Moradores da Graça querem proibir circulação de tuk-tuks no
Miradouro da Senhora do Monte
Moradores da Graça querem proibir circulação de
tuk-tuks no
Miradouro da Senhora do Monte
Sofia Cristino
Texto
25 Outubro, 2018
No Miradouro da Calçada do Monte, na Graça, um dos sítios
mais procurados por quem visita Lisboa, chegam a estacionar mais de trinta
tuk-tuks, às vezes não em segunda, mas em terceira fila. O congestionamento
atingiu proporções incomportáveis e, várias vezes, as ambulâncias não conseguem
circular, ficando paradas vários minutos. Os moradores queixam-se de os
condutores descerem a Calçada do Monte a alta velocidade, tendo até já
provocado acidentes. “É utilizada como uma espécie de parque de diversões, os próprios
condutores chamam a esta descida ‘uma descida com emoção’”, diz um morador.
Inconformados com as práticas inseguras, lançaram uma petição a exigir a
proibição da circulação destes veículos naquela zona. Os próprios condutores concordam que este sector
de actividade já está “muito lotado”. “Às vezes, há 60 tuk-tuks aqui, ao mesmo
tempo. Há dias que parece a procissão a Fátima”, diz um.
Começaram a aparecer timidamente, mas, hoje, já são às
centenas a circular pelos bairros típicos da cidade. No Miradouro da Senhora do
Monte, na Graça, chegam a estar dezenas de tuk-tuks parados, numa zona de
estacionamento com menos de dez lugares. “Às vezes, há sessenta tuk-tuks aqui
ao mesmo tempo. Há dias que parece a procissão a Fátima e, quando se juntam
segways com bicicletas, é um caos. Para o ano, está previsto recebermos 4
milhões de turistas e vão ser precisos mais”, diz Carlos Camisão, 47 anos, ao
volante de um dos veículos de animação turística que compõe a paisagem de uma
das colinas mais altas de Lisboa. Os condutores destes veículos,“num dia muito
bom”, trazem ali turistas três vezes num dia.
No final de 2011, quando começaram a circular em Lisboa,
estes veículos eram criticados pelo ruído, mas agora as queixas estão
relacionadas com o congestionamento do trânsito e as descidas a alta
velocidade, que já culminaram em pelo menos dois acidentes. Inconformados com a
situação, que parece aumentar de dia para dia, os moradores da Graça lançaram
uma petição a exigir a proibição da circulação destes veículos, e de outros
afectos à actividade de animação turística, na Calçada do Monte – que já conta com 229 assinaturas. Segundo
Miguel Martins, autor da subscrição e morador na Calçada do Monte há mais de 40
anos, a condução insegura é um dos problemas que mais preocupa os habitantes.
“A Calçada do Monte é utilizada como uma espécie de parque
de diversões, os próprios condutores chamam a esta descida ‘uma descida com
emoção’, e já os ouvi perguntarem aos clientes se querem descer com adrenalina.
E vão todos a gritar por ali a baixo. Além do problema de segurança, eu já ia
sendo atropelado uma vez”, conta. No mesmo dia em que a petição foi lançada, a
13 de Outubro, um tuk-tuk capotou na Rua Damasceno Monteiro, provocando cinco
feridos ligeiros, quatro de nacionalidade norte-americana e um português.
Quem testemunhou o
acidente diz que o veículo turístico desceu a Calçada do Monte a alta
velocidade, não conseguindo fazer a curva que existe no final da calçada. Já em
2017, duas turistas alemãs tinham ficado feridas na sequência de outro
acidente. “Era um sítio tranquilo, onde se conseguia ver e desfrutar das
vistas. Agora, parece uma estação de camionetas a entrarem e a saírem. É tudo
menos um sítio para desfrutar de Lisboa, como já foi”, diz Miguel Martins.
Um sítio antes calmo convertido "numa central de
camionagem"
Os condutores de tuk-tuks ouvidos no local por O Corvo
garantem conduzir com segurança, mas reconhecem que Lisboa não tem capacidade
para responder ao aumento “sem regras” do número de veículos de animação
turística e pedem legislação. “Infelizmente, consigo perceber o lançamento da
petição, há pessoas a morar aqui há anos que sentem grandes diferenças na sua
qualidade de vida. Os acidentes não são recorrentes, tem a ver com a condução
de cada um, mas as estradas, sem condições e esburacadas, também não ajudam ao
nosso trabalho”, diz Luís Pereira, 30 anos, há três anos neste ramo de
actividade, depois de ter trabalhado vários anos em publicidade e marketing.
Catarina Ferreira, 27 anos, desde Abril a conduzir um tuk-tuk, também
compreende as queixas dos moradores.
“Percebo o motivo da petição, este negócio está muito
lotado. Muitas vezes, temos de estacionar em segunda fila e esperar que um
colega saia para estacionarmos, tentamos não empatar o trânsito, mas nem sempre
é possível”, diz. Junto ao miradouro, há meia dúzia de lugares exclusivos para
transportes turísticos, mas chegam a estar lá estacionados mais de vinte. “Bem
apertadinhos e com diálogo, cabemos todos”, diz Carlos Camisão. Nem todos,
porém, são tão benevolentes como Carlos e criticam a falta de regras e de um
regulamento camarário.
A Câmara Municipal de
Lisboa (CML) está, desde dezembro de 2017, a trabalhar num documento para
regular o sector, mas, até ao momento, ainda não há novidades sobre tais
propostas. “A Câmara de Lisboa só fez uma coisa boa – criar mais lugares de
estacionamento para veículos turísticos -, mas não acompanhou o crescimento e
não tem feito nada para regular o sector. Há 115 lugares para 500 tuk-tuks.
Hoje, somos sete vezes mais tuk-tuks do que quando começamos, e a estimativa é que
aumentem, é preciso tomar-se medidas”, pede Luís Pereira.
Outra das queixas comuns dos “drivers”, como se
auto-intitulam, é a falta de fiscalização deste ramo de actividade turística e
de formação de alguns profissionais, tornando a concorrência pouco leal. “Às
21h00, supostamente temos de parar e, à meia-noite, ainda se vêem tuk-tuks, não
é justo nem correcto” conta Luís Pereira. Em Setembro de 2015, o presidente da
CML, Fernando Medina, anunciava que a circulação dos minicarros turísticos apenas
poderia ser feita entre as 9h00 e as 21h00. “Queria anunciar que parte
importante das decisões desse regulamento serão antecipadas por despacho e
ainda este mês entrarão em vigor”, afirmava Medina, na altura, perante a
Assembleia Municipal de Lisboa. O regulamento ainda não entrou, contudo, em
vigor e estes horários não são cumpridos, nem fiscalizados.
Uma medida que também
deveria ter entrado em vigor, a partir de 1 de Janeiro do ano passado, é a
obrigação de todos os tuk-tuks passarem a ser eléctricos, mas ainda se vêem
vários veículos movidos a gasolina. Carlos Camisão não tem problemas em
afirmá-lo. “A gasolina, conseguimos chegar a mais sítios, os eléctricos ficam
logo sem carga. Faço muitas viagens turísticas de oito horas, com um veículo eléctrico
não conseguia”, conta Carlos Camisão. O colega, Jorge Matos, 26 anos, tem uma
visão diferente. “Os veículos a gasolina e, principalmente, a gasóleo, fazem
muito barulho. Isto não é uma montanha russa e tenho cuidado em não fazer muito
ruído”, diz o “driver”, que trabalha apenas em part-time. Cristina Rodrigues,
50 anos, é da mesma opinião. “Era incapaz de andar ainda com um tuk tuk a
gasolina, tornam a cidade muito barulhenta. Trabalho com uma guia turística e
acho que sou a única a fazê-lo, porque acho que fazemos um trabalho melhor
assim, uma conduz e a outra conta a história da cidade”, explica.
Enquanto que alguns
condutores pedem mais controlo sobre a actividade, Cristina não vê essa
necessidade. A designer conduz tuk-tuks em regime part-time e vê com bons olhos
o crescimento do sector. “Devia haver uma petição para arranjarem as ruas de
Lisboa, não concordo com o condicionamento dos sítios onde podemos andar. Não
vir à Graça é retirar quase Lisboa toda aos turistas. O eléctrico 28 não vem cá
acima, ao miradouro, e acabamos por transportar pessoas de mobilidade reduzida,
que de outra forma não conseguiriam vir. Não precisamos de mais legislação”,
considera.
Os moradores, porém,
dizem que o número de tuk-tuks a circularem no bairro da Graça são da ordem
“das largas centenas” e que a situação está a tornar-se “insuportável”. “Todos
os dias, ouvimos buzinadelas de pessoas que querem tentar passar e não conseguem
porque os tuk-tuks estão em manobras para saírem. Para alguém que passa ali, é
só uma buzinadela, mas para quem vive é um dia inteiro de ruído. Não é possível ter uma janela aberta, há
gritos constantes das pessoas a descerem, é perturbador. Podemos chamar a
polícia municipal, mas eles sabem disso e, quando chamamos, já foram embora”,
diz Miguel Martins, morador na Calçada do Monte.
Os autores da petição
para a proibição da circulação de veículos tuk-tuk e outros afectos à
actividade de animação turística na Calçada do Monte sugerem que os condutores
passem a parar nos dois parques de estacionamento da Empresa de Mobilidade e
Estacionamento de Lisboa (EMEL) localizados na Rua Dasmaceno Monteiro. “Lá há
lugares vazios e sugerimos que sejam criados mais para pararem em condições. O
problema já está grave e vai crescer, porque o turismo está a aumentar.
Parece-me razoável andarem uns metros a pé, até para o comércio local da
freguesia”, explica Miguel Martins.
Os moradores dizem já
terem assistido, mais do que uma vez, a ambulâncias e viaturas dos bombeiros,
com sirene ligada, parados na calçada devido ao congestionamento do trânsito,
ou a demorarem muito tempo a fazerem uma distância que se percorre em segundos.
Os habitantes da Graça estão, também, preocupados com a condução perigosa, o
ruído excessivo e o estacionamento abusivo destes transportes. “Não temos nada
contra os turistas, temos contra o comportamento desordeiro que prejudica a
nossa qualidade de vida, isto não é a Disneyland nem um parque de diversões,
moram aqui pessoas”, conclui Miguel Martins.
Contactada por O
Corvo, a presidente da Junta de Freguesia de São Vicente, Natalina Moura (PS),
diz estar preocupada com o elevado número de tuk-tuks a circularem na Graça e
receber muitas queixas dos moradores. “A Calçada do Monte traz-nos bastantes
engulhos porque nem sempre a velocidade é a adequada à inclinação da rua. As
pessoas já não se queixam do ruído, mas da falta de segurança”, diz a autarca,
que já assistiu a mais do que um acidente. Quanto à causa do acidente ocorrido
no passado dia 13 de Outubro, Natalina diz não ter sido “o excesso de
velocidade”, mas o “sobrepeso” do tuk-tuk, ao transportar pessoas e malas.
Natalina Moura não tem conhecimento de quantos tuk-tuks
circulam, actualmente, na freguesia de São Vicente, nem quando a legislação
camarária entra em vigor. “Em São Vicente, ainda não há nenhum planeamento
feito pela Câmara de Lisboa para a limitação de tuk-tuks e é urgente que
apareça rapidamente, para não termos mais nenhum dissabor. Já pedi ao vereador
da Mobilidade, Miguel Gaspar, para avançarem e criarem mais zonas pedonais, mas
até agora não está nada feito”, diz.
A autarca alerta ainda para o congestionamento noutras
partes da freguesia. “Além da Calçada do Monte, às terças e sábados, a entrada
dos tuk-tuks no Campo de Santa Clara, em direcção ao Panteão, é um
complicómetro. Já sugeri que este troço deixasse de funcionar pelo menos aos
dias da feira da ladra”, informa. Natalina Moura não concorda, porém, com a
alternativa de estacionamento sugerida pelos peticionários. “Se as queixas
sobre a escassez do estacionamento já são muitas, embora tenhamos aumentado
significativamente os lugares, com os tuk-tuks estacionados nos parques de
estacionamento aumentariam. A solução passa mesma pela limitação da
circulação”, conclui.
O Corvo também
contactou a Câmara de Lisboa para perceber se o regulamento para os tuk-tuks já
está concluído e para quando se prevê a entrada em vigor do mesmo, mas até ao
momento da publicação deste artigo não obteve resposta.
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