quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Moradores da Graça querem proibir circulação de tuk-tuks no Miradouro da Senhora do Monte/ VIDEO: Miradouro do Monte em 13 Out 2018




Moradores da Graça querem proibir circulação de tuk-tuks no 
Miradouro da Senhora do Monte







Moradores da Graça querem proibir circulação de 
tuk-tuks no Miradouro da Senhora do Monte

Sofia Cristino
Texto
25 Outubro, 2018

No Miradouro da Calçada do Monte, na Graça, um dos sítios mais procurados por quem visita Lisboa, chegam a estacionar mais de trinta tuk-tuks, às vezes não em segunda, mas em terceira fila. O congestionamento atingiu proporções incomportáveis e, várias vezes, as ambulâncias não conseguem circular, ficando paradas vários minutos. Os moradores queixam-se de os condutores descerem a Calçada do Monte a alta velocidade, tendo até já provocado acidentes. “É utilizada como uma espécie de parque de diversões, os próprios condutores chamam a esta descida ‘uma descida com emoção’”, diz um morador. Inconformados com as práticas inseguras, lançaram uma petição a exigir a proibição da circulação destes veículos naquela zona.  Os próprios condutores concordam que este sector de actividade já está “muito lotado”. “Às vezes, há 60 tuk-tuks aqui, ao mesmo tempo. Há dias que parece a procissão a Fátima”, diz um.

Começaram a aparecer timidamente, mas, hoje, já são às centenas a circular pelos bairros típicos da cidade. No Miradouro da Senhora do Monte, na Graça, chegam a estar dezenas de tuk-tuks parados, numa zona de estacionamento com menos de dez lugares. “Às vezes, há sessenta tuk-tuks aqui ao mesmo tempo. Há dias que parece a procissão a Fátima e, quando se juntam segways com bicicletas, é um caos. Para o ano, está previsto recebermos 4 milhões de turistas e vão ser precisos mais”, diz Carlos Camisão, 47 anos, ao volante de um dos veículos de animação turística que compõe a paisagem de uma das colinas mais altas de Lisboa. Os condutores destes veículos,“num dia muito bom”, trazem ali turistas três vezes num dia.

No final de 2011, quando começaram a circular em Lisboa, estes veículos eram criticados pelo ruído, mas agora as queixas estão relacionadas com o congestionamento do trânsito e as descidas a alta velocidade, que já culminaram em pelo menos dois acidentes. Inconformados com a situação, que parece aumentar de dia para dia, os moradores da Graça lançaram uma petição a exigir a proibição da circulação destes veículos, e de outros afectos à actividade de animação turística, na Calçada do Monte –  que já conta com 229 assinaturas. Segundo Miguel Martins, autor da subscrição e morador na Calçada do Monte há mais de 40 anos, a condução insegura é um dos problemas que mais preocupa os habitantes.

“A Calçada do Monte é utilizada como uma espécie de parque de diversões, os próprios condutores chamam a esta descida ‘uma descida com emoção’, e já os ouvi perguntarem aos clientes se querem descer com adrenalina. E vão todos a gritar por ali a baixo. Além do problema de segurança, eu já ia sendo atropelado uma vez”, conta. No mesmo dia em que a petição foi lançada, a 13 de Outubro, um tuk-tuk capotou na Rua Damasceno Monteiro, provocando cinco feridos ligeiros, quatro de nacionalidade norte-americana e um português.

 Quem testemunhou o acidente diz que o veículo turístico desceu a Calçada do Monte a alta velocidade, não conseguindo fazer a curva que existe no final da calçada. Já em 2017, duas turistas alemãs tinham ficado feridas na sequência de outro acidente. “Era um sítio tranquilo, onde se conseguia ver e desfrutar das vistas. Agora, parece uma estação de camionetas a entrarem e a saírem. É tudo menos um sítio para desfrutar de Lisboa, como já foi”, diz Miguel Martins.

Um sítio antes calmo convertido "numa central de camionagem"
Os condutores de tuk-tuks ouvidos no local por O Corvo garantem conduzir com segurança, mas reconhecem que Lisboa não tem capacidade para responder ao aumento “sem regras” do número de veículos de animação turística e pedem legislação. “Infelizmente, consigo perceber o lançamento da petição, há pessoas a morar aqui há anos que sentem grandes diferenças na sua qualidade de vida. Os acidentes não são recorrentes, tem a ver com a condução de cada um, mas as estradas, sem condições e esburacadas, também não ajudam ao nosso trabalho”, diz Luís Pereira, 30 anos, há três anos neste ramo de actividade, depois de ter trabalhado vários anos em publicidade e marketing. Catarina Ferreira, 27 anos, desde Abril a conduzir um tuk-tuk, também compreende as queixas dos moradores.
“Percebo o motivo da petição, este negócio está muito lotado. Muitas vezes, temos de estacionar em segunda fila e esperar que um colega saia para estacionarmos, tentamos não empatar o trânsito, mas nem sempre é possível”, diz. Junto ao miradouro, há meia dúzia de lugares exclusivos para transportes turísticos, mas chegam a estar lá estacionados mais de vinte. “Bem apertadinhos e com diálogo, cabemos todos”, diz Carlos Camisão. Nem todos, porém, são tão benevolentes como Carlos e criticam a falta de regras e de um regulamento camarário.

 A Câmara Municipal de Lisboa (CML) está, desde dezembro de 2017, a trabalhar num documento para regular o sector, mas, até ao momento, ainda não há novidades sobre tais propostas. “A Câmara de Lisboa só fez uma coisa boa – criar mais lugares de estacionamento para veículos turísticos -, mas não acompanhou o crescimento e não tem feito nada para regular o sector. Há 115 lugares para 500 tuk-tuks. Hoje, somos sete vezes mais tuk-tuks do que quando começamos, e a estimativa é que aumentem, é preciso tomar-se medidas”, pede Luís Pereira.

Outra das queixas comuns dos “drivers”, como se auto-intitulam, é a falta de fiscalização deste ramo de actividade turística e de formação de alguns profissionais, tornando a concorrência pouco leal. “Às 21h00, supostamente temos de parar e, à meia-noite, ainda se vêem tuk-tuks, não é justo nem correcto” conta Luís Pereira. Em Setembro de 2015, o presidente da CML, Fernando Medina, anunciava que a circulação dos minicarros turísticos apenas poderia ser feita entre as 9h00 e as 21h00. “Queria anunciar que parte importante das decisões desse regulamento serão antecipadas por despacho e ainda este mês entrarão em vigor”, afirmava Medina, na altura, perante a Assembleia Municipal de Lisboa. O regulamento ainda não entrou, contudo, em vigor e estes horários não são cumpridos, nem fiscalizados.

 Uma medida que também deveria ter entrado em vigor, a partir de 1 de Janeiro do ano passado, é a obrigação de todos os tuk-tuks passarem a ser eléctricos, mas ainda se vêem vários veículos movidos a gasolina. Carlos Camisão não tem problemas em afirmá-lo. “A gasolina, conseguimos chegar a mais sítios, os eléctricos ficam logo sem carga. Faço muitas viagens turísticas de oito horas, com um veículo eléctrico não conseguia”, conta Carlos Camisão. O colega, Jorge Matos, 26 anos, tem uma visão diferente. “Os veículos a gasolina e, principalmente, a gasóleo, fazem muito barulho. Isto não é uma montanha russa e tenho cuidado em não fazer muito ruído”, diz o “driver”, que trabalha apenas em part-time. Cristina Rodrigues, 50 anos, é da mesma opinião. “Era incapaz de andar ainda com um tuk tuk a gasolina, tornam a cidade muito barulhenta. Trabalho com uma guia turística e acho que sou a única a fazê-lo, porque acho que fazemos um trabalho melhor assim, uma conduz e a outra conta a história da cidade”, explica.

 Enquanto que alguns condutores pedem mais controlo sobre a actividade, Cristina não vê essa necessidade. A designer conduz tuk-tuks em regime part-time e vê com bons olhos o crescimento do sector. “Devia haver uma petição para arranjarem as ruas de Lisboa, não concordo com o condicionamento dos sítios onde podemos andar. Não vir à Graça é retirar quase Lisboa toda aos turistas. O eléctrico 28 não vem cá acima, ao miradouro, e acabamos por transportar pessoas de mobilidade reduzida, que de outra forma não conseguiriam vir. Não precisamos de mais legislação”, considera.

 Os moradores, porém, dizem que o número de tuk-tuks a circularem no bairro da Graça são da ordem “das largas centenas” e que a situação está a tornar-se “insuportável”. “Todos os dias, ouvimos buzinadelas de pessoas que querem tentar passar e não conseguem porque os tuk-tuks estão em manobras para saírem. Para alguém que passa ali, é só uma buzinadela, mas para quem vive é um dia inteiro de ruído.  Não é possível ter uma janela aberta, há gritos constantes das pessoas a descerem, é perturbador. Podemos chamar a polícia municipal, mas eles sabem disso e, quando chamamos, já foram embora”, diz Miguel Martins, morador na Calçada do Monte.

 Os autores da petição para a proibição da circulação de veículos tuk-tuk e outros afectos à actividade de animação turística na Calçada do Monte sugerem que os condutores passem a parar nos dois parques de estacionamento da Empresa de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) localizados na Rua Dasmaceno Monteiro. “Lá há lugares vazios e sugerimos que sejam criados mais para pararem em condições. O problema já está grave e vai crescer, porque o turismo está a aumentar. Parece-me razoável andarem uns metros a pé, até para o comércio local da freguesia”, explica Miguel Martins.

 Os moradores dizem já terem assistido, mais do que uma vez, a ambulâncias e viaturas dos bombeiros, com sirene ligada, parados na calçada devido ao congestionamento do trânsito, ou a demorarem muito tempo a fazerem uma distância que se percorre em segundos. Os habitantes da Graça estão, também, preocupados com a condução perigosa, o ruído excessivo e o estacionamento abusivo destes transportes. “Não temos nada contra os turistas, temos contra o comportamento desordeiro que prejudica a nossa qualidade de vida, isto não é a Disneyland nem um parque de diversões, moram aqui pessoas”, conclui Miguel Martins.

 Contactada por O Corvo, a presidente da Junta de Freguesia de São Vicente, Natalina Moura (PS), diz estar preocupada com o elevado número de tuk-tuks a circularem na Graça e receber muitas queixas dos moradores. “A Calçada do Monte traz-nos bastantes engulhos porque nem sempre a velocidade é a adequada à inclinação da rua. As pessoas já não se queixam do ruído, mas da falta de segurança”, diz a autarca, que já assistiu a mais do que um acidente. Quanto à causa do acidente ocorrido no passado dia 13 de Outubro, Natalina diz não ter sido “o excesso de velocidade”, mas o “sobrepeso” do tuk-tuk, ao transportar pessoas e malas.

Natalina Moura não tem conhecimento de quantos tuk-tuks circulam, actualmente, na freguesia de São Vicente, nem quando a legislação camarária entra em vigor. “Em São Vicente, ainda não há nenhum planeamento feito pela Câmara de Lisboa para a limitação de tuk-tuks e é urgente que apareça rapidamente, para não termos mais nenhum dissabor. Já pedi ao vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar, para avançarem e criarem mais zonas pedonais, mas até agora não está nada feito”, diz.

A autarca alerta ainda para o congestionamento noutras partes da freguesia. “Além da Calçada do Monte, às terças e sábados, a entrada dos tuk-tuks no Campo de Santa Clara, em direcção ao Panteão, é um complicómetro. Já sugeri que este troço deixasse de funcionar pelo menos aos dias da feira da ladra”, informa. Natalina Moura não concorda, porém, com a alternativa de estacionamento sugerida pelos peticionários. “Se as queixas sobre a escassez do estacionamento já são muitas, embora tenhamos aumentado significativamente os lugares, com os tuk-tuks estacionados nos parques de estacionamento aumentariam. A solução passa mesma pela limitação da circulação”, conclui.

 O Corvo também contactou a Câmara de Lisboa para perceber se o regulamento para os tuk-tuks já está concluído e para quando se prevê a entrada em vigor do mesmo, mas até ao momento da publicação deste artigo não obteve resposta.

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