando os impactos negativos”. A chave está em saber antecipar as
situações, defende. “O regulamento é uma oportunidade de se criarem fórmulas
inovadoras de gestão do crescimento”, diz.
O Corvo – Foram anunciadas, na semana passada, os bairros de
Lisboa sujeitos a medidas de contenção, os quais, a partir de 22 de Outubro e
até haver regulamento para Alojamento Local (AL) em Lisboa, não poderão ter
mais unidades. Já se sabia que Castelo, Alfama e Mouraria seriam abrangidas.
Bairro Alto e Madragoa foram as novidades. Concorda com a lista?
Eduardo Madeira – Em primeiro lugar, fomos contra esta ideia
de medidas provisórias de prevenção, antes dos regulamentos. O que achamos
importante discutir, e neste caso de Lisboa também, é o regulamento em si.
Quais são as regras do jogo que vão ficar e que dêem estabilidade a todos, que
a gente perceba que o AL conseguiu ser integrado de uma forma sustentável na
cidade. De que, quem está no AL tenha a tranquilidade de, se quiser fazer uma
obra, não vai ser apanhado de surpresa. Isso é o fundamental. Estas medidas
agora anunciadas são medidas de excepção, temporárias entre o momento em que a
lei entra em vigor e a saída do regulamento.
O que não sabemos bem
quando será, embora a lei estipule que tenha de ser no prazo máximo de um ano…
Sim, mas o nosso receio é que aconteça o mesmo que em
Barcelona, em que essas medidas temporárias fiquem definitivas, facilmente se
estendam. Isso acontece até em muitas áreas da vida, coisas que eram
temporárias e acabam por ficar definitivas. E porquê? Porque, sendo
temporárias, estas medidas não precisam de grande justificativa. São,
normalmente, uma reacção à percepção pública, de debate político. Dito isso, o
importante é discutir efectivamente o regulamento. Não vou estar agora a
debater se puseram aquela zona ou este bairro. Vamos falar do todo. Em Lisboa,
pelo menos, há um bom sinal, que é o que isto vai ser uma coisa temporária. A
Câmara de Lisboa diz estar empenhada em que saia até ao final do ano. Nesse
regulamento é que poderemos encontrar o tal equilíbrio de que todos falam, mas
não se ouve uma única solução do que fazer na prática.
E o que entende que
pode ser feito para equilibrar?
Olhando um pouco para trás, podemos fazer uma análise. Antes
de mais, julgo que perdemos oportunidades de já ter feito esse equilíbrio, essa
integração. O discurso dominante é demasiado radicalizado. Houve uma
apropriação política e eleitoral desta questão, essencialmente nas autárquicas,
onde se ouviu um discurso muito extremado. Já estava prevista uma alteração à
lei, desde o início, quando o governo tomou posse, em 2015.
Na altura, falou-se inclusivamente da sustentabilidade da
vida nas zonas centrais do principais núcleos urbanos, porque se verificava que
o AL já crescia a grande ritmo. E nós, desde essa altura, começámos a fazer a
monitorização do crescimento do AL e da sua relação com a habitação aqui em
Lisboa. Desde 2015. Mas o que é que acontece? Fomos todos atropelados pelas
autárquicas, como aquela mediatização excessiva e proclamações extremadas, do
género ‘ou é contra ou a favor’.
Acha que a entrada do Bloco de Esquerda no executivo da
Câmara de Lisboa causou uma pressão ainda maior?
Não, isso já vinha de antes. A maior pressão foi passar isso
para uma iniciativa parlamentar. Mas podemos dizer que o primeiro erro…não vou
dizer erro, vou dizer facto…o primeiro grande facto foi a apropriação do AL
como tema político das eleições autárquicas – porque esta questão se cruzava
com a habitação. Houve uma excessiva mediatização…
Não acha que essa
mediatização tinha de acontecer, tendo em conta que as pessoas sentem que há
falta de casas e vêem no AL um dos responsáveis por isso?
A questão é esta: quando apanho um tema que é importante,
complexo e incómodo e que é um tema eleitoral, a mensagem tem de ser
simplificada. É impossível, numa campanha eleitoral, dizer ‘vocês estão sem
casa, as casas estão cada vez mais caras, é um problema extremamente complexo e
nós identificámos oito factores responsáveis por isso, alguns deles são
estruturais’. Ninguém é eleito assim, portanto, tenho de simplificar. Na
simplificação que foi feita, nós fomos um dos alvos. Com isto não quero dizer
que não fazemos parte dessa transformação, mas sim que se encontrou um inimigo
fácil.
É, tipicamente, um discurso aquecido pela política
eleitoral. E não estou sequer a falar a nível dos candidatos às presidência da
câmara, que, se comparados a nível internacional, até foram muito contidos
nesse assunto. Reunimos com eles, durante a campanha, e a maior parte disse que
compreendia que o AL está a trazer grandes benefícios, está a trazer emprego.
Foi mais ao nível das juntas de freguesia, que quiseram trazer isto para o
debate…
Algumas destas freguesias coincidem com estas zonas de
contenção agora anunciadas?
Sim, Santa Maria Maior [liderada pelo socialista Miguel
Coelho e na qual se incluem os bairros de Alfama, Mouraria, Castelo, Baixa e
Chiado], por exemplo. Aliás, foi essencialmente onde surgiu todo esse
movimento. Se me perguntar sobre a Misericórdia, posso dizer-lhe que não teve
esse mediatismo. Isto é um problema que é complicado: é verdade que, se calhar,
é preciso chamar a atenção. Mas fazê-lo no contexto das autárquicas, isso levou
a que fosse um tema de grande interesse político, porque Lisboa e o seu centro
histórico têm uma mediatização que não tem o Algarve ou outras regiões.
Ao criar esse interesse político, passou para outro nível,
para o parlamento e a haver envolvimento dos partidos como um todo. E aí
lança-se aquele reacção em cadeia das iniciativas parlamentares, que não
tiveram nem tempo nem capacidade técnica. E isso num momento delicado, em que
os partidos precisavam de passar uma mensagem política forte.
Acha que esta lei que
vai entrar agora em vigor está mal feita
por causa disso?
Em grande parte, foi condicionada por isso. Por causa dessa
mediatização que começa nas autárquicas e leva o assunto para a iniciativa
parlamentar, o processo atrasou-se mais de um ano. Esse processo era para ter
sido resolvido logo antes das autárquicas, ainda no início de 2017. O que se
passou foi que, ainda antes disso, entrou uma outra lei, a lei dos
empreendimentos turísticos. Isto é uma área muito técnica e, em muitos casos,
os grupos parlamentares não tem conhecimento técnico. Havia uma pressão para
passar uma mensagem sobretudo política. Começaram com propostas demasiado
radicais. Mas essa é a lei que temos e vamos trabalhar com ela.
Quais são os
principais defeitos que encontra na lei?
O principal defeito é que se trata de uma lei que resultou,
sobretudo, de uma pot pourri de mensagens políticas. Apesar das muitas
audiências feitas, notámos da parte dos deputados um baixo nível de
conhecimento técnico. Nas audiências, só se apanham grandes proclamações, ser
contra ou a favor. Nem sequer se ouvem grandes propostas. Para além disso, é
também notória a pressa com que se quer legislar.
A parte mais difícil disto é, depois de ouvir esta gente
toda, o que é que eu faço disso? Como é que faço uma legislação equilibrada,
numa área que é técnica? E isso foi tudo feito em duas semanas. Quase tudo o
que aparece na lei foi decidido na véspera. Parte disso é uma mistura de
precipitação e da pressão política de se passar uma mensagem. Há coisas que até
são positivas…
Nomeadamente…
Por exemplo, a questão da transparência na relação com os
condomínios. Ou seja, na obrigação de informar o condomínio de que há um
alojamento local. Mas também a obrigação de transmitir as informações aos
hóspedes em várias línguas. Mas já, por exemplo, na questão do seguro
obrigatório de responsabilidade civil gerou-se uma confusão. Criou-se uma
salada na véspera, em que se aprovaram dois textos de dois partidos diferentes,
PS e PCP, em que ficou uma confusão tal que as seguradoras não entenderam o que
se pretende e estão a pedir esclarecimentos. Mas há duas questões principais
que colocámos em relação a esta lei. Não era o estar contra o fazer, porque
entendíamos que até tinham de ser feitas algumas coisas…
Mas que questões eram essas?
Por exemplo, as questões dos condomínios. Aquela ideia
inicial da autorização prévia era uma ideia altamente preconceituosa. No fundo,
era dizer que se parte do princípio que as pessoas que vão estar no AL vão agir
mal, numa espécie de campanha generalizada de que os turistas são uns animais,
e depois pedir para o condomínio decidir com base nessa ideia. A ideia de que
se pode cancelar a autorização quando há problemas graves e reiterados é uma
ideia razoável. O problema é como será o processo e como é que se prova isso.
Para não haver guerrinhas entre vizinhos e até entre alojamentos locais.
Acha que a lei traz
consigo um potencial aumento da conflitualidade?
Acho que o erro da lei foi esse. Apostou na arbitrariedade,
o que só pode criar um ambiente de possível conflitualidade. Da forma como está
escrita a lei, estou quase a incentivar os condomínios a fazerem um pedido de
cancelamento. E, ainda por cima, meterem no meio disto o presidente da câmara.
O pedido de cancelamento, afinal, não resolve nada, porque quem tem de decidir
é o presidente da câmara. Não são os condóminos quem vai decidir. Está errado.
O que propusemos, quando fomos ouvidos, era a criação de um
sistema de arbitragem ou até da chamada aos julgados de paz. Como é que o presidente
da câmara vai julgar com isenção, se ele não é poder legislativo? Os
presidentes de câmara vão ter de criar esse mecanismo de arbitragem. Vão ter de
fazê-lo no seio da câmara ou chegar a acordo com um julgado de paz, para criar
um mecanismo que seja justo e isento, para que a decisão que ele vai tomar
esteja apoiada em algo que já foi analisado.
Em relação a Lisboa, tem uma ideia de como vai funcionar
esse mecanismo?
Não, ainda estão a estudar. Porque essa foi a tal batata
quente que o Parlamento passou para as câmaras, como uma espécie de concessão
de autonomia às câmaras. Mas estas entenderam estas autonomia como uma grande
dor de cabeça. Agora, vão ter de ver como resolvem. E se em Lisboa é fácil,
porque tem estrutura para resolver essa questão, imagine como será em câmaras
do Algarve, bem menores, que nem julgados de paz criaram.
E qual é a outra
questão de que falava?
Tem que ver com as zonas de contenção. E temos de analisar
isto com clareza. A primeira questão é se o AL ou turismo trazem benefícios
para a cidade. Penso que hoje já ficou claro, e mesmo com esse debate com
posições extremadas, que o turismo tem uma importância grandes nos centros
urbanos, que está a crescer, e que o AL é hoje um dos pilares de crescimento do
turismo nessas zonas. Em Lisboa, já representa 40% de todas as dormidas. Hoje,
são 10 mil empregos na região metropolitana.
Para além de ter contribuído para a reabilitação urbana,
também permitiu o auto-emprego de milhares de famílias, trouxe outras pequenas
empresas, como as de limpeza e chek in. Temos uma multidão de colaboradores,
muitos deles são jornalistas, arquitectos, historiadores, que têm a sua
actividade, mas a mesma pode não estar muito fácil, e colaboram, por exemplo,
na recepção de hóspedes. De livre e espontânea vontade, não tem nada que ver
com trabalho precário. É um rendimento adicional que eles têm, por uma coisa
que adoram fazer. Isso está também a criar pequenas empresas, de aplicativos,
de gestão, de manutenção.
Criou-se uma nova
economia…
Sim, criou uma nova economia, muito baseada no
micro-empreendedorismo. Fala-se muito nos grande negócios do AL, mas essas
empresas representam apenas 8% do sector. E os grandes têm, muitas vezes, de
recorrer aos pequenos fornecedores. Há uma série de factores positivos. E em
especial o facto de revitalizarem os centros históricos, que estavam num estado
de abandono. A pergunta é: há ou não espaço para o AL crescer, tendo em conta
que há um problema de habitação na cidade? O caso de Lisboa e do Porto é diferente
a nível internacional. O AL cresce e tem interesse nas zonas históricas, que
era onde havia um problema enorme de atracção – nem era de casas, era de
atracção de habitantes.
Havia aqui um potencial grande, sem afectar a habitação.
Números concretos: Lisboa tinha, de acordo com o Censos 2011, antes de começar
esta vaga turística, 50 mil imóveis vagos e 35 mil de segunda habitação. Tinha,
portanto, 85 mil imóveis que não eram utilizados para habitação permanente e
que usávamos como base da nossa monitorização. Eles podem, eventualmente, ser
usados para recuperar imóveis que até estavam parados, sem afectar a habitação
e ainda sobrar uma grande quantidade desses imóveis para uso habitacional, se
conseguirmos revitalizar zonas que antes não tinham atracção habitacional.
Só nessas seis freguesias do centro de Lisboa onde se
concentra mais o AL, tínhamos cerca de 26 mil imóveis que não eram usados para
habitação permanente, dos quais 17 mil estavam vagos. Hoje, nessas zonas, tenho
11 mil AL. Portanto, havia espaço para que o AL crescesse sem afectar a
habitação.
Mas temos ou não um
problema de excesso de AL?
O desafio não deve ser criar zonas de contenção ou apostar
em proibições. Esta é a visão errada, proibicionista. Acho que isto nos cega
para ver o que é importante, que é perceber como posso tirar partido do impacto
positivo do AL, amenizando os impactos negativos. É óbvio, até por imposição
comunitária, que tenho de proibir a partir de um certo limite. Se cheguei a
este ponto, já não tenho grande margem para fazer coisas. A grande questão está
– e ainda existe esse possibilidade em alguns bairros aqui e também no Porto –
na gestão do crescimento. Não é limitar quando as coisas já estão no seu auge
de pressão. É a gestão do crescimento.
E como é que isso se faz?
É isso que espero que o regulamento esteja a trabalhar. As
restrições de agora, proibicionistas, são temporárias e visam evitar a
especulação enquanto o regulamento não é aprovado. O grande segredo e a grande
oportunidade estão em deixar esse discurso radicalizado de lado e perceber como
posso aproveitar o lado bom disto e minimizar o impacto negativo. Tenho de
olhar para estas zonas onde começa a haver maior pressão, através dessa
monitorização, e, nesse momento, encontrar fórmulas de direccionar esse
crescimento para aquilo que me interessa em termos de políticas públicas.
Por exemplo, podemos direccionar o AL para os imóveis que
estavam vagos e não ocupando os imóveis que estavam arrendados e com moradores.
Isto é possível, agora com a nova lei, através do regulamento que está em
preparação. A lei é relativamente aberta, nesse aspecto. Permite não apenas
definir quotas máximas, como também definir a gestão do crescimento. Isto é um
trabalho grande e algo inovador. Cá em Portugal, estamos na linha da frente da
gestão do crescimento.
Mas ainda não percebi
bem como é que isso se faz. A “gestão do crescimento” parece um chavão. Em
teoria parece bem, mas como é que aplica?
Não vou entrar aqui em detalhes, esse é um processo que a
própria câmara terá de trabalhar.
É forçar os prédios
vazios a terem uso?
Não. É, acima de tudo, dizer onde o AL vai ser monitorizado,
perceber onde está a crescer e tentar ver onde a pressão sentida vai interferir
com o uso para a habitação. Estamos a falar, por exemplo, da rescisão de
contratos de habitação para fazer AL. Só nos locais onde isso se começa a
sentir é que se deve actuar. Nos bairros onde ainda há ainda muitos imóveis
vagos – e eu assisti a isso em Alfama, no início – não é necessária tal
preocupação, porque o próprio mercado cuida disso.
O que temos de fazer é, a partir do momento em que
detectamos que pode haver uma pressão maior, criamos algumas regras, em vez de
proibir. Podemos decidir privilegiar a abertura de AL que não choquem com a
habitação ou que vão buscar o património que estava parado e dificilmente será
convertido em habitação acessível. Aí entra a política pública, o papel da
câmara de regular e criar essas regras. É isso que temos de discutir. A Câmara
de Lisboa estará a pensar nisso, espero. Isso não quer dizer que, em algumas
zonas de Lisboa, não tenhamos atingido já um limite. Mas aí entra um outro
factor, que é o investimento estrangeiro. Cria-se assim uma dupla pressão.
E como é que essa
intervenção pública se pode materializar?
O que se deve fazer é não pensar apenas em formas de
proibir, quando se chega no limite, mas pensar, acima de tudo, o que posso
fazer para gerir a situação para que se evite chegar no limite. E face a esse
crescimento, que por vezes é muito rápido, tentar que seja mais contido e
direccionado para os imóveis que não criam mais pressão e aqueles que
precisamos recuperar. O regulamento pode ajudar a gerir esse ritmo. Grande
parte da pressão de que se fala tem que ver com o ritmo a que o AL cresce, que
não permite às autoridades, à câmara, olhar com calma para o fenómeno.
Nas zonas intermédias, que não estão no limite, em vez de
esperar que cheguem lá, para depois proibir – e deixar que haja tensão social
enquanto isso não acontece -, deve-se antecipar. Podemos definir que, nesses
locais, terá de haver um crescimento mais gradual, segundo determinados
critérios. E aí podemos definir que vamos evitar que o AL vá roubar espaço ao
arrendamento, devendo ser direccionado para imóveis que estavam parados.
O regulamento é uma oportunidade de se criarem fórmulas
inovadoras de gestão do crescimento. Mas isso terá sempre de ser feito através
do recurso a indicadores precisos, a números. Se não, corremos o risco de
transformar isto num processo político. Quem falar mais alto na televisão é que
leva a sua.
Mas os números foram
utilizados como base do estudo da CML para justificar as zonas de suspensão e
as que ficam sob monitorização…
Esses números precisam de ser muito melhor explicados e
aprofundados. Acho que estão superficiais. Temos de explicar os indicadores,
que sejam claros e quantitativos, que toda a gente perceba o que se vai passar.
E, depois, indicar as medidas em função desses indicadores. As regras
comunitárias impõem algo e que ainda não foi feito aqui, mas pode sê-lo através
do regulamento, que tem que ver com a proporcionalidade. É por isso que temos
de analisar bem os números, porque há zonas nesse estudo da CML que não fazem
sentido.
Não posso juntar a Avenida da República com a Almirante Reis
e a Baixa. Aquelas zonas vão, obviamente, ter de ser melhor explicadas. Aquilo
não faz sentido como um todo. Aquela zona da Avenida da República é conhecida
pela hotelaria, não tem alojamento local, é absolutamente inexpressivo. Mesmo a
Almirante Reis tem diferenças, a parte de baixo tem uma grande concentração de
AL e a de cima não. Não podemos, portanto, tratar tudo aquilo como um todo. Mas
essa é a oportunidade que nos traz o regulamento, colocando números claros para
que a sociedade entender.
Após a apresentação
das zonas de contenção, os presidentes da juntas da Misericórdia e da Estrela
disseram que as mesmas eram insuficientes. A presidente da Misericórdia pediu
mesmo a suspensão de autorizações de novo AL em toda a freguesia. Já há aqui
uma pressão política…
Esse é o erro. No momento em que apresento como única
hipótese a suspensão, e explico que isso é temporário, mas não digo no
regulamento que posso criar outras fórmulas inovadoras, de acordo com o nível
de pressão do AL, estou a criar essa pressão política. Esses presidentes da
junta apenas estão a pensar na suspensão, porque foi a única porta que se
abriu. Isso vai criar uma corrida para a suspensão. Se calhar, a acompanhar o
anúncio dessas zonas de suspensão, deveria ter sido já revelado um pouco sobre as
outras medidas que constarão do regulamento. Se não, qualquer um que começar a
sentir uma pressão, vai pedir a suspensão.
Isso até pode não ser preciso. Posso ter milhares de imóveis
vazios, que, se fossem para AL, ajudava aquela zona e atrairia habitantes.
Precisamos de números e da definição clara do regulamento. Temos de ter
indicadores transparentes, porque, caso contrário, estaremos sempre nessa
guerra. Não é utilizar apenas os dados estatísticos que justificaram as
suspensões. Aquilo não bate com nada, tem imensas discrepâncias em relação à
realidade.
Isso quer dizer que, se os dados que serviram de base à
criação das zonas de contenção forem utilizados como base de trabalho do
regulamento, estamos a começar mal…
Será um mau ponto de partida, porque as definições das zonas
são ambíguas. Veja-se o caso do Bairro Alto. Lá diz-se que existem 13 mil camas
de AL, isso é impossível. Além disso, há aquela questão de juntar no mesmo saco
zonas tão distintas como a Avenida da República, a Almirante Reis e a Baixa. Em
todo o caso, há que ter em conta que temos formas de AL que podem ajudar à
habitação.
Como assim?
Tudo aquilo que não retira casas do mercado de habitação não
deveria ser proibido. Por exemplo, temos a possibilidade de usar quartos de AL
em casas de habitantes. É uma modalidade que já existia e que agora foi
autonomizada. Estou a falar de quarto na residência principal do titular. Dessa
forma, estou a favorecer a habitação, estou a permitir que essa pessoa possa
pagar a renda ou mesmo o empréstimo bancário. E aí não estou a afectar o
mercado de habitação.
Portanto, mesmo nessas zonas de contenção, se pararmos para
pensar e deixarmos de ter essa postura radical de tudo ou nada, se calhar,
encontramos também formas inteligentes de aí usar o AL em benefício de uma
política pública de habitação. Imagine um casal com um filho e que se separa.
Se calhar, um quarto que vaga pode ajudar a pagar a renda.
Concorda, no entanto,
que há zonas da cidade que já passaram o seu limite?
Achamos é que há determinadas zonas de certas freguesias
onde, efectivamente, o índice de concentração já começa a ser excessivo. Essas
zonas específicas têm de ser delimitadas e não juntas com outras dez zonas. Uma
boa forma de o conseguir seria ter como base as freguesias antigas, anteriores
à reforma administrativa de Lisboa, de 2012. Para mim, deveria ser a única base
de trabalho, porque as estatísticas do INE, tendo em conta o Censos 2011, são
feitas tendo como base essas freguesias. E já é uma subdivisão próxima do
bairro. Por exemplo, dentro de Alfama, podemos perceber que a Sé tem
características diferentes de São Miguel e de Santo Estêvão. Se me perguntar,
em Alfama, onde é que há a maior concentração de AL, digo-lhe logo São Miguel.
De longe.
Aí concorda com a
suspensão?
Estas suspensões são temporárias. Mas, se me pergunta se
concordo em suspender, aí digo que não. Poderíamos até ajudar a população a
profissionalizar-se e a entender como pode usar o AL para ajudar a pagar a
renda. A suspensão cega é algo contraproducente. Mesmo nestas zonas conseguimos
encontrar situações de excepção em que o AL é benéfico.
Mas é frequente
ouvirmos pessoas desses bairros a queixarem-se que estão a ser expulsos dali e
a atribuírem a culpa ao AL…
Sim, são as tais situações que podem acontecer nas zonas de
maior concentração. Mas, depois, no meio dessa conversa toda, há aqui um
incentivo muito grande a uma revolta social. Temos de ter muito cuidado, porque
nesses bairros pode haver uma fácil mobilização política e de conflito social
que, muitas vezes, é desproporcional face à realidade. Estamos a trabalhar sem
dados concretos nesta questão, estamos apenas a expor casos específicos de
pessoas que dizem ter sido expulsas pelo AL. Mas, se formos lá perguntar o que
se passou, percebemos que não é bem assim. Muitas vezes, foi o contrato que
acabou e o senhorio não o quis renovar. Estão a utilizar a palavra despejos
para tudo. Estamos a trabalhar puramente com a percepção pública emocional.
O AL não tem nada que ver com o problema da habitação nas
outras zonas da cidade, fora do centro histórico de Lisboa. E a população no
centro histórico estava já a cair antes do AL, como continua a cair. Além
disso, se o AL parar, vou continuar a ter estrangeiros a comprar aqui casas.
Muitas das pessoas que vivem nos bairros históricos constituem uma população
pobre, com pouca instrução e envelhecida e, por isso, frágil. Esteve sempre a
viver em zonas que, antes da Lei das Rendas e num contexto de degradação
urbana, estavam apartadas da realidade do mercado. Ora, essas condições mudaram
e o problema é que o poder público não tomou medidas prevendo tal situação.
O que rende o
alojamento local actualmente? Há uma ideia generalizada de que é uma mina de
ouro e que isso provoca muita ganância.
Há essa ideia de que toda a gente que tem uma propriedade –
muitos não têm, mas são herdeiros – é um capitalista selvagem, que vive à custa
dos outros. É assim que as pessoas tendem a ver.
Há aqui um factor inveja?
Acho que se utiliza muito esse factor inveja para criar um
discurso simplificado, que cai na demagogia política. Ou seja, trazer todas as
coisas que estão aqui dentro para o discurso público. E, com isso, fazer
sobressair o pior da sociedade, a inveja, os ressentimentos. No alojamento
local, isso acontece na porta ao lado, o vizinho. Não é só a questão da inveja.
Mas, voltando à questão da rentabilidade: há um problema aqui no centro
histórico. E o problema não é o alojamento local ser muito rentável ou muito
mais rentável do que o arrendamento tradicional.
É que, no arrendamento tradicional, a fórmula é pouco ou
nada atractiva. Prova disso são os 32% dos imóveis vagos que havia em Santa
Maria Maior. Com a vinda da crise, as pessoas começaram a arrendar esses
imóveis. Isso não só significa que havia imóveis disponíveis como revela um
problema grave, muito grave de atractividade e de rentabilização. Todos sabemos
isso.
Dizer que a solução para a classe média está no centro é
brincar com as pessoas: 64% da nossa oferta são apartamentos T0 e T1 com uma
média de 30-35 metros quadrados. Que famílias é que se espera atrair com estas
condições? É preciso olhar para isto de uma forma objectiva. Se queremos captar
os jovens, temos de montar políticas específicas para atingir esse objectivo.
Para o arrendamento ser atractivo aqui, é preciso trabalhar na parte fiscal,
que já existe. Neste momento, para quem fez obra aqui – e todas as pessoas
fizeram obra aqui, não há alternativa – o alojamento tradicional é de longe a situação
fiscal mais vantajosa. Basta uma pessoa informar-se e consegue 5% sobre o IRS
em vez dos 28%. Está na lei e ninguém falou sobre isso.
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